Piauí em números

Trabalho Escravo: quase 21% dos resgatados no país são piauienses

Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego.

29 de setembro de 2023 às 19:22
6 min de leitura

O número é assustador. A cada cinco trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão no país, um é natural do Piauí. O dado é do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que calculou, até o primeiro semestre deste ano, um total de 1443 resgates, em quase todos os estados da federação, e 301 deles eram piauienses. Isso representa 20,9% do total, colocando o Estado como um dos líderes em fornecimento de mão-de-obra escrava.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)


Todos esses piauienses deixaram sua cidade Natal em busca de melhores oportunidades de trabalho em outro estado, ou até mesmo em outros municípios dentro do próprio Piauí. Porém, eles foram enganados e terminaram presos em condições subumanas. E boa parte desses trabalhadores são do município de Barras, distante 130 km de Teresina, e que ganhou a alcunha de “cidade das viúvas de marido vivo”.

“Eu não vejo meu marido já faz mais de 10 anos. Só sei mesmo que ele está vivo, porque vez por outra ainda falo com ele pelo telefone e ele ainda consegue mandar algum dinheiro”, disse Fabiana Correia, lavradora e moradora de Barras. Ela acrescentou que o marido deixou a cidade em 2011, porque recebeu uma proposta para trabalhar na produção de algodão, no Mato Grosso. “Mas, o que foi prometido pelo patrão, não foi cumprido”, desabafa.

Maria da Conceição, que também mora em Barras, está em uma situação bem pior. Ela relata que o marido foi trabalhar no Goiás, na produção de alho, mas não sabe sequer quando vai voltar a vê-lo novamente. “O dinheiro que ele recebe lá, mal dá para ele próprio se sustentar. Ele está com uma dívida impagável com o patrão. Isso, sem falar da péssima condição de trabalho”, detalhou a dona de casa.

Péssimas condições de moradia em alojamentos


Situações como essas se repetem quase que diariamente na cidade, segundo Lina Gonçalves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barras. Ela conta que o município se tornou alvo dos gatos, que são as pessoas que aliciam os trabalhadores dom falsas promessas de trabalho, nos últimos anos, em virtude da falta de oportunidades de trabalho na cidade, mesmo o município tendo pouco mais de 47 mil habitantes.

“Aqui para trabalhador rural, lavrador, as oportunidades são poucas. Então, muitos são ludibriados com boas propostas de trabalho, em outros estados, principalmente, mas que na verdade não são oferecidos direitos trabalhistas, moradias precárias e alimentação preparada de forma improvisada”, pontuou Lina, acrescentando que tem trabalhadores do município que não sabe se está vivo ou não. “Tem deles que nunca mais deram notícia de vida”, finalizou.

Péssimas condições de moradia e alimentação


Essas situações só vem para corroborar com a pesquisa do MTE, que o Piauí é um dos estados que mais fornece mão-de-obra escrava. Os números nos resgatados mostram isso. Só esse ano, foram 301 piauienses resgatados em todo o país, um número 36,8% maior que o registrado em todo o ano de 2022, quando 220 trabalhadores nascidos no Estado foram resgatados pelos fiscais e auditores do trabalho.


“Com certeza é um dos maiores do país”, falou Guilherme Campos, auditor fiscal do MTE, comentando que a revogação da Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT) possibilitou a contratação dos empregados de forma direta, sem que os órgão de fiscalização fossem obrigatoriamente comunicados. “O empregador quando ia fazer esse deslocamento, de um estado para o outro, tinha que retirar esse documento. Mas, em uma reforma trabalhista recente, isso foi revogado”, pontuou.

O auditor está falando da Instrução Normativa que estabelecia a obrigatoriedade da CDTT, mas que foi revogada pela outra instrução normativa MTP número 2, de 8 de novembro de 2021, e que teve efeito um mês depois. “Não vou dizer que essa revogação facilitou, mas, com certeza tirou mais um bloqueio, porque nele constava tudo, como valor do salário, onde iria trabalhar, onde iriam ficar, tudo detalhado. A fiscalização era mais direta”, acrescentou.

De acordo, ainda com os dados o MTE, de 2002 até agora, um total de 3.017 piauienses, nascidos mesmo no Estado, foram resgatados em situação análoga à escravidão. O levantamento ainda traçou o perfil dessas pessoas. A maioria é homem, com idade entre 30 e 39 anos, estavam atuando nos estados do Nordeste, se declararam pretos ou pardos.

Inspeção do Trabalho identifica 43 trabalhadores em condições análogas à de escravo - Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego


A última operação, ocorreu em agosto. Ela foi denominada de Resgate III e retirou 532 trabalhadores de condições de trabalho escravo contemporâneo. Ao todo, mais de 70 equipes de fiscalização participaram de 222 inspeções em 22 estados e no Distrito Federal. Foi a maior ação conjunta de combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas no Brasil. No Piauí, um total de 42 trabalhadores foram resgatados, alguns comendo tamanduá.

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