Impacto do indiciamento e etapas da condenação criminal
Análise do efeito das notícias e a independência judicial na persecução criminal.
Esta semana, a imprensa informou que autoridades brasileiras foram indiciadas pela polícia pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Não há dúvidas de que essa notícia teve um impacto extremamente negativo na imagem dos envolvidos, resultando em uma perda de reputação que é, de fato, indiscutível. Quando a imprensa publica uma notícia com alto grau de estigma, é comum que o receptor interprete a informação de forma condenatória, resultando em uma condenação antecipada.
Na minha interpretação do sistema de persecução criminal, a condenação se desdobra em três etapas distintas: perda de reputação, perda de liberdade e perda patrimonial. A primeira etapa, a perda de reputação, ocorre devido a uma condenação que é frequentemente feita de forma unilateral e subjetiva pelas pessoas que recebem as informações, baseando-se exclusivamente nas divulgações da mídia. Na segunda etapa, se o processo legal avançar, pode ocorrer a perda de liberdade. Finalmente, a perda patrimonial pode ser imposta como uma forma de indenização pelos danos causados.
O inquérito policial é um procedimento administrativo conduzido exclusivamente pelo delegado de polícia, que deve seguir rigorosamente a legalidade na obtenção de provas. Ao concluir a investigação, o delegado elabora um relatório que reflete sua interpretação pessoal das infrações criminais à luz da legislação penal. A inclusão de tipificações jurídicas nesse relatório é uma formalidade das conclusões do delegado.
Tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário não estão vinculados à capitulação jurídica proposta pelo delegado. Ao apresentar uma denúncia, que por uma formalidade legal deve conter a sugestão de crimes praticados pelo acusado, o Ministério Público pode tanto excluir capitulações jurídicas propostas pelo delegado quanto incluir aquelas que considera mais adequadas aos fatos.
Durante o julgamento de uma ação penal, o juiz tem a liberdade de condenar o acusado com base em um crime diferente daquele apresentado pela acusação. Por exemplo, o acusado pode ser denunciado por estelionato majorado, mas o juiz pode entender que a infração se equivale ao crime de peculato e, com base nessa interpretação, condená-lo por peculato.
Portanto, como a condenação à perda de reputação ocorre na primeira etapa do nosso sistema de persecução criminal, através da análise pessoal e subjetiva feita por cada pessoa que recebe a notícia divulgada pela imprensa e condena aquela pessoa sem ouvir o outro lado da história, em muitos casos, essa condenação é pior do que a condenação legal. A condenação legal ocorre após o devido processo legal, pois, conforme afirmado, ao prolatar uma sentença, o juiz não está vinculado às capitulações jurídicas contidas no processo, mas aos fatos e à aplicação do direito material.
Por exemplo, se os fatos ocorreram em 2000 e o ato praticado pelo acusado só foi tipificado como crime no ano de 2001, o juiz não pode aplicar o direito material no caso apresentado pelo Ministério Público e pode julgar improcedente a denúncia, resultando na absolvição do acusado. Ou seja, ele foi absolvido judicialmente, mas foi condenado à perda de reputação por uma notícia sobre o seu indiciamento.
Em resumo, embora o indiciamento possa ser extremamente prejudicial à imagem de uma pessoa, as conclusões policiais não vinculam o juiz. Nosso sistema de persecução criminal estabelece que o acusado deve se defender dos fatos e não da tipificação jurídica proposta pela polícia e pelo Ministério Público. Assim, o juiz sentencia com base nos fatos apresentados. Se for constatado que os fatos não correspondem ao direito material vigente à época da infração penal, ou se houver alguma ilegalidade processual que resulte na nulidade da prova, o juiz considera a denúncia improcedente e absolve o acusado.
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