Lugar de Fala

WILLIAN TITO: FMC rompe contrato com Balé da Cidade e deixa 65 pessoas desempregadas

Associação dos Amigos do Balé da Cidade de Teresina, comunicou oficialmente o encerramento de suas atividades.

20 de abril de 2024 às 11:46
11 min de leitura

O Balé da Cidade de Teresina, instituição criada e mantida pela Prefeitura Municipal de Teresina, por meio da FCMC - Fundação Cultural Monsenhor Chaves, encerrou o contrato com a entidade jurídica que representa o grupo. A notícia impactou o ambiente artístico-cultural piauiense. Mais ainda do cenário da Dança.

Em nota divulgada na quinta, 18, a AABCT - Associação dos Amigos do Balé da Cidade de Teresina, comunicou oficialmente o encerramento de suas atividades. Segundo o informe, a entidade afirma que esgotou todas as possibilidades de negociação com a gestão da cultura de Teresina, mas não conseguiu avançar positivamente na manutenção do grupo com os subsídios municipais.

A repercussão negativa no meio artístico alcançou os veículos de comunicação, gerando manifestações nas redes sociais, com apoio de vários segmentos da sociedade. A FCMC lançou nota justificando que apenas o contrato foi encerrado, mas o Balé será mantido quando concluírem o processo de chamamento para que uma nova pessoa jurídica possa representar os interesses do grupo junto a pasta cultural. A nota divulgada no instagram da FCMC (@cultura_the) repercutiu pior ainda. A instituição teve que fechar os comentários da postagem sobre o assunto, diante dos protestos indignados dos artistas da dança.

Repercussão no meio cultural

O ex-presidente do Sindicato dos Artistas do Piauí, João Vasconcelos, conselheiro estadual de cultura, declarou: “Acabar com o BCT é um completo absurdo sem precedentes. O Balé Da Cidade, embora sendo do município, é um patrimônio do Piauí. É um espelho na dança do estado. Ao longo de mais de 30 anos, sua história firmou-se através das suas conquistas em festivais país afora. Somente os desavisados políticos e gestores, que não entendem como investimento a cultura, poderiam chegar ao caos que se encontra o Balé Da Cidade. Insanidade.”

Uma artista, que preferiu manter seu nome em sigilo, comentou: “Faz tempo que essa fundação trabalha de forma estranha e servindo a situações particulares. Faz tempo que não entro na Fundação Monsenhor Chaves. Me sinto estranha e nem um pouco bem recebida”. A ativista cultural complementou: “Estamos vivendo situações que, creio eu, existe somente pra manter determinadas pessoas trabalhando. Sem nenhuma função positiva pela classe. Lamentável.”

O ator e jornalista Maneco Nascimento enviou texto: “Esse perfil administrativo que se apresenta no município, atual, não só desmantela correntes sociais, mas abriga o palatino projeto de inibir estado e absorver a iniciativa do mercado privado, a verdadeira privada capitalista. Mais de 30 anos de memória e história do ato cênico do BCT à dança da cidade, perde-se no descaso ignorante preconceituoso e inibidor do pensamento livre. Arte sempre sobrepõe poderes e políticas de estado, haja vista as políticas de cultura sempre serem absorvidas por quem detém o ato criador, o viés artístico e as sociabilidades culturais de quaisquer sociedades. Quem a faz e a torna viva, vivaz o ato criativo, sempre será o artista. Em todo momento da humanidade a Arte e Cultura movem mundos e refrescam o espírito social. O BCT nunca se acaba, jamais se apaga porque arte é resistência e o coletivo é a própria representação do memorial da dança, sob tutela do município. Mas há administradores e tempo desigual de ocupante de cadeira pública oficial.”

A reportagem ouviu e recebeu comentários de textos de vários outros artistas, produtores, bailarinos e coreógrafos. A maioria preferiu silenciar, na esperança da possibilidade de uma sensibilização da FCMC, que pode sinalizar num retorno às negociações. Porém, todos estão muito abatidos. Alguns tristes. Outros indignados. Todos lamentando o desfecho que atinge diretamente 65 trabalhadores da arte.

Desemprego

A AABCT comunicou que bailarinos, instrutores e técnicos estão de aviso prévio, com o encerramento da associação. O impacto social é muito grande. Muitas famílias atingidas pelo desemprego. Mesmo que a Fundação afirme que vai manter o BCT, até finalizar o processo de chamamento de uma nova entidade, que pode demorar meses, um grupo representativo de operários da arte e cultura estão na rua e sem perspectiva visível de reversão a curto prazo.

