Coluna Penal 360

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Entendendo a colaboração premiada

Como esse instituto processual penal pode se transformar em uma poderosa ferramenta defesa.

22 de janeiro de 2025 às 10:11
8 min de leitura

Hoje vamos conversar sobre a colaboração premiada, um ato processual previsto na Lei 12.850, que trata de organizações criminosas. De uma forma geral podemos resumir o conceito de organização criminosa como um grupo de pessoas formado hierarquicamente, com um chefe e subordinados, que se unem reiteradamente para a prática de infrações criminais graves. Esse conceito é fundamental para compreender a aplicação da colaboração premiada, que está inserida justamente nesta mesma lei.

Acordo bilateral - Foto: Scott Graham na Unsplash

O objetivo da colaboração premiada é conseguir a condenação do maior número de pessoas envolvidas em uma organização criminosa. Pretende-se, com a colaboração, não apenas extinguir a organização, mas também recuperar ativos e aplicar sanções criminais aos envolvidos. A quantidade de pena e o regime de prisão — seja fechado, semiaberto, ou em presídio de segurança máxima — dependerão do nível hierárquico de cada membro dentro da organização.

A colaboração premiada é um acordo formal entre o colaborador, seu advogado, e as autoridades, como a polícia ou o Ministério Público. Nesse contrato, o colaborador se compromete a responsabilizar outros membros da organização, detalhando o funcionamento do grupo criminoso. Em troca, pode obter benefícios legais, como a redução de pena em uma eventual condenação criminal. Entretanto, o depoimento do colaborador deve ser respaldado por provas ou indícios de provas, pois somente a palavra dele não é suficiente para que a colaboração seja validada judicialmente.

Ricardo Pinheiro

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 2.026.587/RJ, realizado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Jesuíno Rissato, foi analisado um recurso do Ministério Público Federal contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da Segunda Região. Esta decisão havia determinado o trancamento de uma ação penal instaurada contra um acusado de formação de quadrilha, pertencimento a organização criminosa, lavagem e evasão de divisas, ameaça e obstrução de justiça. Os crimes eram parte da operação "Câmbio, Desligo", baseada em colaborações premiadas. O julgamento, ocorrido em 14 de agosto de 2023, reafirmou que a colaboração premiada não pode ser usada como única prova para uma acusação penal, sem a presença de outras evidências que corroborem as alegações. O STJ reiterou que é necessário um conjunto probatório que complemente a palavra do colaborador. Confira trechos da ementa desse caso:

2. Com efeito, a colaboração premiada constitui meio para a obtenção de provas, e a denúncia calcada exclusivamente na palavra de colaboradores premiados, sem a corroboração por elementos externos à própria delação, enseja o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, conforme determina o art. 4º, § 16, II e III, da Lei 12.850/2013. Precedentes.

A iniciativa para um acordo de colaboração premiada geralmente parte da defesa do investigado, que procura marcar uma audiência com o delegado ou membro do Ministério Público responsável pelo caso. Durante o processo de colaboração, é crucial que o colaborador indique o caminho das provas, como mensagens de WhatsApp, cartas, ameaças, ou imagens, para que as autoridades possam prosseguir com as investigações.

Após a homologação judicial, o colaborador passa a ser um membro ativo no processo de persecução criminal. A qualidade da colaboração é essencial e pode determinar a redução da pena. A Lei 12.850 prevê que, dependendo da qualidade da colaboração, pode haver até mesmo o perdão judicial, que exonera o colaborador de sanções, desde que a colaboração contribua substancialmente para a solução do caso e recuperação de ativos. Confira o teor do artigo 4º da Lei nº. 12.850, de 2 de agosto de 2013:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; (Vide ADPF 569)

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

Importante destacar que não existe direito subjetivo do investigado ao acordo de colaboração premiada; a aceitação depende da discricionariedade das autoridades competentes, como o Ministério Público e a Polícia. Além disso, o colaborador deve cumprir rigorosamente as condições do acordo, como o pagamento de multas. Caso não cumpra o que foi acordado, isso pode resultar na rescisão do acordo.

Por fim, a colaboração premiada é um contrato bilateral entre o Ministério Público e o colaborador. Ambas as partes devem sair beneficiadas: o Estado, pela obtenção de informações e provas, e o colaborador, pela redução de pena e preservação parcial de seu patrimônio. Uma defesa bem estruturada é essencial para negociar um bom acordo de colaboração premiada, garantindo que o processo respeite a proporcionalidade e que todos os envolvidos entendam a complexidade e seriedade deste instrumento jurídico.

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