O Caso Erlan e o São João de Petrolina: Quando a violência desmoraliza as estatísticas
A morte brutal de um empresário expõe a falência do discurso oficial sobre segurança pública em eventos de massa no interior do Nordeste
No amanhecer do dia 20 de junho de 2025, quando os últimos acordes do artista Natanzinho Lima, novo expoente do “forró brega”, ainda ecoavam no palco do Pátio Ana das Carrancas onde acontece o nacionalmente conhecido São João de Petrolina…
Natanzinho Lima fecha o palco com seu show na quinta (19), no São João de Petrolina.
O vídeo de uma agressão viralizava nas redes. Era Erlan Oliveira sendo agredido após o fim do show, a exatos 2,8 km de distância, na mesma avenida do evento, por pelo menos seis homens. Ao amanhecer do dia, chutes na cabeça. Corpo inerte no chão…
Poucos minutos depois ao amanhecer no Bar do Virote, Erlan é vítima de espancamento .
E quando uma tragédia se torna previsível, o erro não é do destino. É do Estado.
A Operação que custou R$ 600 mil… e falhou onde mais importava
Segundo a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE), a Operação São João 2025 foi pensada para garantir segurança com “tecnologia de ponta”: reconhecimento facial, drones, efetivos especializados e monitoramento ostensivo sob comando do 5º BPM.
Sistema de reconhecimento facial instalado pelo governo.
O investimento anunciado: R$ 600 mil.
O resultado prático: um homicídio bárbaro numa área de fluxo intenso, sem resposta imediata das autoridades.
A falha não foi só operacional. Foi conceitual. Porque o perímetro da festa foi protegido, mas o entorno, por onde transitam milhares de pessoas, foi tratado como “território neutro”. E território neutro, no Brasil, é território criminoso.
Os dados que o sangue desmoraliza
É verdade que os números oficiais mostram uma queda de 6,7% nos homicídios em Petrolina em 2024. A região do Sertão também registrou leve recuo, segundo a SDS-PE. Mas basta um caso como o de Erlan para destruir a narrativa de segurança.
Porque quando um crime bárbaro acontece ao lado da festa, e o Estado sequer admite falha no planejamento, a estatística vira cinismo institucional.
Durante o São João de 2024, as três primeiras noites registraram 41 ocorrências: embriaguez, mediações, pequenos conflitos. Um retrato aparentemente pacífico. Mas em 2025, o caso Erlan mostrou o que os dados não mostram: que basta um espaço não vigiado, uma avenida desprotegida, e a barbárie escapa pelas frestas da propaganda oficial.
Erlan era pai, empresário e nordestino. Virou número?
Erlan morava em São Paulo, com fortes raizes piauienses e pai de uma criança. Foi ao São João de Petrolina para viver como todos deveriam viver: com alegria, liberdade e segurança.
A população, perplexa, começa a entender que Petrolina não é tão segura quanto vendem nos outdoors da gestão pública.
Segurança seletiva é insegurança disfarçada
O erro é sistêmico. Não é só sobre Petrolina. É sobre o modelo de segurança pública em festas populares no Brasil.
A lógica é sempre a mesma: investir tudo no “pátio oficial”, para garantir fotos bonitas, ações midiáticas e a ilusão de controle. Mas fora dos refletores, nos bares da Avenida Sete de Setembro, nos caminhos de volta pra casa, nas áreas onde se mistura o público da festa com o cotidiano da cidade, o Estado não está.
É a segurança das vitrines, não das pessoas.
O ponto de ruptura
O assassinato de Erlan Oliveira deve ser tratado como marco divisor na segurança pública em eventos de massa no Nordeste e mais ainda na cidade de Petrolina, palco do maior São João do Nordeste.
Erlan não morreu por estar em um beco escuro. Morreu porque acreditou que estava protegido. Porque a propaganda oficial dizia que estava tudo sob controle.
E não estava.
A função do jornalismo não é só narrar. É denunciar o descompasso entre o que se diz e o que se faz. E o que aconteceu em Petrolina não foi acidente. Foi omissão institucional, negligência geográfica e desumanidade política.
A próxima edição do São João já está sendo planejada. Resta saber se será uma festa para turistas ou uma reflexão sobre os corpos que tombam nas bordas do circuito.
Se a morte de Erlan não servir para rever tudo, do planejamento à prestação de contas, então o problema não é a violência. É quem finge que ela não existe.