Coluna Ponto de Ruptura

Thiago Trindade

Do café ao travesseiro: como a Selic de 15% pesa na rotina do piauiense

O Brasil é vice-líder em juros reais. No Piauí, crédito some, consumo trava e a conta sobra para quem já vive no limite.

19 de junho de 2025 às 08:53
6 min de leitura

O Banco Central decidiu: a taxa Selic agora é de 15% ao ano. É o maior patamar em quase duas décadas. A justificativa? Combater a inflação. O resultado? O de sempre.

Corta-se o acesso ao crédito, esfria-se a economia, e quem paga o pato é o povo e especialmente o piauiense, que não tem margem para erro quando o boleto vence.

Dívidas cheias e bolsos vazios. A realidade do brasileiro bate na porta e o piauiense já conhece bem ela.

Enquanto Brasília opera com números e gráficos, o reflexo dessa canetada é sentido na ponta.

Financiamento de carro? Travado. Casa própria? Adiada. Cartão de crédito? Virou armadilha mortal. E o pequeno empresário? Recalculando rota.

País de terceiro. Mas com medalha de prata nada agradável

O Brasil agora ostenta a medalha de prata no ranking global de juros reais. Só perde para a Turquia. Mas, diferente dos turcos, que têm um PIB pujante e uma guerra cambial particular, o Brasil parece estar em paz com a desigualdade. E o Banco Central, soberano e técnico, parece confortável em deixar a corda arrebentar sempre do lado mais fraco.

Você não vê a Selic quando acorda. Mas ela está lá, na xícara de café, no preço da feira, no ônibus apertado, no carnê que venceu ontem e no medo de usar o cartão de crédito. Juros altos não são só coisa de economista — são o peso extra que o povo sente todo santo dia.

A rotina do piauiense

6h da manhã – O café já começou mais caro

O preço do pó de café subiu. E a culpa não é só da safra ou do supermercado: os juros altos encarecem o financiamento do produtor, que repassa isso pro atacado. Daí chega em você. O mesmo vale pro pão, pro leite e até pro gás de cozinha.

7h – Vai pro trabalho? Passagem também sentiu

Empresas de transporte também vivem de crédito. Quando o custo do financiamento sobe, elas repassam pro preço final. Resultado? Passagem mais cara e quando tem (se você vive em uma cidade que oferece transporte gratuito saiba que de alguma forma você está pagando por isso, e caro). E quando não, o piauiense vai de coletivo lotado e tarifa que não cabe no bolso.

12h – No almoço, menos mistura no prato

O feijão, o arroz, a carne… tudo subiu. A inflação oficial pode estar “sob controle”, mas o carrinho do supermercado já sentiu. E com a Selic a 15%, o governo corta gastos, o crédito murcha e o consumo desacelera. Isso impacta do mercadinho da esquina até o produtor do interior.

15h – No comércio, vendedor parado

O cliente entra, pergunta o preço, vê a parcela e sai. Com juros nas alturas, comprar parcelado virou pesadelo. O crediário morreu. E o comerciante, que depende do giro, está com o estoque parado. E isso também significa: menos contratação.

18h – Vai passar o cartão? Cuidado com a cilada

O rotativo do cartão de crédito está batendo em mais de 450% ao ano. Se você atrasar uma fatura, já era. E com a Selic nesse patamar, os bancos não pensam duas vezes em aumentar os juros — e cortar o limite de quem atrasa.

21h – Pensou em financiar a casa ou o carro? Esquece (por enquanto)

Aquela simulação de financiamento que você fez? Já subiu. Um imóvel de R$ 200 mil, que teria prestação de R$ 1.200, agora pode passar de R$ 1.500. No carro, o impacto é igual. E no fim das contas, o sonho é adiado — ou cancelado.

Resumo? A Selic não mora em Brasília. Ela dorme na nossa casa.

Quando o Banco Central sobe os juros, ele mexe direto na vida de quem acorda cedo, pega ônibus lotado, faz feira no fim do mês, negocia no fiado e sonha em parcelar. O Piauí não vive no Excel do Copom. Vive na luta diária.

E o comércio local?
Vai ter que se virar.

Conversando com lojistas no Centro de Teresina, o discurso é unânime: a venda parcelada minguou, o consumidor está desconfiado, e quem sobreviveu à pandemia agora lida com um novo inimigo: o juro proibitivo (ou para ser mais claro: juros extremamente altos). No interior, o cenário não é diferente. Parnaíba, Picos, Floriano: a economia do varejo sente o aperto como um prego entre os dedos.

O Ponto de Ruptura

A política de juros altos se tornou uma muleta ideológica de um país que prefere castigar o consumo a enfrentar suas ineficiências estruturais. E é justamente nas regiões mais pobres, como o Piauí que hoje pilota o posto de estado mais desigual do país, que esse castigo se transforma em crise, e grande.

Quem defende a Selic a 15% se escora em tabelas. Quem sofre com ela olha a feira e vê o carrinho voltar mais vazio.

Enquanto isso, a dívida que cresce não é só a do povo, é a dívida de um Estado que até tenta crescer, mas tem um país cambaleante que fecha os olhos para sua própria desigualdade. E somos nós piauienses que estamos de passageiros com “cadeira na frente”, desse caminhão sem freio.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

Siga nas redes sociais

Veja também

Dê sua opinião

Tv Lupa 1

Veja todas