Lugar de Fala

WILLIAN TITO: Sente para um cafezinho sem açúcar e com afeto

Estamos em ano eleitoral. Um dos expoentes da gestão cultural piauiense dos últimos anos vai por seu nome mais uma vez à apreciação pública

03 de abril de 2024 às 00:14
22 min de leitura

Manhã de terça-feira, 27 de março, Dia Internacional do Teatro e Nacional do Circo. Diferentemente do ano anterior, um novo formato para abrir a pauta e o diálogo com os artistas do segmento. Inclua-se também a Dança. O Café Conferência, que fez parte da extensa programação do SENTHE - Semana Nacional do Teatro - trouxe o debate com mote pré-estabelecido: “As Artes Cênicas e a Economia Criativa.”

Semana nacional do Teatro-Foto: Lupa1

Antes da conferência, sucos, bolos, petiscos, café, leite, fuxicos, fofocas, tititi e muito papo sério, entre risadas. É um povo descontraído e pouco tímido. Muito dado, para ser bem cênico. Quem sobe ao palco ou vai às ruas apresentar suas habilidades, ou contar uma história tem que ter muito sangue “nos zói”, mas sem perder a ternura. Muito menos a alegria. O clima era de descontração.

O dispositivo de honra foi composto pelo secretário de Cultura, Carlos Anchieta; o representante do Escritório do MinC (Ministério da Cultura) no Piauí, Waldílio Siso; o Dr. em Dança, Roberto Freitas; Talita do Monte, representando o Circo; Lari Sales, presidente do SATED-PI; representando o CEC - Conselho Estadual de Cultura, Jone Clay Macêdo; Ingrid Pereira da Silva, Gerente da Comissão Permanente de Licitação da Secult/Piauí. O ilustre mestre-de-cerimônias convidava os destacáveis para seus lugares, João Vasconcelos, Coordenador do Centro Cultural que engloba Club dos Diários e Theatro 4 de Setembro.

Semana nacional do Teatro IIFoto: Lupa1

Cláudia Amorim nos ofertou a amostra das experiências do Grupo WC, que celebra a memória do ator Wílson Costa e também conta com Elizabeth Báttali e Jesus Viana no time. Atrizes e atores romperam a cena com muita movimentação e poucos sons. No começo, apenas sussuros. Depois, mais ruídos. Substratos de palavras. Sílabas. Uma viagem ao reino orgânico do verbo. Experimentos em dar luz pela boca, encenando um dizer. Forte. Funcionou. Em cena: Alessandro Brito, Gabriel Ferreira, Javezeubia Silveira, Jeane Ferreira, Socorro Alcântara, Vitória da Silva. Claudinha finalizou dizendo que “Teatro não é apenas ator. Teatro é coletividade”. Seja luz!

Em seguida, o NPUD - Núcleo Piauiense de Danças Urbanas, mostrou suas coreografias. Graça e força unidas pela expressão da juventude periférica que se faz representar por seus passos e suas acrobacias. Com música de Ellen Oleária, dançaram com a letra jogando na cara a realidade das favelas, dos guetos e da população segregada que tenta sobreviver nos bolsões de pobreza que circundam as metrópoles. B-boys e b-girls solaram com seus corpos o que a consciência negra evocada na música é capaz de traduzir na poesia do movimento. A performance de street dance foi desenvolvida pelo coreógrafo Martins Filho, nomeada “Pegada de Rua”, com direção de Lyvia Moura.

As lideranças falaram primeiro. Começando pelo representante do Minc, que ressaltou o papel da Cultura no desenvolvimento de uma sociedade, afirmando que “O Estado precisa dos artistas”. Siso trouxe estatísticas sobre a economia criativa brasileira. Destacando que os números do PIB da Cultura e das Indústrias Criativas supera os da indústria automobilística. Segundo o Observatório Itaú Cultural, em 2020, o setor movimentou R$ 230,14 bilhões. O que corresponde a 3,14 % do PIB. Um estudo mais antigo da Fundação Getúlio Vargas (2018) revela que de cada 1 real liberado por isenção fiscal por meio de Lei Federal, gera 1,59 real para a economia local. Uma rentabilidade exponencial que justifica a continuidade deste tipo de investimento.

