Coluna Penal 360

Excesso acusatório: barreira a benefícios processuais antecipados

Decisão do STJ reforça acusações justas, protegendo direitos no processo.

24 de outubro de 2024 às 10:56
8 min de leitura

O julgamento do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus nº 188922 pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, realizado em 13 de agosto de 2024, trouxe à tona questões cruciais do direito penal, com um foco especial no excesso acusatório. O STJ destacou que, quando ocorre uma ampliação excessiva das capitulações jurídicas com o propósito de impedir um acordo de não persecução penal, conforme o artigo 28-A do Código de Processo Penal, é fundamental que a ação penal observe o princípio da proporcionalidade. Isso implica que a acusação deve ser conduzida de maneira justa e equilibrada, evitando excessos que possam comprometer os direitos do acusado e a integridade do processo judicial. A decisão reforça a importância de uma abordagem acusatória que respeite os limites legais e os direitos fundamentais, assegurando um julgamento justo e equitativo.

Justiça - Foto: Uogan Weaver da Unsplash

O acordo de não persecução penal, previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, foi introduzido pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime". Ele permite que, em determinadas condições, o Ministério Público proponha um acordo ao investigado, evitando a continuidade do processo penal. Em linhas gerais, as condições de procedibilidade do acordo são as seguintes: o investigado deve confessar a prática delitiva; o crime deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; a pena mínima da infração criminal deve ser inferior a quatro anos; não se realizará ANPP com criminoso contumaz ou que não tenha reparado o dano à vítima.

É importante destacar que, para que o acordo de não persecução penal (ANPP) seja exequível, a pena mínima dos crimes imputados deve totalizar menos de quatro anos. Isso significa que, se o acusado for denunciado por três infrações penais relacionadas aos mesmos fatos, a soma das penas mínimas dessas infrações deve ser inferior a quatro anos. Por exemplo, se o acusado for denunciado pelos crimes de estelionato, fraude processual e lavagem de dinheiro, ainda que os crimes tenham sido praticados sem violência ou grave ameaça, a soma das penas mínimas inviabilizaria o acordo: estelionato tem pena mínima de 1 ano; fraude processual, 3 meses; e lavagem de dinheiro, 3 anos.

Ricardo Pinheiro

De acordo com o eminente Relator do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus nº 188922, Ministro Reinaldo Soares da Fonseca, o encerramento prematuro da ação penal ou do inquérito policial é uma medida excepcional. Esse encerramento só é admitido quando fica demonstrada, de forma inequívoca e sem a necessidade de análise aprofundada do acervo probatório, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de uma causa extintiva da punibilidade.

No entanto, o Ministro destacou que, no que diz respeito ao excesso acusatório, é fundamental lembrar que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica, a qual pode ser corrigida durante a prolação da sentença, conforme o artigo 383 do Código de Processo Penal. Entretanto, quando um eventual excesso acusatório impede o acesso a benefícios processuais, é imperativo que a adequação típica seja feita antecipadamente.

Ao analisar o recurso referente à suposta infração penal contra o Sistema Financeiro Nacional, o eminente Relator concluiu que as imputações penais dos Artigos 6º e 10 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 — que abordam a indução ou manutenção em erro de sócios, investidores ou repartições públicas, além da inserção de elementos falsos ou omissão de elementos exigidos em demonstrativos contábeis — constituíam etapas para a consumação do crime final previsto no Artigo 4º, que é a gestão fraudulenta de uma instituição financeira. Com base nessa análise, aplicou o princípio da consunção para reconhecer o excesso acusatório e viabilizar a proposta de acordo de não persecução penal.

O julgamento do HC 191124 pelo Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, esclarece que o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) não impõe ao Ministério Público a obrigação de oferecê-lo, nem confere ao acusado um direito absoluto de celebrá-lo. O Ministério Público tem a discricionariedade, devidamente fundamentada, para optar entre apresentar uma denúncia ou propor o acordo, de acordo com sua estratégia de política criminal. Essa decisão reafirma a autonomia do Ministério Público na aplicação do ANPP. Assim, a efetividade da decisão do Superior Tribunal de Justiça dependerá dessa discricionariedade, já que o STJ não determinou o trancamento da ação penal, mas apenas corrigiu excessos para permitir a análise do ANPP pelo Ministério Público.

Trechos da ementa:

“2. O art. 28-A do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público "poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições".”

O julgamento do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus nº 188922 destaca-se como um marco na interpretação da razoabilidade acusatória, especialmente em situações onde há uma ampliação excessiva das capitulações jurídicas visando restringir direitos do investigado. Contudo, é crucial enfatizar que o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um ato discricionário do Ministério Público. Isso significa que cabe exclusivamente ao Ministério Público decidir, com fundamentação adequada, se irá propor o ANPP, e o Poder Judiciário não tem competência para interferir nessa decisão. Essa discricionariedade permite ao Ministério Público avaliar cada caso segundo sua estratégia de política criminal e os critérios estabelecidos pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal.

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