Beber e dirigir: o alto preço de uma decisão irresponsável
Consequências legais, sociais e emocionais que transformam vidas após um acidente fatal.
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um aumento significativo nos acidentes de trânsito fatais, muitos dos quais estão associados ao consumo de álcool. A combinação de beber e dirigir tornou-se uma prática alarmantemente comum no País, refletindo uma cultura onde os crimes de trânsito são frequentemente tratados com excessiva leniência. Esta realidade é agravada pela percepção generalizada de que as punições para tais infrações são brandas, o que pode encorajar comportamentos irresponsáveis.
É uma cena lamentavelmente familiar para muitos brasileiros: presenciar alguém que consumiu álcool em excesso em um bar entrar em seu veículo como se nada tivesse acontecido, ignorando completamente os riscos associados a essa conduta. Este comportamento não apenas reflete uma falta de consciência individual, mas também expõe uma falha sistêmica na forma como nossa sociedade aborda a questão da segurança no trânsito.
É profundamente preocupante que indivíduos continuem a dirigir sob influência de álcool, confiando na suposta benevolência do sistema punitivo. Esta situação não apenas coloca vidas em risco imediato, mas também mina a credibilidade e a eficácia do sistema legal no combate a esses crimes. A aparente impunidade ou a percepção de punições brandas criam um ciclo vicioso, onde o desrespeito às leis de trânsito se normaliza, aumentando ainda mais os riscos para todos os usuários das vias públicas.
Essa questão levanta preocupações importantes sobre a eficácia das políticas atuais de prevenção e punição de crimes de trânsito no Brasil. Torna-se claro que apenas a existência de leis não basta para coibir essas atitudes. A falta de fiscalização efetiva por parte do Estado, aliada à ausência de punições realmente desestimulantes para quem dirige alcoolizado, faz com que muitos brasileiros tratem o ato de beber e dirigir com indiferença, o que é lamentável.
Diante deste cenário preocupante, é crucial analisar como a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça tem interpretado os casos de homicídio cometidos na direção de veículo automotor. Esta análise é particularmente relevante no que diz respeito à distinção entre dolo eventual e culpa consciente - conceitos fundamentais para determinar a responsabilidade penal dos motoristas envolvidos em acidentes fatais.
No julgamento do REsp n. 1.327.087/DF, o Superior Tribunal de Justiça analisou a complexidade em diferenciar entre dolo eventual e culpa consciente. A dificuldade está no fato de que ambos os conceitos envolvem a previsão do resultado por parte do agente, mas a principal distinção é que, no dolo eventual, o agente aceita a possibilidade de que o evento ocorra, enquanto na culpa consciente, o agente acredita que o resultado não se concretizará:
4. Apesar de existir vários conceitos teóricos sob o tema, quando se parte para o campo prático nota-se a extrema dificuldade de distinguir quando o agente assumiu ou não o risco de produzir determinado resultado lesivo, ainda mais quando se tratar de crimes de trânsito, para os quais há legislação própria, inclusive com tipos penais específicos.
5. Nesse contexto, diante da tênue diferença entre dolo eventual e culpa consciente - visto que em ambos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade de o evento acontecer -, cumpre ao Juiz togado verificar se há elementos de convicção suficientes para confirmar a competência do Tribunal do Júri.
Recentemente, o STJ analisou um caso que pode ser considerado emblemático e paradigmático nesta questão. Por maioria de votos, a Corte decidiu que, quando a acusação não consegue comprovar circunstâncias concretas além da suposta embriaguez e da velocidade acima da permitida, é inviável concluir pela presença do dolo eventual em crimes de trânsito. Esta decisão implica que, em tais circunstâncias, o infrator responderá por homicídio culposo na direção de veículo automotor, onde as penas são significativamente inferiores às do crime de homicídio doloso.
Confira trechos do voto proferido pelo eminente Ministro Sebastião Reis Júnior no julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 891.584/MA, sob a relatoria do Ministro Antonio Saldanha Palheiro, com relator para o acórdão o próprio Ministro Sebastião Reis Júnior, realizado pela Sexta Turma em 5 de novembro de 2024:
Do atenta exame dos trechos transcritos, em conjunto com a análise dos autos, observo que a conclusão a respeito do dolo eventual ocorreu por presunção, sem a indicação de elementos incontestes que demonstrassem o consentimento do acusado com o resultado lesivo.
Ao contrário do que afirma o Magistrado singular, a pronúncia é sim o momento em que, após devida instrução probatória, o Juízo tenha condições mínimas de averiguar se se trata de homicídio com intenção de matar, tanto que é possível nesta fase decisões como impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Não se trata de uma decisão que avalia a plausibilidade jurídica das acusações e recebe a inicial acusatória, mas de um juízo de admissibilidade realizado após produção probatória, razão pela qual não se admite que o acusado seja submetido a julgamento por juízes leigos, apenas por mera presunção, o dolo deve estar inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.
Em face do exposto, peço venia ao eminente relator para divergir e voto no sentido de dar provimento ao agravo regimental para desclassificar a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro), afastando, por consequência, a competência do Tribunal do Júri.
Em outro julgamento realizado em 18 de abril de 2023, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 2.207.133/RS, sob a relatoria do Ministro Jesuíno Rissato, adotou uma posição divergente da decisão anteriormente discutida. A Turma entendeu que cabe ao Tribunal do Júri, na qualidade de juiz natural da causa, a responsabilidade de decidir sobre a controvérsia acerca de se o réu agiu com culpa consciente ou dolo eventual:
1. O acórdão concluiu que o réu estava sob efeito de álcool, conduzindo o veículo em alta velocidade, além de ter invadido a pista contrária, tem-se, daí, a presença de indícios de dolo eventual do homicídio, com a demonstração de justa causa para a pronúncia.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está sedimentada no sentido de que compete ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, solucionar a controvérsia se o réu atuou com culpa consciente ou dolo eventual, fazendo incidir a Súmula n. 83/STJ.
Independentemente das circunstâncias ou da consciência do infrator sobre as consequências de seus atos, uma realidade é incontestável: em casos de homicídio, seja doloso ou culposo, o responsável enfrentará não apenas sanções penais, mas também severas repercussões financeiras.
Uma das principais consequências é o pagamento de uma substancial indenização aos familiares da vítima. Um caso emblemático que ilustra bem esta situação é o julgamento do REsp n. 686.486/RJ, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14 de abril de 2009. Neste processo, o STJ estabeleceu importantes parâmetros para a fixação de indenizações em casos de morte, definindo um valor correspondente a 500 salários mínimos. Esta decisão não apenas fixou um montante significativo, mas também serviu como referência para casos futuros
11. Considerando-se as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta Corte na fixação do valor indenizatório a título de danos morais por morte, reduzo a indenização arbitrada pelo Tribunal de origem para o valor de R$ 232.500,00 (duzentos e trinta e dois mil e quinhentos reais), correspondente à 500 salários mínimos atuais. Correção monetária a partir da presente data e juros moratórios a partir do evento danoso.
Beber e dirigir é, indiscutivelmente, uma escolha extremamente perigosa e irresponsável, com consequências potencialmente devastadoras para todos os envolvidos. Quem opta por desafiar a lei e colocar vidas em risco ao dirigir sob efeito de álcool enfrenta sérias repercussões legais e pessoais. O infrator pode ser processado e, eventualmente, condenado por homicídio culposo, ou seja, sem a intenção de matar. No entanto, mesmo sendo culposo, o crime ainda é classificado como homicídio, manchando permanentemente o histórico do infrator.
Ele será rotulado como "homicida", o que afetará sua reputação e relações pessoais. Além disso, enfrentará sérias consequências financeiras, sendo obrigado a pagar uma alta indenização aos familiares das vítimas e correndo o risco de perder bens, incluindo potencialmente o bem de família. Não se pode ignorar também o impacto psicológico de carregar o peso de ter tirado uma vida, mesmo que sem intenção. Portanto, beber e dirigir é, indubitavelmente, um "péssimo negócio". As consequências vão muito além de multas ou suspensão da carteira de motorista, podendo resultar em tragédias irreversíveis e mudanças drásticas na vida de todos os envolvidos.
Se este conteúdo despertou seu interesse e você deseja discutir mais profundamente, sinta-se à vontade para me contatar através do email: [email protected]. Estou ansioso para ouvir sua opinião!
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .