Reportagem sobre delegado resulta em investigação contra jornalista do Metrópoles
A convocação ocorre meses após o jornalista publicar série de reportagens que expôs o patrimônio milionário do delegado Fábio Pinheiro Lopes
Um jornalista do portal Metrópoles foi convocado a depor pela mesma divisão policial que havia sido comandada pelo delegado alvo de suas reportagens investigativas. O caso levanta preocupações sobre liberdade de imprensa e possível uso do aparato estatal para intimidação.
Luiz Vassallo deverá comparecer nesta quinta-feira (5) à 2ª Divisão de Crimes Cibernéticos, no centro de São Paulo, após receber intimação do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). A convocação ocorre meses após o jornalista publicar série de reportagens que expôs o patrimônio milionário do delegado Fábio Pinheiro Lopes, conhecido como "Fábio Caipira", ex-diretor do próprio Deic.
Intimação com lacunas
A notificação, entregue na última terça-feira (3), apresenta características que chamaram a atenção de especialistas em direito à comunicação. O documento não especifica se Vassallo será ouvido na condição de testemunha ou investigado, tampouco detalha qual seria o objeto da investigação. A intimação limita-se a informar o número do inquérito e advertir sobre possíveis sanções previstas no artigo 330 do Código de Processo Penal caso o jornalista não compareça.
Em nota oficial, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo confirmou que o inquérito foi aberto a pedido do próprio delegado Fábio Caipira, que alega ter sido vítima de crime contra a honra. A pasta justificou o procedimento afirmando que "compete à autoridade policial apurar os fatos quando há comunicação de possível delito", conforme prevê a legislação.
Reportagens revelaram patrimônio blindado
As matérias que desencadearam o processo foram publicadas em março deste ano pelo Metrópoles. Nelas, Vassallo revelou que o delegado Fábio Caipira teria protegido aproximadamente R$ 10 milhões em patrimônio – incluindo fazendas – através de uma empresa de sociedade anônima.
A blindagem patrimonial teria ocorrido após o delegado ser mencionado em delação premiada como suposto beneficiário de propina para interferir em investigações relacionadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa de São Paulo.
Delação e afastamento
O delegado foi afastado do comando do Deic em dezembro de 2024, após ser citado pelo delator Vinícius Gritzbach, assassinado em novembro do mesmo ano no Aeroporto de Guarulhos. Em depoimento prestado em setembro, Gritzbach afirmou ter repassado valores a delegados por meio de um advogado intermediário.
O objetivo do pagamento, segundo a delação, seria evitar a responsabilização de Gritzbach pela morte de Anselmo Santa Fausta, conhecido como "Cara Preta", indivíduo ligado ao PCC. O inquérito sobre esse homicídio foi arquivado em março de 2025.
Quando foi afastado de suas funções, Fábio Caipira negou publicamente qualquer irregularidade e declarou, em coletiva de imprensa, ter sido injustiçado pela administração do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Entidades reagem à intimidação
A convocação do jornalista provocou manifestação imediata da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Para Katia Brembatti, presidente da entidade, o episódio representa uma tentativa clara de intimidação utilizando instrumentos estatais.
"É inaceitável o uso do aparato do estado para intimidar a prática jornalística. Crimes contra a honra são, por regra, tratados por meio de ação penal privada e não deveriam envolver instrumentos coercitivos da Polícia Civil", declarou Brembatti.
A presidente da Abraji ressaltou ainda que a situação transcende o caso individual: "É importante que se diga que esse tipo de situação não atinge apenas o jornalista. É intimidatória para o conjunto da imprensa e perigosa para a sociedade", completou.
Especialistas em direito constitucional consultados destacam que o caso pode configurar tentativa de censura e cerceamento da liberdade de imprensa, direito fundamental garantido pela Constituição Federal.