Condomínios isolados, periferia esquecida: o novo mapa da exclusão em Teresina
Especulação imobiliária, falta de saneamento e inércia fiscal travam o crescimento inteligente da cidade
Teresina está se espalhando. Mais do que crescendo, a capital do Piauí vem se alongando em ritmo desordenado. A expansão horizontal virou regra, e a verticalização, exceção.
Enquanto houver terra haverá expansão territorial. Mas falta muita infraestrutura para chamar esses locais de "cidade".
Cidade essa que segue se estendendo para regiões cada vez mais periféricas, enquanto seus eixos centrais, bem servidos de infraestrutura, são mantidos ociosos por interesses especulativos e ausência de políticas urbanas eficientes.
A cidade está indo longe demais
A expansão horizontal de Teresina é resultado direto da ausência de infraestrutura básica nas regiões periféricas e da baixa disponibilidade de habitação vertical acessível. A verticalização concreta só ocorreu entre o Jóquei e o Horto, além de parte do bairro Ilhotas. Todo o restante da capital segue se espalhando sem planejamento, empurrando milhares de famílias para os extremos urbanos. Um dos principais fatores para essa dispersão urbana é a baixa oferta de habitação verticalizada com preço acessível a classes mais baixas.
A cidade se espalhou demais. A gente não conseguiu verticalizar por falta de esgotamento sanitário. Isso limita tudo. Hoje, a verticalização só aconteceu de forma concreta entre o Jóquei e o Horto, e parcialmente no bairro Ilhotas. Fora isso, a cidade se derrama sem planejamento
Relata um agente político ligado ao urbanismo da capital.
Condomínios fechados e a fuga para longe
Com poucas opções de apartamentos acessíveis, as pessoas estão se deslocando para regiões cada vez mais distantes, como o fim da Santa Maria da Codipi, onde proliferam conjuntos de casas populares. A realidade atual é que uma família de classe média não consegue morar nas áreas centrais de Teresina.
Condominios fechados e loteamentos se alastram pela cidade. Na foto algo bem planejado mas acessível a uma parcela muito pequena da população.
De abril a junho de 2024, Teresina registrou a venda de 1.414 imóveis novos. Apesar do equilíbrio numérico entre unidades horizontais (772) e verticais (641), os dados enganam. A maioria dos imóveis verticais se concentra em bairros nobres da zona leste, com valores elevados e metragem reduzida, voltados a públicos específicos. Já os empreendimentos horizontais, majoritariamente voltados à moradia popular, se espalham por áreas distantes, com menor infraestrutura urbana e serviços públicos limitados. A maioria dos empreendimentos verticais ainda se concentra em bairros de alto padrão.
Os lançamentos não param. Hoje mesmo (27), mais um grande lançamento na capital acontece.
Zona Sul: o futuro da verticalização
A zona Sul de Teresina é o maior exemplo do potencial desperdiçado de verticalização. Bairros como Macaúba, Tabuleta e São Pedro possuem infraestrutura urbana consolidada, mas não contam com sequer um edifício de oito ou dez andares. Se houvesse incentivo e regulamentação adequada, essa região poderia absorver parte da população que hoje mora em áreas distantes, como Teresina Sul ou Santa Maria da Codipi.
Brisa Sul Residence na Zona Sul de Teresina. talvez um dos melhores verticalizados. Aluguel no local já chega a R$ 1.400 reais mensais.
O adensamento em áreas centrais não é apenas estratégia urbanística: é economia na veia. Menos quilômetros de asfalto, menos extensão de rede de esgoto, menos linhas de ônibus custosas e subutilizadas. Bairros como Macaúba, Tabuleta e São Pedro já têm o básico, só falta visão política. Não faz sentido empurrar gente para o fim do mundo enquanto regiões centrais seguem subutilizadas. A lógica é simples: mais gente onde já tem cidade feita significa transporte mais barato, comércio mais forte e menos dinheiro público jogado em expansão ineficiente.
O grande bloqueio: especulação imobiliária
Teresina possui milhares de metros quadrados de áreas nobres completamente ociosas. Terrenos em regiões valorizadas como Raul Lopes e Homero seguem preservados há décadas, não por limitações técnicas, mas por pura especulação. Isso acontece porque manter um terreno vazio ainda é barato demais na capital.
Bairro Horto na zona leste de Teresina. Mais um retrato da especulação imobiliária. Há mais terrenos vazios que casas e prédios.
Enquanto isso, a cidade cresce para locais onde o Estado precisa investir mais em infraestrutura básica, ampliando o desequilíbrio urbano e social.
São os mesmos cinco donos que preservam esses terrenos apenas esperando valorizar. Isso é especulação pura. Eles não têm pressa nenhuma, porque manter o terreno vazio é barato demais.
Foi o que apontou uma fonte técnica do setor que também afirma que a falta de regulação permite que milhões de metros quadrados permaneçam improdutivos.
