Coluna Ponto de Ruptura

Thiago Trindade

​​Jumento sumiu e o Piauí sente falta do velho companheiro do sertão

Em 25 anos, Brasil perdeu quase toda a população de jumentos; Piauí vive impacto direto na cultura e no dia a dia das comunidades rurais

30 de junho de 2025 às 19:33
4 min de leitura

O Brasil perdeu 94% da sua população de jumentos nas últimas duas décadas e meia. De 1,37 milhão em 1999 para cerca de 78 mil em 2024, a queda representa mais do que um colapso populacional: é uma ferida aberta na cultura do sertão. O estado do Piauí, um dos mais atingidos, sente o impacto não apenas na economia rural, mas na identidade histórica da região.

Jumento sumiu e o Piauí sente falta do velho companheiro do sertão - Foto: Reprodução

O dado é confirmado por fontes oficiais como o IBGE, o Ministério da Agricultura e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). O alerta internacional partiu da ONG britânica The Donkey Sanctuary, que considera a situação brasileira como uma das mais críticas do mundo.

No Piauí, o jumento era símbolo de resistência

Durante décadas, o jumento foi um dos principais meios de transporte e força de trabalho no interior piauiense. Usado no campo, no transporte de água, lenha e alimentos, o animal esteve presente em praticamente todas as cidades do semiárido.

Seu desaparecimento representa o fim de um ciclo e a perda de um patrimônio cultural não escrito.

Até em Barra Grande-PI o animal que é símbolo do encontro da praia e do sertão está desaparecendo.

Não é só um animal. É uma história que se apaga. Todo piauiense que cresceu no interior tem uma lembrança ligada ao jumento

Com a mecanização e o avanço de políticas de substituição por veículos motorizados, muitos jumentos foram abandonados ou vendidos para abatedouros ilegais. Os principais destinos finais são frigoríficos clandestinos ligados à exportação de couro, especialmente para mercados asiáticos.

Exportação de couro impulsiona abate ilegal

Boa parte do couro dos jumentos é usada na fabricação do ejiao, um gel medicinal muito popular na China. Isso alimentou uma cadeia clandestina de captura, transporte e abate desses animais em várias regiões do Brasil, especialmente no Nordeste.

Gelatina de couro de burro ou cola de couro de burro é a gelatina obtida da pele do burro por imersão e cozimento. É utilizado como ingrediente na medicina tradicional da China.

A prática, segundo ONGs, viola normas sanitárias, causa sofrimento animal e pode gerar riscos à saúde pública. No Piauí, casos recentes de caminhões clandestinos transportando jumentos em condições degradantes acenderam o alerta de autoridades locais, que cobram ações mais firmes da União.

Jumento sumiu e o Piauí sente falta do velho companheiro do sertão - Foto: Reprodução

O que dizem os dados

  • População em 1999: 1,37 milhão
  • População em 2024: 78 mil
  • Redução: 94% em 25 anos
  • Regiões mais afetadas: Piauí, Bahia, Ceará e Pernambuco

Cultura, abandono e invisibilidade

Para além da função prática, o jumento era parte do cotidiano nordestino da literatura de cordel às feiras livres, das histórias de vaqueiro às quadrilhas juninas. Em muitas cidades do interior do Piauí, ainda hoje há estátuas e homenagens ao “companheiro do sertanejo”.

Nas estradas do Piauí os poucos que restam seguem abandonados.

Com a queda da população, desaparece também uma figura emblemática que simbolizava a resiliência diante da seca e das dificuldades do semiárido.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

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