O professor Roberto Freitas, que está em seu oitavo livro lançado, prepara um próximo onde aprofundou pesquisa sobre a realidade da dança no Piauí. Segundo o artista, brevemente as estatísticas estarão disponíveis a todos. O coreógrafo mencionou a ausência de representantes de outras linguagens, como as artes visuais e musical, pedindo respeito aos artistas que movimentam a economia. O mestre disse que a rede pública municipal de ensino mantém aulas regulares de dança em 31 escolas.

Freitas cobrou o Governo do Estado que, segundo ele, “...está fora da lei desde 2016”. O produtor cultural referia-se à Lei nº 13.278, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2 de maio de 2016. A lei estabeleceu prazo de 5 anos para os sistemas de ensino promoverem a formação de professores para implantar as linguagens artes visuais, teatro, dança e música no ensino infantil, fundamental e médio. O ensino infantil é obrigação do município. Os demais são do Estado. Encerrando, o professor sugeriu uma forma de cumprimentar que é objetiva e contempla a variedade de gêneros: “Bom dia a todas as pessoas!”

Talita do Monte começou chamando a atenção para a aplicação da LAB2 (Lei Aldir Blanc 2) que vai começar sem corrigir os problemas da LAB1. Discorreu sua fala em 5 pontos. Primeiro, chamou a atenção para a Cultura como garantia social fundamental. Transversalidade da Cultura foi o segundo ponto, quando acentuou a necessidade do segmento dialogar com outros setores, inclusive fora da área cultural. A Educação foi o terceiro destaque, com especial atenção à necessidade de um curso superior para as Artes Cênicas. Luta de décadas.

A atriz e circense cobrou do secretário Anchieta que provenha mais recursos à Escola Técnica de Teatro Gomes Campos. Segundo a artista, o equipamento público está sucateado. A quarta pontuação manifestou a invisibilidade dos trabalhos artísticos das mulheres em detrimento dos homens, questionando: “Quantas de nós mulheres têm alguém para cuidar de nossa casa, nossos filhos e filhas para cuidarmos de nossa arte e cultura?”. Por último, destacou a necessidade do fortalecimento das instituições, embora não citando quais são elas.

A presidente do Sindicato dos Artistas disse que há 40 anos estreou espetáculo teatral que percorreu 180 municípios piauienses. Lari afirmou que “A arte pela arte é atestado de pobreza”. Sales mostrou preocupação com a desvalorização do pagamento dos artistas, o que precariza a sobrevivência dos fazedores de arte. A atriz falou que sente falta de uma política permanente de circulação de espetáculos que realmente atraiam o público. Citou o SIEC - Sistema de Incentivo Estadual à Cultura, que deve montar trabalhos grandiosos de teatro e dança.

O conselheiro do CEC, Jone Clay, em sua mensagem, fez analogia citando que uma atuação micro restringe-se ao “eu e meu grupo”. Enquanto uma atuação macro está preocupada com a posição oficial que garanta estar em dia com a segurança jurídica. O produtor chamou a atenção para a aprovação do Marco Regulatório do SNC - Sistema Nacional de Cultura, aprovado no Senado no último dia 6 de março. Jone disse também que “É ilusão para a Cultura o Estado mínimo” e que “Se tiver o cenário preparado para acontecer, a arte a cultura vão acontecer.”

Semana nacional do Teatro IIIFoto: Lupa1

A advogada Ingrid iniciou sua fala afirmando que “Dentro da economia criativa, a sua arte, o seu produto, é o seu negócio”. Segundo ela, os fazedores de cultura têm que fundamentar uma visão empreendedora, onde devem se capacitar para cuidar profissionalmente de sua atividade. Deu a dica da plataforma Escult, que mantém cursos regulares de formação técnica e também de pós-graduação.

O secretário de Cultura fez uso da palavra, fechando os que compuseram o destaque protocolar. O gestor chamou a atenção para a dificuldade dos artistas dizerem o seu valor para ter formalizado quanto custa o seu produto, a sua obra. Citou exemplos de ações em exercício de grupos e pessoas por todo o estado. Entre elas, as Paixões de Cristo de norte a sul do Piauí. Segundo o ator, a Secult mantém 15 festivais diferentes pelo Estado. Alguém da plateia (que não deu para localizar) disse que a maioria é de teatro. O comandante da pasta cultural garantiu que todos estão com os seus pagamentos em dia.

