Coluna Ponto de Ruptura

Thiago Trindade

Com histórico polêmico, AEGEA assume saneamento em todo o Piauí em 30 dias

Concessão da empresa nas 224 cidades transforma o Piauí no único estado 100% entregue à empresa; cobrança e qualidade já geram críticas

23 de maio de 2025 às 03:17
10 min de leitura

Faltam exatos 30 dias para que a Agespisa entregue oficialmente à Aegea Saneamento as operações de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Piauí. Mas o que já chegou a muitas casas foi a revolta.

Contagem regressiva: FIM DA AGESPISA.

Um vídeo publicado pela TV Lupa 1 mostra cenas chocantes da cidade de São João do Piauí: da torneira, sai uma água espessa, escura, com aparência de lama de esgoto.

A imagem em São João do Piauí, já diz tudo.

Moradores relatam que esse tipo de "água" tem sido frequente e, mesmo assim, seguem pagando por um serviço que não chega com qualidade mínima. A cena escancarou uma realidade invisível até então para muitos: há regiões no Piauí onde abrir a torneira é um ato de risco.

O link deste video está no fim da matéria mas antes você precisa entender como chegamos a este ponto e o que nos aguarda para o futuro.

Fim da linha

Enquanto a população convive com esse colapso, a Agespisa começou a avisar nos últimos dias aos funcionários terceirizados e aos que não aderiram ao Plano de Desligamento Voluntário (PDV) o desligamento de todos da empresa. O aviso enviado pela própria empresa estipula o fim do contrato para 25 de junho, data em que a AEGEA assume oficialmente o controle. Assim foi trecho da mensagem enviada:

Conforme o artigo 487 da CLT, informamos que o seu aviso prévio de desligamento terá início em XX/05/2025 e término em 25/06/2025.

Banho de lama

O vídeo do “banho de lama” viralizou porque machuca na pele, no bolso e na consciência de um estado que há décadas mendiga por dignidade básica. A Agespisa se despede como o retrato do fracasso estatal na prestação de um serviço essencial.

E que fique claro: não por negligência total da atual presidência, que herdou uma bomba e tentou conter a implosão com algum grau de competência técnica.

Detalhes do leilão da Agespisa no Piauí

A Agespisa (Águas e Esgotos do Piauí S.A.), é uma sociedade de economia mista vinculada ao Governo do Estado do Piauí, que opera os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário na maioria dos municípios piauienses antes da concessão à AEGEA.

Foi concedida à iniciativa privada em leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo em outubro de 2024. A AEGEA, única participante, venceu ao oferecer R$ 1 bilhão de outorga — valor que será dividido entre o governo do estado e os municípios, sendo R$ 500 milhões para cada parte.


Vender a AGESPISA é uma grande conquista, a empresa é uma máquina de problemas. Mas será que nos livramos de fato entregando a AEGEA?

Apesar do investimento previsto de R$ 8,6 bilhões nos primeiros dez anos, o valor de venda gerou críticas. Estimativas indicam que o patrimônio da Agespisa ultrapassa R$ 4 bilhões, o que levantou questionamentos sobre possível subvalorização. O pagamento da outorga foi feito em parte à vista e o restante em parcelas anuais de R$ 25 milhões por 20 anos.

A concessão inclui 224 municípios piauienses — todos, exceto Teresina, que já possui uma subconcessão com a própria AEGEA desde 2017.

Falta água, falta gestão

Segundo relatos recebidos pelo Lupa 1, diversas cidades estão à deriva. Não há assistência técnica da Agespisa, nem ainda o suporte efetivo da AEGEA — criando um limbo que penaliza diretamente a população.

Velha conhecida de Teresina e Timon, AEGEA deixa rastros por onde passa.

A PPP firmada pelo governo estadual com a AEGEA prevê R$ 8,6 bilhões em investimentos nos primeiros 10 anos e metas ousadas: 99% da população com água tratada até 2033 e 90% de cobertura de esgoto até 2040 — incluindo áreas rurais. Mas até lá, o que chega nas torneiras continua a envergonhar o Estado. E isso é só o começo.

Piauí será o primeiro estado 100% sob controle da AEGEA

Diferente de outros estados onde a AEGEA opera de forma parcial ou em consórcios, o Piauí será o primeiro a entregar praticamente toda a sua operação de saneamento à empresa. Ao todo, são 224 municípios sob concessão direta — o que inclui zonas urbanas, rurais e áreas historicamente negligenciadas.

Nem mesmo estados como Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul ou Pará entregaram tanto. Em todos os outros casos, há limites, partilhas ou modelos híbridos. No Piauí, a AEGEA terá o sistema todo em mãos.

Trata-se de um controle sem precedentes e também de uma vulnerabilidade inédita.

Caso haja falhas sistêmicas, reajustes abusivos ou descumprimento de metas, não haverá plano B. Um estado inteiro estará nas mãos de uma única empresa. A pergunta que fica: quem fiscaliza o fiscalizador?

Cobrança de esgoto levanta alerta no interior do estado

Em Teresina, a AEGEA cobrava 100% do valor da conta de água como tarifa de esgoto. Após pressão popular e acordo com a prefeitura, esse percentual foi reduzido para 80% — mesmo em bairros onde o serviço ainda não cobre todas as residências. Em Timon no Maranhão, cidade vizinha e conurbada a Teresina, a prática é semelhante: a cobrança é desproporcional, mesmo com cobertura limitada.

Com a expansão da AEGEA para o interior do Piauí, surge uma preocupação legítima: será que também vão cobrar antes de entregar? Se nas periferias da capital já há reclamações sobre cobrança sem serviço pleno, o risco de injustiça tarifária nos pequenos municípios é ainda maior.

Antes da entrega: o risco da expansão da AEGEA

A chegada da AEGEA ao interior do Piauí levanta um alerta urgente e já deixo aqui avisado: será que a conta vai chegar antes da água? Em Teresina e Timon, a empresa já pratica a cobrança de taxas por religação e instalação, mesmo em bairros com cobertura parcial ou serviço irregular.

Em Timon, uma tentativa da Câmara de proibir a taxa de religação foi derrubada pela Justiça, que garantiu à concessionária o direito de continuar cobrando. Desde então, moradores continuam pagando por reconexão, mesmo quando o corte ocorre por atraso de poucos dias.

Agora, com 224 municípios piauienses prestes a entrarem no sistema da AEGEA, o temor é de que esse modelo seja replicado em cidades onde o básico sequer foi entregue. Cobrança antecipada por esgoto sem rede, religação em locais onde a água mal chega — esse é o cenário que já se desenha.

Se não houver regulação firme e pressão social, o interior do Piauí pode ser surpreendido não com progresso, mas com boletos.

O ponto de ruptura

Agora, a AEGEA assume. E o que deveria ser uma transição planejada se tornou um vácuo institucional. O que chega às casas não é progresso — é esgoto em estado líquido. A empresa, já conhecida pelas queixas acumuladas em Teresina e Timon, já começa mal sua jornada no interior do Piauí: sem estrutura, sem resposta e sem qualquer sinal de compromisso com a urgência real das cidades.

De Teresina para todo o Piauí: a promessa é animadora mas os resultados que temos, não.

A narrativa vendida de modernização não vai resistir a um simples teste de torneira. E o silêncio — já de praxe da empresa por onde chega — só reforça a sensação de abandono.

Enquanto os contratos correm em cartório, a lama corre pelos canos. E quem sofre, como sempre, é o povo.

Seguiremos acompanhando a transição e todos os próximos capítulos.

E como prometido segue o link do vídeo:


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