Coluna Penal 360

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Relatórios de Inteligência Financeira: Limites em Investigações

Importância dos Relatórios de Inteligência Financeira e a Necessidade de Respeitar Limites Legais.

20 de janeiro de 2025 às 17:24
12 min de leitura

Os relatórios de inteligência financeira são instrumentos fundamentais utilizados pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para investigar crimes financeiros no Brasil, como a lavagem de dinheiro. Esses documentos são gerados com base em informações que o COAF recebe de várias fontes, incluindo a Receita Federal, cartórios de registro de imóveis e bancos, que são obrigados a relatar atividades consideradas suspeitas, como grandes movimentações de dinheiro em espécie ou transações imobiliárias suspeitas.

Lavagem de Dinheiro - Foto: Alexander Schimmeck na Unsplash

Existem dois tipos principais de relatórios de inteligência financeira: os relatórios espontâneos e os relatórios provocados. Os relatórios espontâneos são elaborados pelo COAF e enviados às autoridades de forma proativa, com base na análise de dados que indicam possíveis irregularidades financeiras. O COAF cruza informações de diferentes fontes e, ao identificar sinais de potenciais crimes, como a lavagem de dinheiro, comunica essas descobertas aos órgãos de persecução penal.

Já os relatórios provocados são solicitados pelas autoridades, como a polícia ou o Ministério Público, durante o curso de uma investigação. Quando essas autoridades detectam a necessidade de um exame financeiro mais detalhado para aprofundar sua investigação sobre indícios de práticas criminosas, elas requisitam que o COAF produza um relatório específico. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando há uma quebra de sigilo bancário ou fiscal e é necessário esclarecer aspectos financeiros complexos de uma investigação.

Ricardo Pinheiro

É fundamental que as solicitações de relatórios provocados e das etapas probatórias subsequentes, como quebras de sigilos bancário e fiscal, sejam realizadas de forma responsável e fundamentadas em bases sólidas. O uso desproporcional ou abusivo desses relatórios, sem justificativas adequadas, pode ter consequências negativas na produção de provas penais, comprometendo a integridade da investigação. Isso significa que a utilização inadequada desses documentos pode levar à invalidação das provas, tornando-as imprestáveis no processo penal.

No julgamento do Habeas Corpus nº 191.378/DF, conduzido pelo Ministro Sebastião Reis Júnior da Sexta Turma em 15 de setembro de 2011, foi examinada a proporcionalidade de uma investigação policial que se baseou exclusivamente no relatório de inteligência financeira recebido pelo COAF para justificar a solicitação de quebra dos sigilos bancário e fiscal do investigado. O relator, com o apoio unânime dos demais ministros da Sexta Turma, concluiu que a utilização do RIF sem a sustentação de outras técnicas investigativas prévias é desproporcional, resultando na nulidade da prova obtida pelo Estado. Confira trechos da ementa deste importante julgamento:

2. Quanto à instauração de inquérito policial resultante do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), nada há que se questionar, mostrando ele totalmente razoável, já que os elementos de convicção existentes se prestaram para o fim colimado.

3. Representação da quebra de sigilo fiscal, por parte da autoridade policial, com base unicamente no Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Representação policial que reconhece que a simples atipicidade de movimentação financeira não caracteriza crime. Não se admite a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos (medida excepcional) como regra, ou seja, como a origem propriamente dita das investigações. Não precedeu a investigação policial de nenhuma outra diligência, ou seja, não se esgotou nenhum outro meio possível de prova, partiu-se, exclusivamente, do Relatório de Inteligência Financeira encaminhado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) para requerer o afastamento dos sigilos. Não foi delineado pela autoridade policial nenhum motivo sequer, apto, portanto, a demonstrar a impossibilidade de colheita de provas por outro meio que não a quebra de sigilo fiscal. Não demonstrada a impossibilidade de colheita das provas por outros meios menos lesivos, converteu-se, ilegitimamente, tal prova em instrumento de busca generalizada. Idêntico raciocínio há de se estender à requisição do Ministério Público Federal para o afastamento do sigilo bancário, porquanto referente à mesma questão e aos mesmos investigados.