A FCMC tem o direito de romper contrato quando quiser com qualquer entidade, desde que cumpra suas cláusulas. O que gerou o mal-estar no seio cultural foi “a falta de sensibilidade dos gestores, que não souberam administrar sem causar tantos danos a tantos artistas”, comentou uma bailarina, que preferiu manter o anonimato, temendo represálias. Pegos de surpresa, vários produtores de bens culturais dizem estar “sem acreditar que fizeram isso”.

Faltou planejamento para evitar o desgaste político e social, que traz efeitos incalculáveis à PMT, à FCMC, ao Balé e à sociedade. Faltou ação que procurasse arrefecer o impacto, que acolhesse os profissionais, que evitasse o encerramento de oficinas oferecidas às comunidades. Até agora a Fundação não esclareceu o que motivou tomar a decisão que trouxe tantos transtornos. Isso tudo acontecendo em plena realização da SEDA - Semana Estadual de Dança do Piauí, que este ano vai durar o um mês.

Ano eleitoral

A atual gestão da PMT, que encerra o mandato, vai tentar se reeleger. A falta de traquejo político com uma categoria representativa e numerosa das artes cênicas pode repelir eleitores que, provavelmente, votariam no gestor atual. Com o rompimento violento, é como se jogassem 65 eleitores (que pode ser mais, considerando os familiares) no colo dos adversários, levando em conta apenas os contratados da AABCT. Entre os alcançados diretamente pelos serviços prestados pelos artistas com suas oficinas ao público, mais de mil crianças e adolescentes, o que faz crescer mais ainda o impacto negativo da medida.

Um dos pré-candidatos ao Palácio da Cidade, deputado Fábio Novo, que já comandou a Secretaria de Cultura do Estado, deve ser o que vai acolher o maior volume dos dissidentes da FCMC. A falta de habilidade na gestão de seus projetos pode deixar estragos irreversíveis no relacionamento da categoria com a Fundação. O prejuízo eleitoral vai escoando os votos pelo ralo.

Nota da FCMC

A Fundação Cultural Monsenhor Chaves reafirma seu compromisso com a cultura de Teresina e esclarece que não haverá descontinuidade do Balé da Cidade de Teresina, um importante patrimônio cultural criado e mantido por esta fundação há mais de 30 anos. O que está ocorrendo no momento é uma questão meramente administrativa, decorrente do término da vigência do atual contrato de gestão com a Organização Social que gerencia o Balé.
Informamos que essa situação será prontamente resolvida por meio da publicação nos próximos dias de um chamamento público para estabelecer um novo contrato de gestão, seja com a Organização Social Amigos do Balé ou com outra entidade que apresente a melhor proposta para o gerenciamento e aprimoramento deste relevante equipamento cultural da cidade de Teresina. Agradecemos a compreensão e o apoio de todos os envolvidos na preservação e desenvolvimento do Balé da Cidade de Teresina.

Fundação Cultural Monsenhor Chaves

BCT


O Balé da Cidade foi criado em 1993, na gestão do prefeito Raimundo Wall Ferraz. Nascidos de oficinas no então Ciarte Matadouro, que hoje chama-se Teatro do Boi. Sidh Ribeiro, Nazilene Barbosa, João de Brito, Luzia Amélia, Roberto Freitas, Ivoneide Ribeiro, Eugênio Rêgo, Fernando Freitas, Valdemar Santos são os artistas que marcaram o começo e o auge da trajetória do grupo.

Após “Crispim, a Lenda”, coreografia de Sidh Ribeiro, que abriu o histórico dourado da companhia, muitos outros espetáculos elevaram o nome do Piauí em mostras e festivais competitivos. “Fuga”, “E por nós o silêncio”, “Fantasia Nordestina”, “A Porca do Dente de Ouro”, “Pé de Garrafa”, “Miridan”, são alguns dos espetáculos que receberam premiações diversas e embasam o repertório de montagens bem-sucedidas.

O BCT é patrimônio artístico-cultural de Teresina, do Piauí e do Brasil. Seu legado fala por si, quando não é possível contar a história da dança piauiense com a exclusão do grupo. Todas as dificuldades enfrentadas hão de servir para fortalecer mais ainda sua história. Seu compromisso com a arte não se perde. Enquanto não é restaurado, segue na memória dos que tiveram a sorte de vê-lo em cena.

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