Postos dominados, lucro blindado: o submundo silencioso dos combustíveis no Piauí
Crime organizado lucra mais com combustíveis que com cocaína, e o Piauí segue calado diante de um império que só troca de donos, não de lógica.
A segunda camada do silêncio
Na primeira reportagem sobre o tema aqui nesta coluna, mostramos como a venda sucessiva de postos de combustíveis no Piauí vinha sendo tratada com uma normalidade desconcertante.
Donos tradicionais sumiram do mapa. Novos empresários surgiram do nada. Ninguém quer falar, ninguém quer saber. Agora, com o estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o jogo está escancarado: o setor de combustíveis movimenta mais dinheiro para o crime organizado do que o tráfico de cocaína.
Segundo o levantamento, combustíveis, bebidas, cigarros e ouro geram R$ 146,7 bilhões por ano para o crime. É quase o dobro do que movimenta o tráfico de drogas. Não é mais uma suspeita é um modelo de negócios. E o Piauí, mesmo longe dos holofotes, já vive esse enredo.
25 postos no Piauí já estão no radar da PF e do Ministério da Justiça
A força do silêncio no setor de combustíveis do Piauí começa a ruir diante de um novo foco de investigação nacional. Pelo menos 25 postos de gasolina no estado já estão no radar do Núcleo de Combate ao Crime Organizado, do Ministério da Justiça, conforme informações levantadas pelo próprio setor.
Em fevereiro de 2025, o ministro Ricardo Lewandowski expressou publicamente preocupação com a infiltração do crime organizado no mercado de combustíveis e anunciou que solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar a atuação criminosa no setor.
Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça. Postos de combustíveis no Piauí entrou no radar de investigações.
O mapeamento inicial que inclui 941 endereços em todo o Brasil levou em conta investigações de lavagem de dinheiro, sócios com antecedentes criminais, conexões com roubo de cargas, uso de laranjas e envolvimento em operações policiais anteriores.
No Piauí, embora o número absoluto pareça pequeno, o impacto é proporcionalmente expressivo. Diante do tamanho do mercado local, os números são apenas um pequeno reflexo, onde os mesmos grupos seguem operando sem grandes rupturas, apenas trocando os nomes na fachada.
Quando o posto vira cofre
Esqueça o posto apenas como ponto de venda. Hoje, ele é uma engrenagem de lavagem de dinheiro, controle territorial e manipulação de mercado. Muda-se o nome, troca-se o gerente, pinta-se a fachada. Mas quem manda mesmo, continua mandando de longe, sem CPF exposto.
Em Teresina e em cidades do interior, o padrão se repete: postos trocando de mãos como fichas de cassino, sem que nenhuma instituição pública questione a origem dos investimentos ou os motivos por trás dessas movimentações frenéticas.
Piauí: terreno fértil, fiscalização nula
Com uma estrutura fiscalizadora frágil, o Piauí virou campo aberto para essas operações. Distribuidoras com capital misterioso, empresários que não aparecem publicamente e redes de postos que crescem sem qualquer cobertura da imprensa local tudo isso é sintoma de um sistema que já se instalou.
E por que ninguém fala? Porque é mais fácil viver do lado de fora da cerca do que cutucar o cofre blindado. Quem tenta questionar é ignorado, desacreditado ou silenciado.
Sem cheiro, sem sangue, com CNPJ
A diferença entre esse esquema e o tráfico é brutal. Enquanto o tráfico enfrenta confronto, polícia e manchetes, o setor de combustíveis opera com notas fiscais, licitações e contratos. Tudo limpinho no papel. Mas a origem do capital, o objetivo do controle e a cadeia de comando seguem no submundo.
No Brasil, o estudo mostra que o maior faturamento do crime está nos “negócios legais” operados ilegalmente. Celulares e golpes virtuais vêm em primeiro lugar (R$ 186,1 bi/ano), e combustíveis logo atrás (R$ 146,7 bi). Cocaína? Só R$ 15,3 bilhões menos de 5% do total.
O Ponto de Ruptura
A presença do crime organizado no setor de combustíveis do Piauí já não é teoria. É prática. E como todo esquema de poder, o maior trunfo está em não parecer perigoso.
O posto da esquina continua iluminado, o frentista continua sorrindo e o preço da gasolina continua subindo.
Só não sabemos para onde vai o dinheiro.
Não é o tráfico que mais financia o crime no Brasil. É o posto. É o boteco. É a distribuidora com nome limpo e conta turva.
E o Piauí, mais uma vez, escolhe não ver.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .