Farra do INSS: risco de nulidade por uso indevido de relatórios do COAF
Decisão do STJ sobre relatórios provocados pode anular investigações da fraude bilionária do INSS
Quem acompanha meus comentários ou já leu algo que escrevi sabe que sempre insisto: a prova penal deve respeitar a legislação infraconstitucional e o entendimento das cortes superiores sobre a produção de provas. A autoridade de persecução criminal não pode produzir provas apenas com base em critérios de oportunidade e conveniência — é fundamental conhecer e observar o entendimento atualizado dos tribunais e a legislação específica que trata do tema.
Faço essa observação porque, recentemente, li na coluna do Fábio Serapião, do jornal Metrópoles, que investigados na chamada "farra do INSS" estão buscando a anulação da investigação com base no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre relatórios de inteligência financeira.
Para contextualizar: relatórios de inteligência financeira são documentos elaborados pelo COAF em investigações de crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e outros delitos financeiros. O COAF cruza informações provenientes de diferentes bancos de dados da administração pública — alimentados por registros de cartórios, instituições financeiras, empresas de bens de luxo, entre outros — e, ao identificar movimentações atípicas, elabora relatórios sem necessidade de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telemático. Essas informações, então, são encaminhadas às autoridades, como a Polícia e o Ministério Público, para que apurem possíveis ilícitos.
É importante ressaltar que os relatórios do COAF não têm presunção de veracidade: eles servem apenas como ponto de partida para investigações conduzidas pelas autoridades competentes.
A produção desses relatórios pode ocorrer de duas formas:
Espontânea: quando o próprio COAF, no exercício de sua atividade regular, detecta movimentações suspeitas e encaminha o relatório, sem necessidade de autorização judicial, ao Ministério Público ou à Polícia.
Provocada: quando as autoridades de persecução criminal, já no curso de uma investigação, solicitam ao COAF informações financeiras adicionais sobre pessoas ou empresas específicas. Neste caso, recentemente, a Terceira Seção do STJ decidiu que é necessária autorização judicial prévia para que o COAF produza relatórios de inteligência financeira, sob pena de nulidade do próprio relatório e de todas as provas dele derivadas — a chamada “prova contaminada”.
Foi exatamente esse entendimento que passou a fundamentar pedidos de anulação de investigações, como no caso do INSS. Segundo o relato de Serapião, advogados de investigados tentam invalidar a investigação amparados na decisão do STJ, que veda a requisição direta de relatórios pelo MP ou pela Polícia sem prévia autorização judicial.
No caso concreto, o juiz federal Massimo Palazzolo, da Quarta Vara Criminal Federal de São Paulo, reconheceu a nulidade do relatório do COAF que apontava transações suspeitas envolvendo os principais investigados, aplicando o entendimento do STJ. Contudo, manteve o inquérito policial pois identificou uma fonte independente de prova: uma reportagem do próprio Metrópoles, publicada em dezembro de 2023, que revelou suspeitas envolvendo a Ambec e empresas ligadas a ela. Ou seja, segundo o magistrado, a investigação começou a partir da notícia jornalística e não exclusivamente do relatório de inteligência financeira.
A decisão, naturalmente, será objeto de recursos tanto por parte do Ministério Público Federal, que busca a validade do relatório, quanto da defesa, que pretende anular toda a investigação. Caberá ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e eventualmente ao próprio STJ, analisar a legalidade e o alcance das provas envolvidas.
Esse cenário evidencia o enorme prejuízo que pode ser causado a investigações sérias, inclusive aquelas envolvendo fraudes bilionárias, quando normas fundamentais de produção de provas são desrespeitadas. A não observância da cadeia de custódia, da legislação infraconstitucional e dos entendimentos das cortes superiores pode resultar na anulação de investigações inteiras — um erro técnico do Estado com graves consequências para as vítimas.
Reforço, portanto, que a produção da prova penal exige rigoroso respeito aos limites legais e jurisprudenciais. Este caso é um claro exemplo: caso o STJ entenda que não havia fonte independente de prova ou que houve afronta direta à sua orientação, toda a investigação poderá ser anulada e milhares de vítimas de fraude podem amargar as consequências desse equívoco estatal.
Por isso, autoridades de persecução criminal devem compreender que não basta produzir provas; é imprescindível seguir todos os trâmites legais e observar os entendimentos firmados pelas cortes superiores, sob pena de colocar em risco até mesmo os maiores e mais relevantes casos investigativos do País.
Instagram: @araujopinheirooficial
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .