Diferenciando delação e colaboração premiada
Entenda as distinções jurídicas e processuais entre delação e colaboração premiada nas leis brasileiras.
A Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, estabelece que é crime ocultar ou disfarçar a origem de bens provenientes de atividades ilícitas. Isso significa que qualquer crime prévio pode ser utilizado como base para uma acusação de lavagem de dinheiro. Por exemplo, se alguém comete estelionato e tenta dar uma aparência legal ao dinheiro obtido, adquirindo um carro para mascarar a origem ilícita dos fundos, isso configuraria lavagem. Assim, mesmo que o crime inicial tenha sido algo como o "jogo do tigrinho", comprar um carro para legitimar o lucro ilegal serve para demonstrar essa intenção.
A investigação do crime de lavagem ocorre separadamente do crime original, já que os interesses legais protegidos são distintos. Conforme o artigo 2º dessa lei, não é necessário concluir a investigação do crime original para iniciar a apuração do delito de lavagem de dinheiro. A simples existência de sinais de que o crime inicial foi cometido já justifica o início da investigação por lavagem.
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Essa posição é reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, ao interpretar a norma infraconstitucional, tem claramente apontado que a separação das investigações ocorre devido aos diferentes interesses legais protegidos em cada caso. Por exemplo, no caso do "jogo do tigrinho", o infrator pode ser investigado tanto pelo crime de estelionato quanto pela lavagem de dinheiro. Se condenado, ele pode sofrer a soma das penas dessas duas infrações.
Confira trechos da ementa do julgamento do RHC nº 72.678/BA, ocorrido em 15 de agosto de 2017 sob a relatoria do Ministro Felix Fischer da Quinta Turma:
V - O crime de "lavagem" de dinheiro é apurado de forma autônoma em relação ao crime antecedente, até porque são distintos os bens jurídicos protegidos. É o que se depreende da leitura do art. 2º, II, da Lei n. 9.613/98, razão pela qual, a simples existência de indícios da prática de "infração penal" já autoriza o processo para apurar a ocorrência do delito de lavagem de dinheiro (precedentes do STF e do STJ).
O artigo 1º, §5º, da Lei nº 9.613/1998 estabelece um benefício legal para quem colabora espontaneamente com a investigação. Nesse caso, a pena pode ser reduzida de um a dois terços e cumprida em regime aberto ou semiaberto. Além disso, o juiz pode optar por não aplicar a pena ou substituí-la por uma pena restritiva de direitos se o autor, coautor ou partícipe fornecer informações que ajudem a esclarecer as infrações penais, identificar seus responsáveis ou localizar bens e valores relacionados ao crime.
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
De acordo com essa disposição legal, o reconhecimento do crime pelo infrator e a colaboração espontânea com os órgãos de persecução criminal, como a polícia e o Ministério Público, constituem um direito subjetivo do investigado. Isso significa que, se ele efetivamente contribuiu de forma significativa com a investigação, tem o direito de receber os benefícios previstos na lei em sua sentença condenatória. Esses benefícios não são uma escolha do Estado, mas uma obrigação de reconhecer a contribuição voluntária do infrator em favor do Estado.
A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e aborda a investigação criminal e obtenção de provas, estabelece no Art. 3º-A que o acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico processual e um meio de obtenção de prova. Este acordo deve atender ao interesse público, o que significa que sua aplicação depende da aceitação do Estado. Assim, como qualquer negócio jurídico firmado dentro de um processo legal, trata-se de um ato bilateral que requer homologação subsequente pelo Poder Judiciário.
Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos.
Nesse contexto, nota-se uma distinção clara entre o artigo 1º, §5º, da Lei nº 9.613/1998 e o Art. 3º-A da Lei nº 12.850/2013. Na lei de lavagem de dinheiro, a aplicação do benefício por colaboração não exige a prévia formalização de um acordo jurídico com a polícia ou o Ministério Público. Já na Lei que trata das organizações criminosas, a concessão do benefício processual de colaboração premiada depende da existência de um contrato bilateral formalmente estabelecido entre o acusado e o acusador.
Isso indica que os institutos penais abordados nas leis mencionadas são distintos. Embora ambos proporcionem benefícios legais, como a redução de penas, eles diferem em sua natureza fundamental. A colaboração premiada, conforme detalhada na Lei nº 12.850/13, configura-se como um negócio jurídico bilateral, necessitando de um acordo formal e prévio entre o acusador e o acusado. Em contraste, a delação premiada, mencionada na Lei nº 9.613/98, tende a ser um ato unilateral, oferecido pelo acusado sem a exigência de uma negociação prévia.
Confira trechos da ementa do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.875.477/PR, relatado pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da Quinta Turma, julgado em 22 de junho de 2021, onde foram claramente distinguidos os conceitos de delação e colaboração.
6. A jurisprudência desta Corte Superior tem estabelecido que a colaboração premiada da Lei n. 12.850/03 e a delação premiada das demais leis são institutos de natureza jurídica distintas: a colaboração é um negócio jurídico bilateral firmado entre as partes interessadas, enquanto a delação é ato unilateral do acusado. Assim, ao contrário do que propõe o instituto da colaboração premiada (bilateral), como negócio jurídico, na delação premiada (unilateral), inserta no art. 1º, §5º, da Lei n. 9.613/1998 e no art. 14 da Lei n. 9.807/99, a concessão de benefícios não depende de prévio acordo a ser firmado entre as partes interessadas, tendo alcance, em termos de benesse, entretanto, um pouco mais contido do que aquele firmado com o Órgão acusatório (bilateral). Precedentes.
Embora não seja tecnicamente correto chamar o colaborador premiado de delator, é essencial diferenciar a delação premiada da colaboração premiada para compreender os benefícios legais associados a cada um. A delação premiada, conforme estabelecido na Lei nº 9.613/1998, é um ato unilateral do acusado, que pode voluntariamente fornecer informações úteis à investigação, resultando em possíveis reduções de pena sem necessidade de um acordo prévio formal.
Em contraste, a colaboração premiada, detalhada na Lei nº 12.850/2013, é um negócio jurídico bilateral. Neste caso, a atribuição de benefícios legais requer um acordo formal entre o acusado e o Ministério Público ou a polícia, evidenciando sua natureza como um meio de obtenção de prova focado na utilidade pública.
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