A solução, segundo o relato de outros agentes públicos e urbanistas, é clara: implementar com rigor oIPTU progressivo.
IPTU progressivo: a lei que falta sair do papel
A legislação brasileira já permite, por meio do Estatuto da Cidade, a aplicação de IPTU progressivo em terrenos ociosos localizados em zonas estratégicas para o desenvolvimento urbano.
Vereador de Teresina, Daniel Carvalho. Ele já prepara projeto de regulamentação com o IPTU PROGRESSIVO.
O proprietário que não usar seu terreno em até um ano passa a pagar o dobro, depois triplo, até atingir um teto. Isso precisa ser regulamentado em Teresina
Defende o vereador Daniel Carvalho, que prepara um projeto de regulamentação da medida na Câmara Municipal. Segundo ele, o objetivo é penalizar financeiramente a especulação imobiliária que trava a ocupação racional da cidade.
Saneamento e burocracia travam empreendimentos
Outro entrave apontado é a falta de esgotamento sanitário na periferia, o que impossibilita licenciar edifícios de maior porte. Além disso, a lentidão histórica da prefeitura em analisar projetos afugenta investidores. “Se resolvermos esses três pontos: saneamento, burocracia e especulação, Teresina pode ser uma capital muito mais inteligente”, resume o parlamentar.
O que dizem os empresários do setor imobiliário sobre especulação e impostos
Segundo dados obtidos pela reportagem em conversas com fontes do setor imobiliário, há um entendimento entre investidores e construtores de que a atuação da iniciativa privada tem sido, muitas vezes, interpretada de forma distorcida quando o debate gira em torno da especulação urbana.
Para esses interlocutores,a compra, retenção e valorização de terrenos em áreas estratégicas faz parte do próprio funcionamento do mercado, não representando, por si só, uma prática nociva ou ilegal. Pelo contrário essa movimentação é vista como parte de um ciclo que estimula a geração de renda, empregos e atração de capital, inclusive de outros estados como Maranhão e Ceará.
O setor também questiona a ênfase recente em políticas tributárias como o aumento do IPTU. A cobrança mais elevada, segundo empresários ouvidos, não tem apresentado contrapartidas claras em infraestrutura, mobilidade ou serviços públicos, especialmente nas zonas mais afastadas da cidade. Para eles, o problema central não está na arrecadação, mas na baixa eficiência da gestão pública.
As fontes consultadas também apontam que, muitas vezes, narrativas políticas colocam a responsabilidade da desordem urbana exclusivamente sobre os grandes proprietários, o que contribui para uma visão enviesada da dinâmica imobiliária.
No fundo, o impasse revela uma cidade em conflito consigo mesma: onde investir, construir e acumular patrimônio é incentivado em silêncio, mas punido em voz alta. Enquanto a cidade cresce para os lados sem estrutura, cresce também a distância entre quem decide, quem empreende e quem mora.
Panorama dos lançamentos atuais
A construção civil em Teresina vive um ciclo acelerado de lançamentos, mas o mapa da urbanização segue repetindo padrões excludentes. Levantamento exclusivo feito por esta coluna com mais de 50 empreendimentos da capital revela:
Concentração quase que absoluta na zona leste, a única região onde há infraestrutura plena e valorização garantida. Esse desequilíbrio reforça a ideia de cidade partida — uma elite verticalizada em áreas nobres e um cinturão horizontal espremido nas periferias.
Construtoras como MRV, Rivello, Vanguarda, Galib e Betacon dominam os lançamentos, oferecendo desde microapartamentos até residenciais de alto padrão, todos centralizados em um mesmo eixo urbano.
A metragem dos imóveis varia entre 26 m² e 279 m², o que revela um mercado fragmentado, atendendo tanto o consumidor de entrada quanto o público de luxo.
Datas de entrega se estendem até 2027, o que mostra que esse ciclo de concentração está planejado para se perpetuar por mais três anos além disso, os empreendimentos de entrada (unidades com até 40 m²) apresentam alta densidade habitacional, mas sem planejamento urbano proporcional nem contrapartidas públicas claras.
Conversei com um especialista no assunto sobre os lançamentos atuais, e segundo o corretor Pablo Paz, o ritmo de lançamentos é intenso:
Pablo Paz é empresário, corretor e analista imobiliário em Teresina-PI
Está acontecendo agora o evento para corretores do Reserva Aldebaran, com 238 lotes ao lado do Aldebaran Ville. Esta semana ainda tem o Reserva Fortes, no caminho para Altos, e outros eventos importantes, com novos apartamentos sendo apresentados. Todos são excelentes oportunidades. São três eventos só esta semana.
Apesar disso, começa a surgir uma diversificação regional:
Zona Sudeste: recebe investimentos como o Condomínio Mío Dirceu (Avenida São Francisco) e o Residencial Flor de Lis, voltado à habitação popular com estrutura de lazer.
