Recebimento da denúncia e sentença penal: distinções processuais e probatórias
O ato formal de receber a denúncia não implica juízo de mérito, mas autoriza o início do processo penal.
Gostaria de fazer alguns breves comentários sobre a distinção entre o ato de recebimento da denúncia e o de prolação da sentença penal, seja condenatória ou absolutória.

Essas etapas processuais, ambas integrantes do devido processo legal, têm naturezas probatórias distintas. No primeiro momento, temos somente a probabilidade do direito de punir do Estado. Nessa fase inicial, as provas apresentadas são produzidas unilateralmente pelos órgãos de persecução penal, ou seja, pelo Ministério Público e pela Polícia. Não há, nesse instante, contraditório ou ampla defesa — apenas uma indicação de plausibilidade do direito alegado por meio de uma acusação formal chamada denúncia, que é encaminhada ao Poder Judiciário.
O juiz, ao receber a denúncia, realiza apenas uma análise preliminar e superficial (não exaustiva). Ele verifica se os elementos mínimos de admissibilidade previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal foram atendidos, ou seja: se o Ministério Público descreveu o fato e suas circunstâncias, apresentou a qualificação jurídica sugerida e, quando possível, indicou o rol de testemunhas. Esse momento processual delimita a chamada probabilidade acusatória, e não se trata de juízo de mérito, mas de um exame do preenchimento dos requisitos formais da acusação.

Após o recebimento da denúncia, inicia-se o processo penal propriamente dito, com a abertura de prazo para que a defesa possa impugnar as provas e contestar a acusação — momento em que se concretizam o contraditório e a ampla defesa. Ressalto sempre, inclusive em meus textos, que para que a prova penal produza efeitos válidos, ela precisa respeitar a legislação infraconstitucional pertinente, observando sempre a proporcionalidade na investigação. Provas obtidas de forma desproporcional, ou que poderiam ser produzidas de modo menos invasivo, correm sério risco de serem declaradas ilícitas pelo Judiciário, conforme o devido processo legal brasileiro.
Portanto, a atuação do juiz, nesse estágio, é limitada a um juízo formal: constatando-se o cumprimento dos requisitos do art. 41 do CPP, é obrigação do Judiciário receber a denúncia, dando início ao contraditório e à produção de provas por ambas as partes.
Importante destacar também que, nos termos do art. 383 do CPP, o juiz não fica vinculado à capitulação jurídica dada pelo Ministério Público, mas decide conforme os fatos apresentados e as provas colhidas durante a instrução. Ainda que a denúncia sugira determinada qualificação jurídica, esta pode ser alterada no curso do processo, inclusive para uma mais grave, caso os fatos assim indiquem.
Confira o artigo 383 do Código de Processo Penal:
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
Receber a denúncia, portanto, não é sinônimo de condenação, mas mera formalização da acusação para permitir a efetiva defesa. Os tribunais superiores já pacificaram o entendimento de que ninguém pode ser condenado apenas com base nas provas colhidas no inquérito policial: tais provas devem ser confirmadas diante do contraditório judicial, e, se a defesa apresentar provas mais robustas, prevalecerá o entendimento mais bem fundamentado.
Transcrevem-se, a seguir, trechos da ementa do Habeas Corpus nº 173813, de relatoria do Ministro Nunes Marques, julgado pela Segunda Turma em 17/08/2021.
É nula a condenação baseada apenas em provas produzidas na fase pré-processual, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal.
Por fim, a distinção é clara: o recebimento da denúncia é um ato formal, de natureza não exauriente, que não analisa o mérito da acusação, apenas autoriza a instauração do processo penal, possibilitando à defesa o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa. Somente ao final, após a produção da prova sob o crivo do contraditório, o juiz profere sentença condenando ou absolvendo com base nas provas dos autos.
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