Culpar mercado pela disparada do dólar é acreditar que o poste urina no cachorro
Para economistas, a desvalorização do real tem mais a ver com a falta de confiança de que o governo conseguirá honrar suas dívidas.
A busca por culpados no caso do valor nominal recorde do dólar americano na série histórica levou defensores do governo a apontar diversos responsáveis – muitas vezes desafiando a lógica de princípios básicos na economia. Em linhas gerais, o mercado tende a reagir às ações do governo, avaliando se ele será capaz de honrar suas obrigações, arrecadar adequadamente e controlar seus gastos.
Situações como essas, no entanto, revelam apenas o pior lado das discussões na internet: todo mundo pensa que é especialista em todas as coisas. O papel do jornalista, nesses casos, é filtrar as opiniões daqueles que realmente entendem do assunto e traduzir de forma simples para o leitor. Após ouvir economistas, esta coluna conclui que vilanizar exclusivamente o mercado é o equivalente a acreditar que o poste urina no cachorro: uma inversão.
A fatídica cotação de R$ 6,267 teria sido causada por uma série de preocupações em relação ao cenário fiscal incerto que se desenha para o ano que vem, é o que noticia a imprensa nacional. Entre os fatores domésticos estão a indefinição do pacote de cortes de gastos do governo – cujo Congresso é consideravelmente responsável –, declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad e a ausência de perspectivas claras sobre os limites de gastos e a administração da dívida pública. Soma-se a isso o fator externo: a redução da taxa de juros pelo Banco Central norte-americano e a recente vitória de Donald Trump.
É preciso evidenciar também o contraditório. Existem economistas que avaliam a reação do mercado como sendo “excessivamente exagerada”. Segundo estes especialistas, a resposta especulativa é descompensada em relação às motivações citadas no parágrafo anterior. Porém, os mesmos estudiosos nem por um momento sugerem ser o mercado a causa do problema, como manifestaram alguns internautas por aí. Questiona-se a dose, não a vacina.
Um economista, certa vez, usou o exemplo do X (antigo Twitter) para ilustrar a lógica do mercado financeiro. Quando surgiram rumores de que a rede social poderia ser bloqueada no Brasil, usuários começaram a migrar para alternativas como o Bluesky, antecipando o possível problema. Da mesma forma, os investidores abandonam ativos de risco quando percebem que podem perder dinheiro, buscando opções mais sólidas. Nesta lógica, o Twitter perde valor e o Bluesky ganha força.
Após remontar essas definições, a coluna conclui que é preciso cobrar do governo garantias de estabilidade fiscal. É preciso parar de achar justificativas para evitar admitir que a economia vai mal. Passar a requerer que o governo comece a transmitir se vai ounão conseguir controlar seus gastos e administrar com transparência a sua arrecadação. E não menos importante, pressionar nossos congressistas para impedir que os rumos financeiros do país sejam apenas um cabo de guerra pela liberação de emendas.
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