Zona Norte: projetos como o Vila Esperança, próximo à Unimed Primavera, e o Parque dos Diamantes, no bairro Areias, apostam em sustentabilidade e acessibilidade.
Zona Sul: há apostas em condomínios horizontais, como no bairro Angelim, onde casas de 2 quartos são ofertadas com foco em segurança e tranquilidade.
Zona Leste: permanece como centro dos lançamentos de alto padrão, com empreendimentos como o Bosque dos Ipês (no São Cristóvão) e o Jardim do Uruguai (bairro Uruguai e próximo e Novafapi).
Essa dinâmica revela que, apesar de alguma descentralização em curso, o modelo de urbanização ainda prioriza áreas com infraestrutura consolidada, o que reforça a segregação socioespacial e posterga a ocupação estratégica de outras zonas da cidade.
Um comparativo incômodo: Teresina é gigante, mas vazia. Recife é pequena, mas lotada.
Enquanto Teresina se espalha por quase 1.400 km² com pouco mais de 860 mil habitantes, Recife concentra quase o dobro da população em uma área seis vezes menor.
Recife, capital do Estado do Pernambuco. A imagem já diz tudo.
A diferença impressiona: a capital piauiense tem apenas 622 pessoas por quilômetro quadrado, contra 6.804 em Recife. É o retrato claro de uma cidade que cresce para os lados, enquanto poderia adensar com inteligência. A capital de Pernambuco, por outro lado, já sofre com os desafios do adensamento extremo, como mobilidade travada, favelização vertical e escassez de áreas verdes.
Esse dado foi citado pelo atual vereador de Teresina Daniel Carvalho também em entrevista a este colunista, como um dos mais gritantes da falta de planejamento urbano na capital:
Somos quase quatro vezes menor que Recife, isso que escancara a ineficiência do uso do solo na nossa capital. É algo que deve ser discutido emergencialmente. A cidade perde em qualidade de vida e na geração de impostos que iriam beneficiar a todos, principalmente aos mais necessitados.
O Ponto de Ruptura
Teresina vive uma ilusão de progresso. A cidade assiste à multiplicação de condomínios fechados em áreas afastadas, vendidos como "refúgios de tranquilidade" para famílias de classe média alta e alta. Com estrutura própria, segurança privada e certa qualidade de vida, esses empreendimentos representam uma solução viável para quem pode pagar mesmo que isso signifique morar longe.
Em contrapartida, para a população de baixa renda, a única saída também tem sido morar longe, mas só que em loteamentos populares e vilas periféricas sem infraestrutura adequada.
Uma coisa é viver no Alphaville; outra bem diferente é tentar sobreviver no fim da Santa Maria da Codipi, no Teresina Sul ou em áreas da zona Sudeste como Novo Horizonte e Flor do Campo, sem drenagem, transporte público confiável ou saneamento básico.
O que deveria ser direito virou sacrifício.
Essa é a distorção central do modelo atual: a verticalização não acontece, e o que sobra para ricos e pobres é a periferização da cidade. Mas, enquanto uns vivem isolados com conforto, outros são empurrados para viver isolados da própria cidade.
Os lotes vendidos nesses loteamentos populares chegam a custar entre R$ 80 mil e R$ 130 mil, mesmo sem asfalto, esgoto ou equipamentos públicos. Morar "razoavelmente bem" passou a significar viver desconectado do centro e distante das oportunidades.
A contradição se agrava diante dos milhares de terrenos desocupados nas zonas mais estruturadas da capital, como o eixo leste (Jóquei, São Cristóvão, Horto) e áreas próximas ao centro. Esses espaços permanecem nas mãos de poucos, protegidos por uma lógica especulativa que por muitas vezes paralisa a cidade.
Do outro lado, empresários do setor imobiliário argumentam com razão que a retenção de terrenos, muitas vezes rotulada como especulação, é na verdade parte do ciclo natural de valorização e segurança jurídica do mercado. Rebatem as críticas com a afirmação de que o setor gera empregos, movimenta a economia e que a carga tributária vem aumentando sem a devida entrega de infraestrutura pública. Sentem-se, inclusive, alvos fáceis de um debate que poupa a lentidão do Estado.
No entanto, o resultado está posto: Teresina cresce para onde não deveria e deixa vazios onde deveria pulsar. O ponto de ruptura é esse: entre o silêncio de quem acumula, o ruído de quem decide e o silêncio forçado de quem apenas tenta morar. Sem coragem para romper esse ciclo, a cidade continuará expandindo sua borda e esquecendo seu centro.
Teresina se fragmenta. Exclui. Retrocede enquanto anuncia progresso. A ausência de políticas de adensamento e redistribuição fundiária não é um erro de cálculo. É escolha.
Repito, romper esse ciclo exige coragem politica, visão urbana e a união de todos.
Teresina não pode continuar crescendo para longe enquanto se esvazia por dentro. Urbanizar é redistribuir acesso e sem isso, o que estamos construindo não é futuro: é exclusão revestida de condomínio.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .