A manipulação de resultados no futebol
Proporcionalidade nas Investigações: O Caso do Jogador Acusado de Manipular Resultados no Futebol.
Gostaria de abordar o princípio da proporcionalidade nas investigações criminais, especialmente em casos de crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa. Recentemente, tivemos um caso bastante lamentável envolvendo suposta manipulação de resultados esportivos, que, se comprovado, demonstra o lado mais sombrio de nosso esporte.
Falo aqui sobre a manipulação dolosa de resultados por jogadores que, de forma inescrupulosa, atentam contra a integridade esportiva, criam situações ideologicamente falsas e ferem diretamente princípios fundamentais como a confiança e o respeito mútuo – valores que regem o espírito esportivo e inspiram torcedores, atletas e todos que acompanham o esporte.
Sem mencionar nomes, cito como exemplo um caso ocorrido em 2023 envolvendo um jogador de futebol que, supostamente, teria manipulado determinadas situações durante a partida — como a execução proposital de faltas para receber cartões amarelos — com o objetivo de beneficiar a si mesmo e a terceiros em apostas esportivas.
É importante ressaltar que o artigo 9º, inciso IV, da Lei nº 9.613/1998 impõe às empresas que exploram loterias — incluindo aquelas que oferecem apostas de quota fixa, como as apostas esportivas realizadas por meio de bolsas e casas de apostas online ("bets") — a obrigação de manter sistemas de controle e monitoramento rigorosos. Essas empresas devem comunicar ao COAF quaisquer movimentações atípicas que possam indicar tentativas de manipulação de resultados.
Ademais, a Portaria SPA/MF nº 1.143, de 11 de julho de 2024, que trata dos procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, estabelece que os operadores de apostas de quota fixa são obrigados a adotar mecanismos eficazes de investigação interna de compliance. Após a elaboração de relatório sobre eventuais irregularidades detectadas, tais operadores devem realizar as comunicações oficiais acerca de suas conclusões aos órgãos competentes.
O jogador que fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que seja fraudado, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado poderá responder pelo crime previsto no artigo 200 da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 — a chamada Lei Geral do Esporte.
Importante destacar que, caso a fraude tenha sido praticada até o dia 29 de julho de 2023, o infrator responderá pelo crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal), já que o artigo 200 da Lei Geral do Esporte, mais rigoroso que o artigo 171, só entrou em vigor em 30 de julho de 2023 e não pode retroagir para prejudicar o réu, conforme determina nosso ordenamento jurídico. Ressalta-se que, enquanto a pena mínima prevista na Lei nº 14.597/2023 é de dois anos, no artigo 171 do Código Penal a pena mínima é de um ano.
Veja o teor do artigo 200 da Lei nº 14.597/2023:
Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial, tornou-se possível mapear com precisão o comportamento dos atletas, identificando desde padrões de faltas até resultados atípicos em partidas. Essa análise também se aplica aos padrões das apostas, especialmente em situações incomuns — como, por exemplo, quando várias pessoas de uma mesma família ou próximas a determinado jogador apostam valores expressivos prevendo que esse atleta irá provocar uma situação artificial, como cometer uma falta destinada a gerar um pênalti, cartão amarelo ou vermelho.
Tudo indica que, nesse episódio ocorrido em 2023, o próprio setor de compliance da casa de apostas elaborou um relatório de inteligência e comunicou os fatos ao COAF. O COAF, por sua vez, produziu um Relatório de Inteligência Financeira e encaminhou, por meio do chamado envio espontâneo de informações financeiras, esse relatório à Polícia Federal. Com base nessas informações, a Polícia obteve dados preliminares que serviram de base para o início do processo de investigação criminal.
É fundamental destacar o cuidado demonstrado pela investigação conduzida pela Polícia Federal. Embora o fato tenha ocorrido em 2023, salvo melhor juízo — ressalvando que minhas opiniões se baseiam exclusivamente em informações divulgadas pela imprensa, uma vez que não conheço a investigação nem tive acesso aos autos —, a quebra de sigilo telemático (como acesso a mensagens, nuvem e aparelhos celulares), bem como a busca e apreensão de celulares, só foram determinadas aproximadamente um ano depois, quando todas as diligências preliminares já haviam sido exauridas. Trata-se de um exemplo positivo de proporcionalidade e respeito ao devido processo legal.
Considerando que se trata de uma investigação referente a supostos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa e que o fato gerador das supostas infrações criminais se baseou, inicialmente, em provas unilaterais produzidas por uma casa de apostas, seria desproporcional — e até mesmo poderia resultar na nulidade do procedimento de produção probatória — se a autoridade policial, de imediato, optasse por medidas invasivas, como busca e apreensão ou quebra de sigilo telemático, sem antes realizar investigações básicas.
A correta sequência de atos investigativos – iniciando por medidas menos restritivas à intimidade e, diante de elementos concretos, avançando para ações mais invasivas – é essencial para garantir não só a legalidade, mas a validade das provas e, principalmente, a proteção dos direitos fundamentais dos investigados. Medidas invasivas de investigação somente devem ser usadas quando indispensáveis, após esgotadas alternativas menos gravosas.
O cenário recente envolvendo a manipulação de resultados no futebol demonstra que a criminalidade evolui e se adapta aos novos contextos sociais e tecnológicos, incluindo agora o universo esportivo, impulsionado pela regulamentação das apostas. Tal conduta exige uma resposta institucional rigorosa, capaz de proteger não apenas o regular andamento das competições, mas também o interesse coletivo e a integridade do esporte.
Apesar da resposta penal prevista na Lei nº 14.597/2023, com pena mínima relativamente baixa, a responsabilização do agente vai além da esfera criminal, alcançando o âmbito cível, por meio da condenação ao pagamento de dano moral coletivo, e até mesmo a sanção esportiva, como o banimento do esporte.
Fundamental, contudo, é que o processo investigativo observe de forma estrita o princípio da proporcionalidade. Especialmente em casos de crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, nos quais a investigação inicial se baseia em provas unilaterais produzidas por instituições privadas, medidas invasivas só devem ser adotadas após o esgotamento de diligências preliminares menos gravosas. A produção de provas de forma arbitrária na fase investigativa não apenas fere direitos fundamentais, mas também compromete a validade do processo, já que tais provas poderão ser contestadas posteriormente, durante o exercício do contraditório e da ampla defesa na esfera judicial.
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