O silêncio cúmplice: até quando nossas lideranças vão trocar a luta pelos palácios?
Sintam o peso da exclusão, a ferida aberta da desigualdade racial que sangra diariamente em nossas comunidades
Pai Rondinele de Oxum
Para as lideranças que hoje desfrutam do calor dos gabinetes e do eco dos seus próprios discursos oficiais: até quando o medo de perder a poltrona vai amordaçar a voz que ecoava nas ruas? Até quando a promessa de migalhas institucionais vai calar o grito ancestral que denuncia o genocídio da nossa gente?
Olhem para as estatísticas cruéis, para os corpos tombados, para as mães que choram seus filhos arrancados pela violência do Estado. Sintam o peso da exclusão, a ferida aberta da desigualdade racial que sangra diariamente em nossas comunidades. E perguntem-se: o silêncio de vocês está nutrindo essa ferida ou ajudando a cicatrizá-la?
Lembrem-se de onde vocês vieram. Das lutas que os trouxeram até aqui. Do sangue e das lágrimas que pavimentaram o caminho. A voz que os elevou não era a voz mansa da conveniência, mas o rugido indignado da resistência. O que aconteceu com esse rugido? Foi abafado pelos tapetes macios do poder? Trocou-se a trincheira pela mesa de reuniões, e a urgência da transformação foi diluída na burocracia estatal?
Não se iludam com os aplausos protocolares e os sorrisos forçados. A verdadeira legitimidade não reside nos cargos, mas na representatividade genuína, na defesa intransigente dos interesses da nossa gente. O dia em que o medo de perder o emprego superar a coragem de denunciar a injustiça, nesse dia, vocês terão perdido mais do que um cargo: terão perdido a confiança daqueles que depositaram em vocês a esperança de um futuro mais justo.
A história não perdoa o silêncio dos cúmplices. Ela cobra, implacável, daqueles que, tendo a oportunidade de lutar, preferiram a segurança da omissão. Que legado vocês querem deixar? O de líderes que se acovardaram diante do sistema ou o de guerreiros que, mesmo dentro da fortaleza inimiga, nunca deixaram de lutar pelo seu povo?
Ainda há tempo de reacender a chama da indignação. De usar o poder institucional como ferramenta de transformação radical, e não como mordaça da própria consciência. De lembrar que a luta não termina com a chegada ao poder, mas apenas se intensifica.
O povo negro clama por líderes que não tremam diante da verdade, que não troquem a justiça por um contracheque. Que a voz que ecoava nas ruas volte a ressoar nos corredores do poder, forte e inabalável. A escolha é de vocês: a história os lembrará como libertadores ou como meros figurantes de um sistema que continua a nos oprimir. Reflitam. O tempo urge.
Pai Rondinele de Oxum
Líder Religioso de Matriz Africanas
Movimento Popular
Movimento Negro