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Câmara de Teresina deu título a Luiz Gonzaga em sessão marcada por impasse

Rei do Baião veio ao Piauí receber a honraria em setembro de 1978, mas título rendeu histórias antes, durante e depois da entrega.

13 de janeiro de 2024 às 14:00
9 min de leitura

Pouca gente sabe, mas o cantor e compositor Luiz Gonzaga é cidadão de Teresina. O "Velho Lua" foi agraciado com um título honorífico de cidadania teresinense, aprovado pela Câmara Municipal de Teresina no ano de 1976. O "Rei do Baião" veio à capital do Piauí receber a honraria dois anos depois, no dia 5 de setembro de 1978.

A concessão do título de cidadania a Luiz Gonzaga foi proposta pelo então vereador Fernando Mendes, que era locutor rádio e admirador do artista pernambucano. Em entrevista ao Lupa1, Mendes contou que a iniciativa de dar o título a Luiz surgiu após uma conversa com o cantor nos estúdios da Rádio Difusora de Teresina.

Luiz é cidadão de Teresina (Gustavo Almeida/Lupa1)

"Eu já admirava muito o cantor Luiz Gonzaga pelo que ele cantava, os costumes, a voz e os problemas dos nordestinos. E eu tive o prazer de recebê-lo nos estúdios da Rádio Difusora de Teresina. Ele me falava que já tinha recebido título de cidadão em várias capitais e uma das que faltava era Teresina. E então eu me sensibilizei na hora, porque o Luiz Gonzaga sempre cantou o Piauí, sempre enalteceu as coisas do Nordeste. Então eu disse: me mande o seu currículo que eu vou apresentar o título de cidadão teresinense, pois você merece", conta.

Fernando Mendes destacou que esse foi o único título de cidadania que ele propôs ao longo de 16 anos de mandato exercidos como vereador na capital. O ex-vereador defende que é preciso ser criterioso ao conceder um título de cidadania a alguém e avaliou que um homem da importância de Luiz Gonzaga fazia jus à honraria.

"Esse foi o único título que eu apresentei porque eu era muito rigoroso no que diz respeito a apresentar título de cidadania. O Regimento Interno da Câmara Municipal afirmava que a pessoa tinha que ter prestado relevantes serviços à comunidade teresinense. E eu acho que o cantor Luiz Gonzaga cumpria esse tipo de exigência", falou.

Ex-vereador Fernando Mendes propôs título a Luiz Gonzaga (Foto: Thiago Rodrigues/Lupa1)

Na década de 1930, quando ainda era jovem e serviu ao Exército, Luiz Gonzaga passou um período no 25º Batalhão de Caçadores, em Teresina.

Luiz veio e a sessão quase não aconteceu

No dia da tão esperada entrega do título, em 5 de setembro de 1978, o que era para ser festa por pouco não terminou em frustração. O cantor veio à capital do Piauí acompanhado da esposa Helena, mas na hora da sessão solene de entrega da honraria, um grande impasse aconteceu.

O Rei do Baião chegou com antecedência e foi para o gabinete de Fernando Mendes. A expectativa para a sessão estava nas alturas, quando, de repente, alguém entrou no gabinete e disse que o então presidente da Câmara, coronel Jôfre Castelo Branco, se negava a presidir a sessão. O motivo? Luiz Gonzaga não estava de terno e gravata, conforme exigia o Regimento Interno da Câmara para entrar no plenário.

Começam ali momentos de aflição de Fernando Mendes, que estava com o agraciado esperando em seu gabinete.

Fernando é admirador de Luiz (Thiago Rodrigues/Lupa1)

"Esse foi um dia que poderia ter sido magnífico e foi cheio de problemas, mas foi realizado. No dia 5 de setembro de 1978, Luiz Gonzaga estava lá no nosso gabinete às 9h da manhã. A sessão dar-se-ia às 10h. Ele estava com a esposa, a dona Helena. E então eu recebi de alguém que entrou no gabinete abruptamente e disse: 'Olha vereador, a sessão não vai ter não porque o presidente não vai presidir'. E eu perguntei o porque, o que houve. E ele disse: 'É porque o Luiz Gonzaga não está de terno e paletó, como manda o Regimento, e o presidente disse que não vai ter sessão'. O Luiz Gonzaga estava presente e ouviu toda a história. Eu imediatamente procurei o presidente Jôfre e ele disse que não iria de forma nenhuma presidir os trabalhos", relembrou o ex-vereador.

Ele conta que recorreu ao então ao vice-presidente da Câmara, coronel Jerônimo Alves, que também se negou a presidir a sessão, talvez intimidado pela postura do presidente, acredita Mendes. A terceira tentativa foi com o primeiro-secretário, que também declinou e até saiu do plenário.

"E então eu fiquei num problema sério. Foi aí que surgiu o grande, nosso querido e saudoso, ex-vereador, ex-deputado estadual, ex-vice-prefeito de Teresina, Deoclécio Dantas Ferreira, grande jornalista. Ele disse: 'Fernando, eu presido a sessão. Vamos realizar a sessão'. E assim foi feito. Luiz Gonzaga fez um discurso belíssimo. Ele realmente não estava de terno e gravata, mas estava com um safari novo, uma indumentária que se adotava naquele tempo. Estava muito bem vestido. Inclusive ele disse no discurso que não estava de paletó e gravata, mas estava de 'liforme novo' (risos). Foi muito bonita a solenidade e foi entregue o título", conta.

Matérias da época na imprensa (Foto: Arquivo/O Dia)

No dia, a Câmara estava lotada de fãs e admiradores que souberam da sessão e foram lá para ver Luiz Gonzaga.

Arquivos da sessão sumiram

Apesar do Velho Lua ter recebido o título e saído feliz de Teresina, um outro fato aconteceu posteriormente, também atribuído por Fernando Mendes ao então presidente da Câmara, Jôfre Castelo Branco. Todos os arquivos daquela sessão histórica sumiram da Câmara e nunca mais foram encontrados. Nenhuma ata, nenhum registro, nenhuma vírgula do evento.

Anos depois, o próprio Fernando Mendes se tornou presidente da casa e destacou um funcionário para fazer uma devassa nos arquivos em busca de algum documento da sessão. Sem sucesso.

"Na Câmara Municipal de Teresina todas as sessões ordinárias e solenes são registradas nos livros, são atas feitas e gravadas. Eu procurei depois e não encontrei nada nos arquivos da Câmara. Tudo, se foi gravado, desapareceu. E aí eu me pergunto: a mando de quem? Naturalmente a mando do presidente Jôfre Castelo Branco, que deve ter tido algum problema com Luiz Gonzaga. Era um grande vereador, de saudosa memória, mas cometeu esse lapso muito grande, terrível né, porque você fazer desaparecer a ata e o que foi gravado de uma sessão na Câmara Municipal é muito grave, né. Hoje eu tenho alguns registros porque os jornais publicaram", falou.

Ficaram amigos

Luiz Gonzaga colocou dedicatória em capa de disco e deu a Fernando (Foto: Gustavo Almeida/Lupa1)

Depois da honraria, Fernando Mendes e Luiz Gonzaga mantiveram amizade e chegaram se encontrar algumas vezes, inclusive no Rio de Janeiro, ocasião em que o Velho Lua, bem humorado, perguntou: "Cadê aquele presidente careca, ainda está por lá? (risos)"

Fernando guarda com carinho um disco que o Rei do Baião deu para ele pessoalmente em Teresina em 1982, quatro anos após a entrega do título. No capa do disco, uma dedicatória especial em que Luiz Gonzaga diz ser "um velho amigo" de Mendes.

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