Teresina entre rios: a cidade que ignora seu maior patrimônio natural
Abraçadas por Parnaíba e Poti, a cidade vive de costas para suas águas, perdendo a chance de transformar seus rios em vibrantes espaços de convivência
Teresina, a capital do Piauí, ostenta com orgulho o título de“Cidade Verde”,um oásis em meio ao semiárido nordestino. Mas há um frase, menos celebrada e mais paradoxal, que a define:“Teresina entre rios”.
Banhada pelos rios Parnaíba e Poti, a cidade deveria, por lógica geográfica e bom senso urbanístico, ter uma relação intrínseca com suas águas.No entanto, o que se vê é um divórcio silencioso, uma desconexão que salta aos olhos de quem a visita e, mais ainda, de quem nela reside.
É como se os rios fossem meros acidentes geográficos, barreiras tnaturais a serem transpostas por pontes, e não veias pulsantes que deveriam irrigar a vida urbana, o lazer e a economia local.
Na avenida Raul Lopes o contato com a natureza se encerra no calçadão. Nem sequer trilhas ecológicas são uma opção.
A ironia é cruel: a única capital nordestina que não se banha em mar vira as costas para seus próprios rios. Um enigma que desafia a compreensão e clama por respostas. Entenda comigo…
A realidade de Teresina: rios invisíveis
Apesar da presença imponente dos rios Parnaíba e Poti, a realidade de Teresina é de uma cidade que ignora seu potencial fluvial. A falta de parques bem estruturados à beira-rio, com quiosques, restaurantes e espaços de convivência, é um dos sintomas mais evidentes dessa desconexão. Embora existam iniciativas pontuais, como o Parque Ambiental Beira Rio e o Restaurante Flutuante, elas são exceções que confirmam a regra.
Encontro dos rios em Teresina. Pouca estrutira até para os ribeirinhos.
Regra essa que a proteção ambiental, também, por muitas vezes é tratada como um uma das vilãs para a criação destes espaços de interação, e não como um pilar para um desenvolvimento sustentável que integre a natureza à vida urbana.
O resultado é que poucos, muito poucos teresinenses das últimas décadas, mesmo aqueles que nasceram e cresceram na cidade, tiveram a oportunidade de vivenciar plenamente as águas que banham nossa cidade.
Os rios, que deveriam ser um cartão-postal e um polo de atração, tornam-se elementos quase invisíveis no cotidiano da população, relegados a um segundo plano, como se fossem apenas limites geográficos e não fontes de vida e lazer.
O espelho de Petrolina: um modelo possível
Para entender o que Teresina poderia ser, basta olhar para Juazeiro, na Bahia e Petrolina, em Pernambuco. Banhados pelo Rio São Francisco, Petrolina principalmente, transformou sua orla em um vibrante centro de lazer e turismo.
Ciclovia convidativa, bares e restaurantes que se debruçam sobre as águas e a possibilidade de passeios de catamarã. Um exemplo de como a integração com o rio pode impulsionar a vida urbana e a economia local.
Outros horizontes: lições de cidades ribeirinhas
Além de Petrolina, o Brasil e o mundo oferecem inúmeros exemplos de cidades que souberam abraçar seus rios e transformá-los em ativos valiosos. Projetos de requalificação de orlas fluviais, quando bem planejados e executados, podem gerar benefícios multifacetados: desde a criação de atrativos turísticos que impulsionam a economia local, até a melhoria da acessibilidade e a valorização da identidade cultural da região.
Belém, no Pará, têm investido na revitalização de suas orlas fluviais, transformando áreas antes degradadas em espaços de convivência e lazer.
Um convite para abraçar o rio.
A Orla de Guaiba em Porto Alegre, é também um case de sucesso na requalificação de sua frente ribeirinha.
Orla de Guaíba mesmo sendo em um lago já é um exemplo de integração de avenida, espaço de acolhimento e a beira das águas naturais.
MOBILIZAR É PRECISO: QUEM VAI REMAR COM TERESINA?
A reconexão com os rios é viável e urgente. Temos, por exemplo, uma extensa faixa de margem preservada ao longo da avenida Raul Lopes, um dos pontos mais nobres e movimentados da cidade. Um deck de madeira panorâmico, com quiosques e áreas de descanso voltadas para o pôr do sol, seria um gesto simbólico e transformador.
A Curva de São Paulo, esquecida e tomada pelo mato, poderia se tornar o grande cartão-postal da zona Sudeste. A exemplo da Estação das Docas, em Belém, ou da Orla de Aracaju, ali há espaço e vocação para receber projetos que unam natureza, gastronomia e mobilidade urbana.
É hora de instigar os vereadores e deputados. De convocar a Secretaria municipais e estaduais do Meio Ambiente e Secretaria de Infraestrutura para um plano de ação integrado. De chamar a iniciativa privada para adotar trechos, construir equipamentos e, em troca, ganhar visibilidade e valor de marca.
E é hora, sobretudo, de cobrar do Governo do Estado do Piauí. Se o mesmo Estado que sonha alto com o Porto de Luís Correia e com investimentos bilionários em infraestrutura deseja protagonismo, que também saiba reconhecer e valorizar em parceria com a prefeitura de Teresina, a capital que o sustenta fiscalmente e que por décadas foi preterida em projetos estruturantes.
O ponto de ruptura
Chegamos, então, ao ponto de ruptura. Teresina, com sua geografia privilegiada, não pode mais se dar ao luxo de ignorar seus rios. A inação não é apenas uma falha urbanística; é um desperdício de potencial, uma negação da própria identidade. É preciso romper com a indiferença, com a miopia que impede a cidade de enxergar a riqueza que corre em suas veias fluviais.
É momento de decidir: continuaremos a ser a capital “entre rios” que vive de costas para eles, ou ousaremos sonhar com uma Teresina que abraça suas águas, que as transforma em parques, em quiosques, em restaurantes, em vida? A escolha é nossa. E o futuro da cidade, de seus habitantes e de sua relação com a natureza, depende dessa decisão.
Que os rios Parnaíba e Poti deixem de ser invisíveis e se tornem, finalmente, o coração pulsante de uma Teresina que se redescobre e se reconecta com sua essência fluvial. O tempo da contemplação passiva acabou. É hora de agir, de construir, de vivenciar Teresina entre rios, de verdade.
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