Interferência externa e a necessidade de prisão em investigações
Analisando como influências externas afetam provas e justificam prisões preventivas no Brasil.
A prisão de indivíduos investigados na trama golpista, mesmo após a conclusão preliminar das investigações, destaca a seriedade com que o sistema de persecução criminal brasileiro aborda a coleta de provas, evitando interferências indevidas. O processo penal no Brasil é dividido em etapas claras para assegurar que as provas sejam produzidas com transparência e respeito aos direitos e garantias individuais do investigado e daqueles que, de forma direta ou indireta, colaboram com a produção da prova penal, como é o caso dos colaboradores premiados.
Na fase inicial, conhecida como fase inquisitorial, o investigado não possui o direito de contraprova ou contestação, permitindo que a polícia e o Ministério Público coletem evidências de forma unilateral. No entanto, é crucial ressaltar que essa prova, por si só, não possui validade plena para condenação, servindo apenas como base para uma potencial acusação. Um dos principais objetivos desta fase é prevenir a interferência na produção de provas, evitando ameaças ou intimidações a testemunhas e outros colaboradores. Essa proteção é fundamental para garantir que as provas sejam coletadas sem pressão ou manipulação externa.
A polícia e o Ministério Público precisam ter autonomia funcional para conduzir investigações com base em critérios de oportunidade e conveniência. É crucial entender que a investigação não se encerra com a formalização do relatório policial, seja ele com ou sem o indiciamento formal dos investigados. O indiciamento é uma etapa que sinaliza a conclusão do relatório policial, mas não impede que o Ministério Público determine a continuidade das investigações ou exija o esclarecimento de fatos cruciais para o oferecimento de uma acusação criminal. O indiciamento não vincula o Ministério Público e não garante que a acusação criminal será proposta conforme sugerido pelo delegado de polícia.
Quando há suspeita de interferência na coleta de provas, o juiz pode decretar a prisão preventiva dos envolvidos para proteger a integridade da investigação. Essa medida assegura que a investigação possa prosseguir sem obstáculos externos, garantindo que não haja interferência na produção das provas.
A fase de contraditório judicial é a etapa em que o acusado tem a oportunidade de contestar as provas apresentadas pelos órgãos de persecução criminal. Nesta fase, verifica-se se o processo atendeu a todas as exigências legais, incluindo o respeito à proporcionalidade das medidas adotadas. Provas penais que são produzidas de forma desproporcional não têm validade para uma condenação criminal. Um exemplo disso é a recente decisão no habeas corpus nº 933.395/SP, sob relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, da Quinta Turma, julgado em 26/11/2024, com publicação no DJe de 3/12/2024. Nesta decisão, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reverteu a condenação de um homem por tráfico de drogas ao constatar que as provas foram obtidas mediante tortura durante a abordagem policial, o que as torna ilegais.
É importante destacar que as provas produzidas de forma unilateral no inquérito policial, se não forem confirmadas em juízo, na fase do contraditório judicial, não servem para uma condenação criminal. A decisão judicial que recebe uma acusação criminal proposta pelo Ministério Público e determina a instauração de uma ação penal não se confunde com uma antecipação de culpa. Essa decisão baseia-se apenas nas conclusões das autoridades de persecução criminal, onde a prova é produzida de forma unilateral; ou seja, não analisa a responsabilidade penal do indivíduo, e, portanto, não serve para uma condenação criminal.
No julgamento do AgRg no HC n. 852.949/CE, sob a relatoria da Ministra Laurita Vaz e relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, pela Sexta Turma, julgado em 30/11/2023 e publicado no DJe de 14/12/2023, o Superior Tribunal de Justiça constatou que as provas produzidas no inquérito policial não foram confirmadas em juízo, resultando na absolvição do acusado.
Confira trechos da ementa desse caso:
4. O exame dos pressupostos e dos requisitos necessários ao recebimento da denúncia é feito em cognição sumária dos fatos, com base nos elementos informativos colhidos no inquérito policial, sem apreciação exauriente da causa e da efetiva responsabilidade penal do indivíduo. Fala-se, por isso, em mero fumus commissi delicti (fumaça do cometimento de um delito), consistente na existência de prova da materialidade e indícios de autoria delitiva. Vale dizer, ao simplesmente receber a denúncia contra o acusado, o julgador não está, necessariamente, "pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão", no caso, a responsabilidade penal do réu. Está apenas, em juízo prelibatório, sem incursão definitiva na culpa do acusado, analisando a presença de justa causa para o início da ação penal.
6. Na hipótese, a simples leitura da denúncia, da sentença e do acórdão deixa claro que não houve apreensão de drogas ou outros objetos indicativos de tráfico com o paciente e que a suposta participação dele no esquema criminoso foi embasada apenas no testemunho indireto dos policiais, os quais haveriam obtido supostas delações informais dos corréus e uma alegada confissão informal do paciente, que não foram confirmadas nem sequer no inquérito policial, tampouco em juízo, quanto ao envolvimento dele na traficância. Assim, com base em tão frágeis elementos, não há como considerar provada e inferir, além de qualquer dúvida razoável, a prática do crime de tráfico de drogas pelo acusado, muito menos o delito de associação, que requer estabilidade e permanência do vínculo.
7. Agravo regimental parcialmente provido para absolver o acusado da prática dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006, por falta de provas, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
Portanto, a estrutura do sistema de persecução criminal no Brasil é projetada para garantir que todas as etapas da persecução criminal sejam respeitadas. Qualquer interferência na produção de provas pode resultar em medidas restritivas, como a prisão preventiva, para assegurar que os órgãos de persecução criminal possam atuar sem interferências externas. A investigação só é considerada encerrada com o oferecimento de uma denúncia pelo Ministério Público, o que não significa que as conclusões acusatórias sejam, por si só, suficientes para subsidiar uma condenação criminal.
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