Ao anunciar a parte das falas da plateia e a sistemática de inscrição, o cerimonial mostrou preocupação com a acessibilidade, perguntando se havia não-ouvintes. A atriz Tércia, que estava à minha frente, lembrou que a indagação deveria ser feita no início do evento porque é lei. A Lei é a Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que assegura à pessoa com deficiência auditiva o direito a atendimento por intérprete ou pessoa capacitada em Língua Brasileira de Sinais – Libras, e às pessoas surdocegas o atendimento por guia-intérprete.

A primeira a falar foi a coreógrafa Luzia Amélia. Segundo a primeira piauiense preta doutora em Dança (UFBA/2023), a cultura em nível municipal está sucateada e que “Teresina destruiu a dança”. A artista levantou a questão para as limitações de pessoas como a formação dela para o que desenvolver pelo Estado. Segundo ela, a falta de perspectiva praticamente obriga o fazedor de cultura a abandonar o Piauí. Amélia encerrou dizendo “Eu sou uma máquina de fazer Cultura. Eu posso fazer muito mais.”

O professor Augusto Neto, ex-diretor da Gomes Campos, acentuou a ausência do curso superior na modalidade. No que foi acompanhado pela participante Gabriela, que faz Artes Visuais na UFPI, que reclamou da pouca representatividade das Artes Cênicas na instituição de ensino superior. Onde são encontradas apenas disciplinas optativas. A acadêmica queixou-se da falta de incentivo de artes na rede pública de ensino, denunciando que professores de história estão dando aula de artes, testemunhado por ela quando era professora via PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica.

A dançarina Artenildes Silva afirmou que “Quem decide as coisas é o colonizador”. O multiartista Baibai traçou analogia com a Capoeira, reforçando a necessidade de pisar no solo sagrado da Cultura com respeito. Mencionou o conceito Sankofa, de origem etimológica ganesa, que recorda os erros do passado para que não sejam cometidos no futuro. Citou ainda a filosofia Ubuntu, que afirma a valorização da coletividade sustentada em sua premissa: “Eu sou porque nós somos.”

O dramaturgo Aci Campelo lembrou que as coisas mudaram muito. Conforme afirmou, a data era celebrada pelos artistas com protestos e que as autoridades temiam as cobranças e reivindicações da classe. Referindo-se aos longevos do teatro, manifestou a inquietação do que fazer com os artistas mais velhos. Campelo denunciou que a escola de teatro proíbe que os grupos ensaiem no local. Que muitos artistas têm medo dos editais. Sobre a FCMC - Fundação Cultural Monsenhor Chaves, o artista disse que tornou-se um feudo, citando a ocupação de cargos políticos por pessoas não ligadas à cultura e a prática do nepotismo. Concluiu dizendo que “Só festa não adianta. É preciso sustentabilidade, produção.”

Hidelgarda Sampaio, Coordenadora Regional de Cultura do SESC, reforçou a dificuldade do artista de participar de editais. Disse ainda que há uma destruição entre o valor do projeto e o valor do trabalho do artista. Questionou: “Quantas pessoas já impactamos com a nossa produção cultural?”. Hildo Acioly, o palhaço Cascatinha, apenas agradeceu pelo circo ter sido convidado a participar da roda de diálogo. O coreógrafo Samuel Alvis assegurou que a FCMC “Não tem interesse em transformar-se em secretaria” e que “A maioria dos festivais é de teatro.”

Lyvia Moura declarou que há necessidade de investir em empreendedorismo cultural periférico. E ressaltou a problemática das mães artistas que enfrentam a dificuldade de deixar os filhos para lutar por sua sobrevivência com a arte. Evaldo, da Escola de Circo Talismã, a 1ª bilíngue, para surdos e ouvintes, questionou a contemplação de jovens artistas circenses na Lei Paulo Gustavo em detrimento dos veteranos. A jovem Luz mostrou o choque de horários entre o estágio e o início das aulas da escola de teatro, sobrando apenas meia hora entre o fim de um e o começo de outro. Segundo revelou, questionou à SEDUC - Secretaria de Educação, que não apontou solução ao problema.

Jesus Viana questionou o secretário (que já tinha se retirado) quanto e quando estão sendo pagos. O artista alegou que cachês como o da encenação da Batalha do Jenipapo e Paixão de Cristo passam até 6 meses para serem pagos pelo órgão cultural do Estado, causando enfraquecimento dos produtos artísticos. Para ele, “A economia criativa da arte é para empoderar artistas.”

A atriz Tércia Maria, que fez questão de não se inscrever, tomou elegantemente o microfone do falante anterior e afirmou que é desobediente. Iniciou cobrando a presença dos conselheiros do CEC. Para ela, “As pessoas não sabem quem são os conselheiros. E os conselheiros não sabem quem são os artistas”. Propõe que o encontro aconteça mais vezes ao ano, que dure o dia todo para que mais artistas possam participar. O ator Moisés Chaves encerrou as falas afirmando: “Não vou mais aos festivais do interior do Piauí”. Mas não entrou em detalhes do porquê.

As falas retornaram ao dispositivo de honra. Começando por Jone Clay, que defendeu o CEC, citando os seus componentes e as limitações do Conselho enquanto órgão consultivo. O professor Roberto Freitas reforçou que o Piauí é um dos 9 estados que não cumprem a Lei Nº 13.278. Falou ainda que é preciso desburocratizar o processo dos editais, facilitando às pessoas menos letradas. Que a avaliação conjunta de doutores e mestres populares não é justa se estiverem na mesma categoria. Reclamou que ficou na suplência da LPG mesmo estando há 30 anos produzindo ininterruptamente. Questionou ainda como as crianças estão contempladas nas produções de dança.

A atriz Talita retomou dizendo que estava anotando as brechas legais para contratação de professores de arte qualificados, que diretores devem ser eleitos democraticamente nas escolas de formação do Estado. Lari comentou sobre a importância das mulheres. Sobre a volta dos setoriais das linguagens, que não existem mais na Secult. Informou que o SATED vai promover mais encontros, criando um Fórum Permanente para debates mensais. Waldílio disse que “Toda profissão deve refletir sobre a importância da sua atividade”. Mostrou a relevância dos muitos avanços nos governos progressistas, apesar dos retrocessos da gestão federal anterior.

Carlos Veras, que tinha assumido o cerimonial, mudou de papel, tomou o microfone ressaltando a fala de Lari Sales. Queixou-se da falta de reconhecimento do esforço dos que fizeram do Piauí a maior delegação do Norte e Nordeste na Conferência Nacional de Cultura. Que é preciso organizar os setoriais e reestruturar as câmaras técnicas, além de criar o Conselho Estadual de Políticas Públicas. Que existem muitos recursos para a Cultura, inclusive em outras pastas afins, que podem e devem ser angariados. Lyvia deu os parabéns aos artistas que estão trabalhando. João Vasconcelos encerrou fazendo o convite para os eventos do último dia de SENTHE.

O encontro foi representativo. Começou depois das 9h e terminou quase às 13h. Ao perceber que estava anotando todas as falas, o conselheiro Jone deu a ideia que eu escrevesse a Carta de Teresina, mostrando o que foi relevante na conferência. Pensei. Refleti. Cheguei a conclusão que seria melhor assim. Como não houve combinação anterior e eu saí de casa para construir essa narrativa, preferi seguir o primeiro plano. Por isso, tenho um pouquinho de independência para sugerir ao secretário que possa responder aos questionamentos feitos diretamente a ele e à gestão da Secult. Creio que um posicionamento público, seja em caráter administrativo ou informal cabe como uma luva.

Devia ter uns 50 atores, bailarinos, circenses, produtores e autoridades. A presença de um número robusto de pessoas ativas na produção de bens culturais chancelou a notoriedade da reunião. Fiz questão de registrar em texto a fim de acompanhar os desdobramentos e encaminhamentos, se houverem. E mais, trazer o que vem depois. Se haverá avanços. Estamos em ano eleitoral. Um dos expoentes da gestão cultural piauiense dos últimos anos vai por seu nome mais uma vez à apreciação pública do sufrágio universal. Muitos interesses em jogo e a Cultura, pela primeira vez, é uma carta especial no futuro político da capital mafrense. Resta saber se é um melé ou um ás.

LUGAR DE FALA

Por William Tito

Arte, cultura, economia criativa sob o olhar de um artista/comunicador com 40 anos de estrada.

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