Coluna Penal 360

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Câmeras corporais: fortalecendo a prova penal na atuação policial

Implementação de câmeras corporais: pilar de transparência e justiça no processo penal.

10 de dezembro de 2024 às 05:33
6 min de leitura

O uso de câmeras corporais pelas autoridades de persecução criminal, em qualquer fase da investigação, seja para prender uma pessoa em flagrante ou para cumprir um mandado de busca e apreensão, não deveria ser tratado como exceção à regra. A utilização desse meio tecnológico é benéfica para todas as partes envolvidas no processo penal, uma vez que toda a cadeia de custódia estaria documentada através das imagens e do som captados pelas câmeras.

Policial usando câmera corporal - Foto: Jack Prommel na Unsplash

Utilizar provas unilaterais para fundamentar apenas o ato coercitivo, como a prisão de uma pessoa, é incoerente. O Estado, representado pelas autoridades que atuam até o encerramento de uma investigação criminal, não estaria se preocupando com o desenvolvimento da fase de contraditório judicial, onde a prova produzida na investigação poderia ser invalidada quando fosse contraditada na instrução processual.

É importante destacar que as provas produzidas na investigação precisam ser confirmadas em juízo para que uma pessoa seja condenada. Portanto, não adianta produzir provas para embasar uma acusação criminal quando essa prova foi obtida de forma a não respeitar a proporcionalidade na obtenção da materialidade delitiva. Provas penais que são desproporcionais, sobretudo quando o crime apurado não envolve violência ou grave ameaça, têm chance de ser anuladas pelo Poder Judiciário, representando um esforço inútil do Estado. Provas produzidas em inquérito policial precisam ser contraditadas pelo acusado, na ação penal, para embasar uma condenação criminal.

Ricardo Pinheiro

Assim, o uso de câmeras corporais por parte das autoridades de persecução criminal deveria ser uma prática padrão, beneficiando tanto a atuação policial quanto a validade das provas. Policiais que agem dentro da legalidade desejam comprovar a correção de suas ações e investigações. As câmeras corporais documentam essas ações, garantindo que prisões e investigações sejam conduzidas segundo normas legais, eliminando dúvidas sobre a legalidade dos procedimentos.

A recente declaração do Governador de São Paulo, Tarcísio, sobre reconsiderar o uso de câmeras corporais em resposta à violência policial, é um passo positivo. A violência policial gera custos ao Estado, que pode ser responsabilizado pelos atos de seus funcionários. Portanto, o Estado não tem interesse em apoiar ações policiais violentas. A decisão do governador deve ser aplaudida, pois busca proteger todos os envolvidos e melhorar a produção de provas penais.

No brilhante julgamento do Habeas Corpus nº 768.440/SP, sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido em 20 de agosto de 2024, o Ministro Schietti, através de uma fundamentação convincente, anulou a prova penal produzida pelo Estado e absolveu uma pessoa que foi acusada sem a existência de qualquer prova material que desse credibilidade aos testemunhos dos policiais responsáveis pela prisão.

Confira trechos desse emblemático julgamento:

“7. Infelizmente, porém, ainda não se chegou ao desejado cenário em que todos os policiais de todas as polícias do Brasil estejam equipados com bodycams em tempo integral, o que não apenas ajudaria a evitar desvios de conduta, mas também protegeria os bons policiais de acusações injustas de abuso, com qualificação da prova produzida em todos os casos.

8. Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade; do contrário, deve-se submetê-los a cuidadosa análise de coerência ? interna e externa ?, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos, conforme decidido pela Terceira Seção deste Superior Tribunal no HC n. 877.943/MS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 14/5/2024).

13. Assim, diante do conflito entre a versão acusatória (bastante inverossímil) e a do acusado (a qual está amparada no depoimento de duas testemunhas e de uma informante), não há como considerar provada a existência da justificativa apresentada para a realização da busca domiciliar, de modo que se deve reconhecer a ilicitude da diligência e, por consequência, de todas as provas dela derivadas, o que conduz à absolvição do acusado. Cabe salientar, ainda, que não houve gravação audiovisual da ação policial, o que poderia haver dirimido as relevantes dúvidas existentes sobre a dinâmica fática, as quais, uma vez que persistem, devem favorecer o acusado, em conformidade com antigo brocardo jurídico (in dubio pro reo).”

A conclusão sobre o uso de câmeras corporais pelas autoridades de persecução criminal é clara: sua implementação como prática padrão é essencial para garantir a transparência e a integridade do processo penal. O uso dessas câmeras não apenas beneficia todas as partes envolvidas ao documentar de forma precisa e objetiva as ações policiais, mas também fortalece a validade das provas apresentadas em juízo. Em suma, as câmeras corporais são uma ferramenta crucial para promover justiça e confiança no sistema penal.

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