Júlio Chaves

A dinâmica de uma rua como elemento poético

Lugares onde existem conexões entre a comunidade e seus visitantes se tornam lugares cheios de energia, revigorantes e visivelmente poéticos.

07 de janeiro de 2023 às 09:29
9 min de leitura

Ao se planejar um bairro deve-se pensar através da escala humana, do pedestre como o protagonista. Não devemos pensar apenas na densidade urbana, mas em como a vida, a interação e o encontro entre as pessoas devem ser feitos. As cidades vivas devem possuir espaços de transição suave de acordo com Jan Gehl, urbanista dinamarquês. Estes espaços devem ser leves e atrativos, possuir mobiliário urbano adequado e que estejam em harmonia com seu entorno.

A cidade deve estar ao nível dos olhos do observador, ou seja, as fachadas, prédios e monumentos devem ser pensados em uma escala humana. As pessoas se sentem atraídas por espaços urbanos que são convidativos e que estimulem a permanência. A qualidade de uma rua ou avenida não é medida pela quantidade de pessoas andando a pé, mas por meio da qualidade de vida que estes possam proporcionar aos pedestres, com lugares atrativos que possam estimular paradas agradáveis, como cafés, vitrines, artistas de rua, pubs, além de belas árvores, bem como outros fatores.

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Foto: Eduardo Campos

Os espaços urbanos devem não só estimular a caminhada, mas possuir espaços que sejam agradáveis, além de proporcionar segurança física e psicológica. Mas em Teresina por ser uma cidade com temperaturas elevadas esses espaços também devem promover um certo conforto térmico por meio de toldos, arborização adequada e fachadas com materiais que não reflitam luz e calor, por exemplo.

Na foto acima, podemos observar uma rua com bastante potencial para receber intervenções que promovam a sua apropriação por meio dos pedestres, pois esta possui largas calçadas e bastante diversidade comercial, além de uma pequena banca de revistaque faz parte da história do bairroJóckeye quesobreviveu a toda tecnologia, se tornando um elemento nostálgico a esta pequena rua.

Uma cidade deve possuir atividades que atraiam as pessoas e que possam promover encontros casuais. Com todos os seus elementos que a compõe, deve ser observada e ouvida, como a própria comunidade andando calmamente pelas calçadas e olhando vitrines. Como um senhor sentado em um banco de praça e que naturalmente se torna uma imagem poética a ser apreciada. Pessoas sentadas em cafés de esquina, onde seu entorno possua uma enorme complexidade de atividades comerciais e de lazer.

Tudo isso atrai pessoas que por sua vez atrai mais pessoas e nesse loop infinito criam-se conexões e futuras relações. O café em todo o mundo é considerado um ponto de encontro e de diversidade cultural, se tornando o espaço mais atrativo dentro dessa complexidade de atividades em uma determinada rua ou bairro.

Os espaços de transições devem proporcionar ao pedestre apoio para sua permanência, como o próprio comércio, além de mobiliários urbanos que devem se conectar ao seu entorno ajudando ainda mais o pedestre a permanecer, estimulando por sua vez a contemplação.

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Foto: Eduardo Campos

Quando o espaço urbano possui uma certa complexidade de uso, além de calçadas que estimulem a caminhada e dão segurança ao pedestre, quando as fachadas são essencialmente verticais e vivas, isto estimula atividades estacionárias entre os pedestres, tornando os bairros mais atrativas e sustentáveis, tornandoestas localidades até mesmo mais resistentes a períodos de crises econômicas, além de tornar a cultura local mais atrativa para quem vem de fora.

O comércio de rua informal é também de extrema importância, como a senhora vendendo flores, o carrinho dehot dog, o pipoqueiro, pessoas vendendo artesanato ou uma banca de comidas típicas. Tudo isso promove uma atmosfera estimulante e acolhedora.Existem formas de se intervir em alguns territórios através de acupunturas urbanas, intervenções artísticas e atividades que promovam a sociabilidade e democratizaçãodestes.

Alguns exemplos de mobiliário urbano que podem ser atrativos para a população, seriam bancos,Parklets, que são alternativas baratas, rápidas, eficazes que promovem paradas e interação social. Mas estes devem ser planejados de acordo com nosso clima, e devem estar em harmonia com a paisagem local, respeitando a escala e as implantações arquitetônicas existentes, pois estes mobiliários afetam diretamente na percepção do indivíduo no entorno, influenciando o comportamento e a forma como a comunidade interage com o seu meio. Estes têm também como objetivo estimular e revigorar a vida nas ruas, trazer aos usuários segurança e tranquilidade.

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Foto: Eduardo Campos

Infelizmente hoje ainda se criam estereótipos quando se fala em diversidade urbana, pois logo vem à mente caos e desorganização, atrapalhando até mesmo na elaboração do zoneamento de diversas cidades. Mas de acordo com estudos feitos ao longo das décadas por grandes críticos e teóricos do urbanismo, essa diversidade traz sofisticação, além de proporcionar a estes lugares crescimento econômico, ao invés de áreas que são exclusivamente residenciais que acabam se tornando áreas monótonas e que incentivam o uso constante de automóveis, principalmente em Teresina onde o transporte público deixa muito a desejar.

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Foto: Eduardo Campos

Lugares onde existem conexões entre a comunidade e seus visitantes se tornam lugares cheios de energia, revigorantes e visivelmente poéticos.

O escritor francês Charles Baudelaire criou em uma de suas poesias o termo Flâneur, que significa, errante, caminhante, observador. Esse termo foi apropriado por vários estudiosos do urbanismo, e que em sua essência fala do homem em meio ao caos que se apropria de pequenos elementos do cotidiano, e ao se apropriar destes elementos urbanos, como murais, equipamentos que ali foram implantados ou pequenos elementos arquitetônicos, como fachadas, janelas e portas que se conectam com o exterior, diminuem seus passos e assim como antigos filósofos procuram interagir com quem está ao seu redor e se inspirar nos pequenos detalhes que a cidade tem a nos oferecer, tornando assim as ruas extensões do nosso lar.

Um exemplo de bairro que segue vários conceitos internacionais de urbanismo, oJóckey, que já foi um bairro essencialmente residencial, mas que hoje possui algumas ruas com uma enorme complexidade de usos possuindo vários comércios, clínicas e cafés.

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Foto: Eduardo Campos

A rua de estudo foi a ruaAnfrísioLobão,onde podemos observar um dos lugares mais procurados da região, o Café da Gota Serena. Estese conecta perfeitamente com a paisagem, além de possuir uma intervençãonasua fachada que procurou respeitar o pedestre e o entorno. Consideradauma das poucas cafeterias dacidade que oferecem cafés especiais dentro dos parâmetros daSPECIALTY COFFEE ASSOCIATION OF AMERICA,(Associação Americana de CafésEspeciais),e possuibaristascom experiência em cafés especiais além de um cardápio que vem sendo elogiado por diversos turistas que por ali passam.

O café em questão tem sido um exemplo para comunidade, pois sua proprietária está sempre incentivando os empresários ao redor a procurarem melhorar a região, além doseuenvolvimento em projetos sociais.

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Foto: Eduardo Campos / Café da Gota Serena

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Foto: Eduardo Campos

Em seu entorno existem várias vitrines para serem apreciadas, supermercado, escritórios, prédios residenciais e comerciais, além de uma praça que já foi palco de vários eventos em Teresina, a PraçaOcílioLago, conhecida como praça dos skatistas.

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Foto: Eduardo Campos

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