Um país inteiro que não cabe em um boné
Brasil dos impostos excessivos, da desigualdade e do custo de vida sufocante não cabe em um boné.
Em meio a uma crise econômica persistente e sucessivos desgastes de comunicação e popularidade, o presidente Lula parece ter encontrado uma nova pauta para desviar o foco: uma polarização “tupiniquim” com Donald Trump. Do boné-resposta, como definiu parte da mídia nacional, às ironias sobre Groenlândia, Golfo do México, Panamá e, mais recentemente, a possível retomada da Faixa de Gaza pelos EUA, a comunicação do governo brasileiro parece mais preocupada com a geopolítica americana do que com as necessidades urgentes da sua própria população.
Um país inteiro que não cabe em um boné - Arte: Lupa1
A verdade é que o Governo Federal deveria estar polarizando com o trabalhador — aquele mesmo que deu nome, base e sustento ideológico ao partido do presidente. Mas, hoje, esse trabalhador se vê dividido entre a idolatria lulista e a realidade do preço do café. É ali, no cidadão comum, que reside a verdadeira crise de popularidade do governo. Polarizar com os Estados Unidos é fácil: rende manchetes, viraliza nas redes, mobiliza militâncias. Difícil mesmo é reconhecer que o governo precisa de novas ideias para melhorar a vida dos seus.
Muito mais do que uma resposta ao governo americano, o boné promocional "O Brasil é dos Brasileiros", usado pelo presidente e seus aliados, foi na verdade uma ação de comunicação — e de endomarketing — mal planejada.
O problema? Falta de identificação.
Quando bem estruturado, o endomarketing serve para atrair, reter, integrar e engajar pessoas em torno de um propósito comum. Em governos, territórios ou organizações, ele deve partir de uma verdade compartilhada, de um sentimento legítimo identificado, muitas vezes, por meio de pesquisas. E é aí que mora o erro.
O brasileiro, sufocado por impostos, desigualdade social e perda de poder de compra, realmente se sente representado por esse discurso? Ele acredita que "o Brasil é dos brasileiros"? Difícil. O que ele sabe, com certeza, é que seu dinheiro compra menos a cada dia e que a fatura do supermercado e do aluguel não espera uma Copy perfeita para engajamento no X.
O Brasil de hoje é outro, presidente. A realidade exige mais do que comunicação sem estratégia. Comunicação eficaz não é sobre apontar pontos, mas sim sobre uni-los.
E é exatamente isso que o governo não tem feito.
Nos últimos meses, assistimos a uma sequência de campanhas institucionais desenhadas como se fossem a “bala de prata” para resolver a queda de popularidade do presidente, apontada nas mais recentes pesquisas nacionais de opinião. Cada ação parece surgir como uma resposta apressada ao termômetro das redes sociais, mas sem qualquer conexão real com a vida cotidiana dos brasileiros. Não há continuidade, coerência ou sensibilidade na construção da narrativa governamental. A cada tropeço, uma nova tentativa de recuperar o apoio popular surge — sem tempo para maturação, sem testar se o público realmente entende ou adere à mensagem.
Se ontem era o combate à fome, hoje é um boné. Amanhã, um novo bordão, uma nova peça promocional, um novo adversário conveniente. Mas, no final, o que sobra? A sensação de que o governo fala muito, mas faz pouco. Que reage, mas não antecipa. Que busca pautas internacionais para engajar, enquanto o povo brasileiro está preocupado com pautas locais: o preço do feijão, o desemprego, a segurança no bairro, a fila do hospital.
O erro central está justamente na forma como o governo enxerga a comunicação. O Planalto ainda trata sua mensagem de forma global, ampla e abstrata, quando deveria voltar seu olhar para o que realmente pode atrair a atenção positiva dos brasileiros: as questões locais, os problemas concretos e a conexão direta com a população. Não se governa apenas com discursos, slogans e peças de marketing — governa-se com impacto real na vida das pessoas.
O presidente precisa deixar Trump governar a América e começar, de fato, a governar — e a falar — para o real Brasil dos brasileiros.
Porque o Brasil, este sim, não cabe em um boné.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .