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Chacina da Meruoca: 25 anos da ação policial desastrosa que matou 4 inocentes

Empresários e motorista saíram para caçar e foram friamente executados por policiais que procuravam assaltantes de banco.

31 de janeiro de 2024 às 13:14
8 min de leitura

Um dos acontecimentos policiais mais marcantes da história do Piauí completou 25 este mês. Na madrugada do dia 16 de janeiro de 1999, quatro homens inocentes foram brutalmente assassinados pela polícia na área da Meruoca, entre os municípios de Teresina, José de Freitas e União. A desastrada ação policial ganhou forte repercussão e ficou marcada como a "Chacina da Meruoca".

Entrada para a Meruoca (Foto: Ezequiel de Sá/Lupa1)

Na noite anterior, bandidos armados assaltaram a agência do Banco do Brasil da cidade de Altos. A ação criminosa mobilizou forças policiais para a região na tentativa de capturar os bandidos. Na mesma noite, três empresários e o motorista foram caçar na região da Meruoca. Com armas de caça, eles chegaram a passar sem problemas por uma barreira da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Durante a madrugada, os quatro estavam próximos a uma área de canavial, com uma fogueira acesa, quando foram surpreendidos por uma viatura com policiais do COE (Comando de Operações Especiais, da PM) e do Corisco (Comando Operacional e Repressão Intensiva ao Crime, da Polícia Civil). Suspeitando que os empresários eram parte da quadrilha de assaltantes do Banco do Brasil, os policiais não deram chances de defesa e executaram os quatro.

Os empresários eram Vanderli Correia da Silva, Aires José da Silva, Luís Paulo Cronemberg e o motorista Manoel Pereira de Sousa. Vanderli e Aires eram parentes da esposa de Luís Paulo Cronemberg, moravam em Minas Gerais e estavam passando uns dias de folga no Piauí. Os corpos deles foram levados para a cidade de Laguna-MG, onde moravam.

Os empresários Luís Paulo Cronemberg, Vanderli Correia da Silva, Aires José da Silva e o motorista Manoel Pereira foram friamente mortos por policiais

Sem piedade, perversos

As vítimas ainda teriam entregado as armas e implorado pela vida, mas foram mortas de joelhos. Pelo menos dois deles não morreram com os primeiros disparos e clamaram pedindo que os policiais olhassem suas identidades. Depois de perceberem o erro com duas vítimas ainda vivas, os agentes tiveram outra atitude cruel e, temendo serem dedurados, decidiram "terminar o serviço".

Cientes de que tinham matado inocentes, os policiais ainda atearam fogo na caminhonete modelo Saveiro que os empresários usavam, numa tentativa de dificultar a investigação das execuções.

Local onde ocorreram as execuções. Na foto, pedaços que ainda restam das quatro cruzes fincadas para lembrar as vítimas (Foto: Ezequiel de Sá/Lupa1)

Na época, o oficial que comandava o grupo de policiais era o tenente Paulo César de Araújo. Ele e os outros agentes chegaram a ser presos. Paulo César ainda tentou fazer com que o então secretário de Segurança Pública do Piauí, Carlos Lôbo, mudasse as versões do caso para livrá-lo, junto com os demais policiais, de punição.

O tenente recebeu voz de prisão dentro da própria sede da Secretaria de Segurança.

Região cheia de canaviais ficou marcada pela chacina (Foto: Ezequiel de Sá/Lupa1)

Extinção de polícias

A Chacina da Meruoca e sua repercussão levou o então governador do Piauí, Mão Santa, a determinar a suspensão das atividades do COE e do Comando Corisco. Em 17 de janeiro, dia seguinte ao ocorrido, a Secretaria de Segurança Pública baixou portarias por determinação do governador.

"Não houve engano nenhum nesse caso. Foi uma chacina. O oficial que comandava o grupo - tenente Paulo César de Araújo - foi fraco e não conseguiu controlar o grupo", disse o secretário da Segurança Carlos Lôbo à época. A declaração foi publicada em matéria no jornal Folha de S. Paulo.

Já o delegado-geral da Polícia Civil da época, Francisco Carlos do Bonfim Filho, afirmou na ocasião que o Corisco perdeu a legitimidade com a Chacina de Meruoca, embora tenha reconhecido que o grupo prestou muitos serviços à população piauiense. A fala de Bonfim Filho também foi publicada pela Folha de S. Paulo.

Matéria na Folha de S. Paulo três dias após a chacina

Impunidade e revolta

Os policiais foram condenados pelos assassinatos dos quatro inocentes, mas praticamente não cumpriram as penas e acabaram impunes. Apenas o policial civil, membro do Comando Corisco, foi expulso da corporação e chegou a cumprir um pedaço da pena. Já os quatro policiais militares continuaram trabalhando e alguns foram promovidos. O tenente Paulo César, que comandou a desastrosa ação, virou capitão da PM alguns anos depois.

Reportagem da TV Antena 10 publicada em 2014 mostrou que Paulo César estava na Cavalaria da PM-PI. O soldado Gilvan Sousa Barbosa virou cabo e estava na Companhia de Polícia do bairro Promorar, em Teresina. Lincoln Abraão estava no Rone. Já Antônio Carlos Saraiva e Renato Gomes da Silva estavam, por incrível que pareça, lotados no Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), ajudando na formação de novos policiais.

O Lupa1 tentou insistentemente nesta semana, junto ao Comando-Geral da PM-PI, saber onde os cinco oficiais estão lotados atualmente ou mesmo se algum deles já foi para a reserva. Na última tentativa, a assessoria ficou de dar uma resposta, mas até a publicação desta reportagem nada foi enviado.

Então governador Mão Santa com a viúva do motorista Manoel Pereira; indenizações nunca saíram do papel (Foto: Arquivo da Família)

Descaso com as famílias

Na época do crime, o Governo Estadual prometeu dar total assistência às famílias. Governador e políticos foram até a casa das vítimas, mas o apoio prometido nunca chegou. A família do motorista Manoel Pereira foi uma das que mais enfrentou dificuldades com a ausência do genitor. Em 2012, 14 anos após a chacina, o governo do Piauí foi condenado a pagar indenização a uma das famílias. A decisão era de 1ª instância e o Estado recorreu.

De acordo com Rodrigo Cronemberg, filho de Luís Paulo Cronemberg, as quatro viúvas e os nove filhos das vítimas recebem dois salários mínimos por mês pagos pelo Estado. Segundo ele, o pagamento desse valor vai perdurar até que as indenizações definitivas saiam do papel.

Passados 25 anos da Chacina da Meruoca, as famílias das vítimas ainda aguardam reparação e o sentimento de injustiça permanece.

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