Coluna Penal 360

Desafios Digitais na Administração Pública: Proteção Jurídica contra Dados Falsos

Decisões significativas do STJ ressaltam a necessidade de autorização legal específica para a configuração do delito.

27 de maio de 2024 às 11:40
11 min de leitura

Por Dr. Ricardo Pinheiro

Direto de Brasília


Na era digital, a administração pública enfrenta desafios sem precedentes relacionados à segurança e integridade de seus sistemas informatizados. O crime de inserção de dados falsos em sistemas de informações, definido no artigo 313-A do Código Penal, emerge como uma resposta jurídica crucial a essas ameaças, visando proteger a infraestrutura crítica do governo contra manipulações ilícitas. Com penas que variam de dois a doze anos de reclusão, além de multa, este delito destaca-se por exigir que apenas funcionários públicos autorizados possam cometê-lo, sublinhando a seriedade da conduta e a importância de preservar a confiabilidade dos dados governamentais.Ilustração - Foto: @chrisliveraniutm na Unsplash

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido instrumental na clarificação e expansão da compreensão desse tipo penal, abordando desde a responsabilidade penal dos coautores e partícipes até a consumação do crime independentemente da ocorrência de dano material. Decisões significativas do STJ ressaltam a necessidade de autorização legal específica para a configuração do delito, garantindo a responsabilização adequada de todos os envolvidos. Além disso, o STJ reconhece a gravidade concreta de tais atos ilícitos, especialmente quando resultam em concessão indevida de benefícios previdenciários, evidenciando o impacto sistêmico sobre a sustentabilidade financeira e operacional das autarquias federais.

Este crime não apenas reflete o compromisso do ordenamento jurídico brasileiro em proteger os sistemas informatizados da Administração Pública, mas também destaca a adaptabilidade do direito penal às realidades tecnológicas contemporâneas. Através de uma interpretação detalhada e adaptativa, o direito penal brasileiro enfrenta os desafios impostos pela digitalização, assegurando a integridade e a confiança no sistema jurídico e administrativo do país.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem um papel essencial na interpretação e expansão do entendimento relativo ao crime de inserção de dados falsos em sistemas de informações. Ela abrange questões chave, como a atribuição de responsabilidade penal a coautores e partícipes, a possibilidade de o crime ser considerado consumado mesmo na ausência de dano material aos cofres públicos, e o impacto do dano causado na determinação da pena.

Um exemplo marcante dessa abordagem jurisprudencial é a decisão no caso AgRg no REsp nº 1.512.328/RS. Neste caso, o STJ esclareceu que a condição de funcionário público, um requisito essencial para a configuração do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, se estende a todos os envolvidos na ação criminosa, mesmo àqueles que não detêm tal status oficialmente. Isso se dá em conformidade com o art. 30 do Código Penal, que estabelece a comunicação das características essenciais do crime a todos os participantes, tornando inviável o pedido de absolvição com base na ausência da condição de funcionário público. Esta decisão sublinha a importância da autorização legal específica para a configuração do delito e reforça a responsabilidade compartilhada de todos os envolvidos na sua execução, evidenciando o compromisso do STJ em proteger a integridade dos sistemas informatizados da Administração Pública.

Trechos da ementa:

A condição de funcionário público, elementar do tipo descrito no art. 313-A do Código Penal, comunica-se a todos os envolvidos na prática do crime, ainda que não possuam referida qualidade, nos termos do art. 30 do Código Penal, razão pela qual inviável o acolhimento do pedido de absolvição quanto ao crime de inserção de dados falsos em sistema de informações.

Um ponto notável destacado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante o julgamento do AgRg no REsp nº 1.988.116/CE é a severidade real que vai além das simples implicações patrimoniais, particularmente em situações de concessões indevidas de benefícios previdenciários. Esta análise sublinha o efeito sistêmico de tais condutas ilícitas na estabilidade financeira e na capacidade operacional das autarquias federais, destacando a complexidade e o alcance extenso das repercussões desses atos.

Trechos da ementa:

O STJ reconhece que o delito previsto no art. 313-A do CP não é de natureza patrimonial e que a concessão indevida de benefícios previdenciários implica prejuízo sistêmico à autarquia federal, instituição fundamental para a sobrevivência de inúmeros brasileiros, o que caracteriza gravidade concreta não prevista no citado tipo penal.

Adicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de julgamentos como o do Habeas Corpus nº 388.543/SP, ilustrou a conexão entre o delito de inserção de dados falsos em sistemas de informação e outros crimes, como a falsidade ideológica, apontando para a subsunção de um crime pelo outro sob certas condições. Esta avaliação legal ressalta a importância de uma análise minuciosa dos fatos e do direito aplicável, assegurando que a lei seja aplicada de maneira justa e apropriada.

Trechos da ementa:

A inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública - endereço de corréu e gabarito de prova supostamente realizada por ele - visou a expedição da carteira nacional de habilitação. Daí se afirmar que o crime previsto no art. 313-A se exauriu na prática daquele previsto no art. 299, tendo sido mero instrumento para a execução deste.

Habeas corpus em que se concede a ordem para reconhecer a absorção do delito previsto no art. 313-A pelo do art. 299, ambos do Código Penal, estando extinta a punibilidade, pela prescrição, quanto ao último delito.”

O julgamento do conflito de competência (CC) nº 168.814/PA, também revela a aplicação do princípio da especialidade, determinando a competência jurisdicional adequada para casos envolvendo militares, reforçando a jurisdição militar como a mais apropriada para lidar com delitos que afetam a ordem administrativa das Forças Armadas.

Trechos da ementa:

A inserção de informações falsas, por militar, em sistema de informação da Aeronáutica, com vistas à obtenção de vantagem indevida de militares que almejavam a contratação de empréstimos em condições mais vantajosas, configura crime militar, pois perpetrada por militar, em situação de atividade, contra a ordem administrativa militar (art. 9º, II, e, do CPM).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido fundamental na clarificação e expansão da compreensão desse tipo penal, abordando a responsabilidade penal de coautores e partícipes, a consumação do crime independentemente de dano material, e a necessidade de autorização legal específica. Decisões significativas, como no caso AgRg no REsp nº 1.512.328/RS, reforçam a responsabilidade compartilhada de todos os envolvidos e a importância da autorização legal específica.

O STJ também reconhece a gravidade concreta dos atos ilícitos, especialmente em concessões indevidas de benefícios previdenciários, destacando o impacto sistêmico sobre a sustentabilidade financeira das autarquias federais. Além disso, a jurisprudência ilustra a conexão entre o delito de inserção de dados falsos e outros crimes, como a falsidade ideológica, e a aplicação do princípio da especialidade em casos envolvendo militares.

Em suma, o crime de inserção de dados falsos em sistemas de informações reflete o compromisso do ordenamento jurídico brasileiro em proteger os sistemas informatizados da Administração Pública, adaptando-se às realidades tecnológicas contemporâneas e assegurando a integridade e a confiança no sistema jurídico e administrativo do país.

Fontes:

Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

REsp n. 1.596.708/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 1/6/2017, DJe de 13/6/2017.

AgRg no REsp n. 1.988.116/CE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022.

HC n. 388.543/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 27/2/2018, DJe de 8/3/2018.

CC n. 168.814/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 13/5/2020, DJe de 19/5/2020.

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