Coluna Penal 360

Nova tipificação do crime de stalking no Brasil: avanços e desafios

Apesar do progresso representado pela nova legislação, a caracterização do stalking ainda apresenta desafios.

09 de junho de 2024 às 13:11
10 min de leitura

Por Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Direto de Brasília

A promulgação da Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, que introduziu o artigo 147-A ao Código Penal, representa um marco significativo no combate ao crime de perseguição, conhecido como stalking.

Advogado Ricardo Henrique Araújo Pinheiro - Foto: Divulgação

Este tipo de criminalidade, caracterizado por ações repetitivas e invasivas que ameaçam a integridade física ou psicológica da vítima, restringem sua capacidade de locomoção ou perturbam sua liberdade e privacidade, é agora tipificado como crime, refletindo a necessidade de proteção mais robusta às vítimas.

Crime de stalking - Foto: Towfiqu barbhuiya na Unsplash

Apesar do progresso representado pela nova legislação, a caracterização do stalking ainda apresenta desafios, especialmente devido à subjetividade envolvida na definição dos atos que configuram o crime. A lei não especifica a quantidade exata de atos de perseguição necessários para que o comportamento seja considerado criminoso, o que pode gerar interpretações variadas. No entanto, a definição legal estabelece que a perseguição reiterada, por qualquer meio, que ameace a integridade física ou psicológica da vítima, ou que invada ou perturbe sua esfera de liberdade ou privacidade, é suficiente para a configuração do delito.

O artigo 147-A do Código Penal dispõe:

“Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)”

A Lei é abrangente ao dispor que o stalking pode ser praticado de forma livre, ou seja, tanto uma perseguição pela rede mundial de computadores quanto pessoalmente terá o mesmo efeito criminal. Embora a Lei mencione a necessidade de perseguição reiterada, existe certa subjetividade na análise da caracterização do stalking. É possível que um único ato de perseguição, se for capaz de ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima, restringir sua capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadir ou perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade, possa caracterizar o tipo penal.

Até 2021, o stalking era tratado como crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, cuja pena variava entre detenção de um a seis meses, ou multa, ou como contravenção penal prevista no artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, cuja pena era de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa. Devido à ínfima quantidade de pena aplicada ao infrator, não havia qualquer incentivo significativo para que a vítima procurasse os órgãos de persecução criminal. Com a publicação da Lei nº 14.132, a punição para essa infração penal, embora ainda considerada tímida, foi aumentada para reclusão de seis meses a dois anos, além de multa.

No julgamento do HC n. 359.050/SC, relatado pelo Ministro Antonio Saldanha Palheiro, da Sexta Turma, julgado em 30/3/2017 e publicado no DJe de 20/4/2017, onde a ordem de habeas corpus foi denegada, o crime de stalking foi tratado como ameaça. No caso concreto, o Tribunal “a quo” considerou que a conduta do perseguidor, que foi condenado à pena de 1 ano e 5 meses de detenção, merecia maior reprovabilidade, pois o contexto probatório revelou que o comportamento do réu era desvirtuado. Além de ameaçar a vítima, ele costumava persegui-la e vigiá-la reiteradamente, tanto durante o relacionamento quanto após o término, deixando-a psicologicamente abalada sempre que percebia sua presença.

No julgamento do AgRg no HC n. 680.738/DF, relatado pelo Ministro Ribeiro Dantas, da Quinta Turma, julgado em 28/9/2021 e publicado no DJe de 4/10/2021, foi analisado um caso de perseguição que teve início em 2018. Naquela época, a contravenção penal de perturbação da tranquilidade ainda estava prevista na Lei das Contravenções Penais (art. 65 do Decreto-Lei n.º 3.888/41), não tendo sido ainda revogada pela Lei n.º 14.132/21.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que deveria ser aplicado o princípio da continuidade normativo-típica. Esse princípio estabelece que, mesmo quando uma norma penal é revogada, se a conduta por ela tipificada continua a ser considerada crime sob uma nova norma, não ocorre a abolitio criminis, ou seja, a extinção da punibilidade do ato.

No caso em questão, o STJ entendeu que, embora a Lei nº 14.132/21 tenha revogado o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.888/1941, que tipificava a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, a conduta ilícita continua sendo punível. A própria lei revogadora deslocou essa ação para o tipo penal do art. 147-A do Código Penal, que passou a tipificar a conduta de "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade", prática agora conhecida como stalking.

Portanto, de acordo com o STJ, não se trata de uma hipótese de abolitio criminis, pois a conduta permanece criminalizada, apenas sob uma nova tipificação legal. Essa interpretação garante a continuidade da punibilidade da conduta, assegurando que atos de perseguição, mesmo ocorridos antes da vigência da nova lei, continuem a ser sancionados conforme a legislação atual. Com base nessa argumentação jurídica, o recurso foi indeferido.

A Lei nº 14.132/2021 é um avanço crucial na proteção das vítimas de stalking, proporcionando um arcabouço jurídico mais robusto e adequado para enfrentar este tipo de criminalidade. A nova tipificação penal, embora ainda apresente desafios interpretativos, é um passo importante para a promoção da justiça e da segurança das vítimas, refletindo um compromisso contínuo com a dignidade e os direitos fundamente ais das pessoas. A legislação, ao tipificar o stalking como crime, oferece uma ferramenta jurídica poderosa para a responsabilização dos agressores e a proteção das vítimas. No entanto, a aplicação prática da lei requer uma interpretação cuidadosa e criteriosa dos atos que configuram o crime, bem como a consideração da necessidade de representação da vítima para a persecução penal.

A promulgação da Lei nº 14.132/2021 e a subsequente jurisprudência do STJ indicam um movimento significativo em direção à proteção mais eficaz das vítimas de stalking. Além disso, é fundamental que haja um esforço contínuo para educar o público sobre os direitos das vítimas e os recursos disponíveis para aqueles que sofrem perseguição. Campanhas de conscientização e programas de apoio às vítimas podem desempenhar um papel crucial na implementação eficaz da lei.

Referências:

  • Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021.
  • Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
  • Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.
  • HC n. 359.050/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 30/3/2017, DJe de 20/4/2017.
  • AgRg no HC n. 680.738/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 4/10/2021.
  • AgRg no HC n. 769.685/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 28/10/2022.
  • AgRg no AREsp n. 2.168.476/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 24/4/2023.
  • AgRg no HC n. 840.043/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 1/12/2023.
  • AgRg no RHC n. 189.332/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 22/5/2024.
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