Gustavo Almeida

Em 1993, governador nordestino deu três tiros em adversário político

Mesmo com tentativa de assassinato, série de manobras jurídicas impediu que político fosse julgado.

12 de agosto de 2023 às 16:17
5 min de leitura

Civilidade e respeito nem sempre fizeram parte da política brasileira. Há na história do país uma infinidade de casos de violência e atentados resultantes de rixas e brigas políticas. Episódios que foram muito além do natural acirramento de ânimos que existe nas disputas eleitorais.

Um dos acontecimentos mais marcantes aconteceu em 1993, na Paraíba. Era dia 5 de novembro daquele ano quando o então governador Ronaldo Cunha Lima, à época no PMDB, tentou matar o ex-governador Tarcísio Burity, do PFL, que o havia antecedido no Governo.


Cunha Lima e Tarcísio Burity (Foto: Arquivo/Jornal do Brasil)

Cunha Lima, um dos políticos mais tradicionais e emblemáticos da região Nordeste, disparou três tiros contra o rival no restaurante Gulliver, na capital João Pessoa. Só não atirou mais porque foi contido. O episódio ficaria conhecido como "Caso Gulliver".

Na época, se falou que os tiros foram disparados em reação às críticas que Burity teria feito ao filho de Ronaldo, Cássio Cunha Lima, então superintendente da Sudene. As críticas foram feitas em uma entrevista concedida minutos antes numa emissora de TV de João Pessoa.

O ex-governador Tarcísio Burity ficou em coma alguns dias, mas sobreviveu ao ataque violento de Ronaldo Cunha Lima. Ele morreria 10 anos depois, em 2003, vítima de problemas cardíacos e falência múltipla de órgãos. Foi governador da Paraíba duas vezes.


Atentado repercutiu no país (Foto: Arquivo/Jornal do Brasil)

Só foi detido e solto em seguida

O então governador Ronaldo Cunha Lima chegou a ser detido pela Polícia Federal na noite do crime, mas foi liberado em seguida. Ele nunca foi sentenciado. O caso, após uma série incrível de manobras jurídicas, nunca foi julgado pela Justiça.

Depois dos disparos, o Ministério Público denunciou Cunha Lima ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância para processar e julgar governadores, mas a Assembleia Legislativa da Paraíba, com maioria aliada à Cunha Lima, não autorizou a abertura da ação penal.

Em 1995, quando Cunha Lima foi empossado senador, o MP enviou o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), mas o Senado também não autorizou a abertura do processo contra ele.


Aliados ajudaram a livrar Cunha Lima (Foto: Jornal do Brasil)

O caso parecia que ia andar em 2001, quando a Emenda Constitucional 35 derrubou a necessidade de autorização do legislativo para julgar e processar políticos com mandato. Em 2002, o STF aceitou a denúncia e o inquérito contra Cunha Lima foi convertido em ação criminal.

Em 2007, quando o caso parecia estar próximo de ser julgado, Cunha Lima renunciou ao mandato de deputado federal cinco dias antes do julgamento. A renúncia fez com que ele perdesse o foro privilegiado e, assim, a análise do caso voltasse para a Justiça comum, na Paraíba.

Na carta de renúncia, afirmou que os disparos no rival lhe provocavam sentimento e dor mesmo passados tantos anos. Ele disse ainda que estava renunciando para ser julgado pelo povo da Paraíba.

“Renuncio ao mandato de deputado federal, representando o povo da Paraíba, a fim de possibilitar que esse povo me julgue, sem prerrogativa de foro como um igual que sempre fui”, justificou.

Era, na verdade, mais uma manobra.


Por ironia do destino, Cunha Lima havia usado na sua campanha a frase "é a viola contra a pistola"

Político e poeta morreu em 2012

Ronaldo Cunha Lima morreu em julho de 2012, aos 76 anos. Em sua extensa carreira política ele foi vereador e prefeito da cidade de Campina Grande, deputado estadual, deputado federal, senador e governador da Paraíba.

Ele também se destacou no campo literário. Era exímio escritor e grande poeta.


Ronaldo Cunha Lima (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)

Seu filho Cassio Cunha Lima é seu principal sucessor na política. Cassio também foi prefeito de Campina Grande, deputado federal, senador e governador da Paraíba. O neto de Ronaldo, Pedro Cunha Lima (filho de Cássio), foi deputado federal e perdeu as eleições para governador da Paraíba em 2022.

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