4. O outro motivo determinante da insubsistência/inconsistência da prova ora obtida diz respeito à inidônea fundamentação, desprovida de embasamento concreto e carente de fundadas razões a justificar ato tão invasivo e devassador na vida dos investigados. O ponto relativo às dificuldades para a colheita de provas por meio de procedimentos menos gravosos, dada a natureza das ditas infrações financeiras e tributárias, poderia até ter sido aventado na motivação, mas não o foi; e, ainda que assim o fosse, far-se-ia necessária a demonstração com base em fatores concretos que expusessem o liame entre a atuação dos investigados e a impossibilidade em questão. A mera constatação de movimentação financeira atípica é pouco demais para amparar a quebra de sigilo; fosse assim, toda e qualquer comunicação do COAF nesse sentido implicaria, necessariamente, o afastamento do sigilo para ser elucidada. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção. Qualquer inquérito policial visa apurar a responsabilidade dos envolvidos a fim de puni-los, sendo certo que a gravidade das infrações, por si só, não sustenta a devassa da intimidade (medida de exceção), até porque qualquer crime, de elevada ou reduzida gravidade (desde que punido com pena de reclusão), é suscetível de apuração mediante esse meio de prova, donde se infere que esse fator é irrelevante para sua imposição. O mesmo raciocínio pode ser empregado para a justificativa concernente ao "perigo enorme e efetivo que a ação pode causar à ordem tributária, à ordem econômica e "às relações de consumo", as quais se encontram contidas na gravidade das infrações sob apuração. A complexidade dos fatos sob investigação também não autoriza a quebra de sigilo, considerando não ter havido a demonstração do nexo entre a referida circunstância e a impossibilidade de colheita de provas mediante outro meio menos invasivo. Provas testemunhais e periciais também se prestam para elucidar causas complexas, bastando, para isso, a realização de diligências policiais em sintonia com o andamento das ações tidas por criminosas. A mera menção aos dispositivos legais aplicáveis à espécie, por si só, também não se afigura suficiente para suportar tal medida, uma vez que se deve observar que tais dispositivos "possibilitam" a quebra, mas não a "determinam", obrigando o preenchimento dos demais requisitos legais. Máculas que contaminaram toda a prova: falta de demonstração/comprovação inequívoca, por parte da autoridade policial, da pertinência do gravoso meio de prova (isto é, ausência da elucidação acerca da inviabilidade de apuração dos fatos por meio menos invasivo e devassador); utilização da quebra de sigilo fiscal como origem propriamente dita das investigações (instrumento de busca generalizada); ausência de demonstração exaustiva e concreta da real necessidade e imprescindibilidade do afastamento do sigilo; não demonstração, pelo Juízo de primeiro grau, da pertinência da quebra diante do contexto concreto dos fatos ora apresentados pela autoridade policial para tal medida. O deferimento da medida excepcional por parte do magistrado de primeiro grau não se revestiu de fundamentação adequada nem de apoio concreto em suporte fático idôneo, excedendo o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, maculando, assim, de ilicitude referida prova.

5. Todas as demais provas que derivaram da documentação decorrente das quebras consideradas ilícitas devem ser consideradas imprestáveis, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.

6. Ordem concedida para declarar nulas as quebras de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos, porquanto autorizadas em desconformidade com os ditames legais e, por consequência, declarar igualmente nulas as provas em razão delas produzidas, cabendo, ainda, ao Juiz do caso a análise de tal extensão em relação a outras, já que nesta sede, de via estreita, não se afigura possível averiguá-las; sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclusão dependerá da produção de novas provas independentes.

Em suma, os relatórios de inteligência financeira são fundamentais na investigação de crimes financeiros no Brasil. Ao integrar e analisar dados de múltiplas fontes, eles criam uma base evidencial indispensável para a identificação e combate à lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas. Apesar de sua significativa utilidade na construção de provas, é crucial que suas requisições, especialmente no caso dos relatórios provocados, sejam conduzidas com responsabilidade e amparo jurídico sólido. O uso imprudente ou excessivo desses documentos, como evidenciado no julgamento do Habeas Corpus nº 191.378/DF, pode comprometer a validade das provas produzidas pelo Estado.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

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