Igrejas evangélicas crescem onde o Estado não chega no Piauí
Com aumento de 37% entre 2010 e 2022, evangélicos ganham espaço nas cidades e periferias do Piauí com apoio comunitário e presença ativa
Quando a fé ocupa os vazios deixados pelo Estado
O Piauí segue sendo o estado mais católico do Brasil. Mas os números contam apenas parte da história. O que cresce com força – sobretudo nas cidades médias e nas periferias urbanas – é a presença evangélica, movida por fatores que vão muito além da pregação religiosa.
Entre 2010 e 2022, o número de evangélicos no estado aumentou 37%, segundo o IBGE. Em municípios como Teresina, Picos e Floriano, essa transformação é ainda mais perceptível. A queda do catolicismo nas capitais e regiões metropolitanas tem sido acompanhada por um movimento de base evangélica que se instala em bairros vulneráveis, com forte presença social.
Não se trata apenas de conversão espiritual. O que essas igrejas oferecem é algo raro nas áreas mais carentes: estrutura, escuta e pertencimento.
A nova força que vem das bordas
O avanço evangélico no Piauí tem rosto, endereço e contexto: atinge principalmente moradores das classes C e D, trabalhadores informais, mães solo e jovens de periferia. São pessoas que, muitas vezes, encontram nas igrejas uma rede de apoio onde o Estado não chega.
Igreja Assembleia de Deus em Acauã-PI - Foto: Portal do Itaim
Esses templos – muitos instalados em garagens e prédios adaptados – funcionam como centros comunitários. Ali, além de oração, há cursos profissionalizantes, visitas a famílias, eventos culturais, atividades para crianças e acolhimento para quem sofre com depressão, violência doméstica ou desemprego.
É por isso que a fé evangélica avança: não porque se impõe, mas porque se oferece. E oferece onde mais se precisa.
Transformações sociais, políticas e culturais
Esse crescimento já altera a paisagem cultural e política do Piauí. Em muitas cidades, festas evangélicas de grande porte passaram a integrar o calendário oficial. Líderes religiosos ocupam cargos públicos e articulam novos blocos eleitorais. Em conselhos escolares e debates sobre educação, a presença evangélica também se faz notar.
Em Belém do Piauí, no dia 13 de dezembro é celebrado o Dia do Evangélico. A data foi instituída no município através de Lei Municipal, em homenagem à população a evangélica - Foto: Portal Cidades na Net
O desafio que se impõe agora é o da convivência. Em um estado historicamente católico, o avanço de novas expressões de fé pede respeito, escuta e diálogo. Não se trata de competição religiosa, mas de reconhecer que o mapa da fé no Piauí está mudando – junto com o modo como as pessoas buscam apoio, sentido e comunidade.
Quando a fé se torna abrigo
Tenho lido bons resumos do livro, Religião e o Declínio da Magia, do historiador britânico Keith Thomás. O livro está quase inacessível pois a editora no Brasil deixou de reproduzir.
Ele mostra como, na Inglaterra do século XVII, a religião era o que dava sentido à vida em tempos de insegurança. Para quem vivia sem proteção, a fé e os rituais não eram apenas crença, mas formas de lidar com o medo e com a ausência de respostas concretas.
O paralelo com o Piauí de hoje não é exato, mas é significativo. Nas periferias urbanas e nas cidades menores, onde faltam políticas públicas eficazes, a religião também tem cumprido esse papel. As igrejas evangélicas funcionam como redes de apoio, espaços de escuta, estruturas de solidariedade e reorganização emocional.
A fé, nesse contexto, não é fuga, é ferramenta. E mais: é resposta.
Assim como no passado, hoje ela ajuda comunidades inteiras a dar sentido à dor, superar o abandono e reconstruir vínculos onde havia apenas vazio.
Projeto "Até a Última Cidade" da PIB em Teresina tem como objetivo plantar uma igreja batista em todo o estado do Piauí - Foto: Missões mundiais
O Ponto de Ruptura
O avanço das igrejas evangélicas no Piauí não é um fenômeno isolado, nem algo que se explique apenas pela fé. Ele revela um modo de resistência silenciosa das comunidades mais afetadas pela desigualdade, pela ausência de Estado e pela falta de alternativas reais.
Essas igrejas não crescem à revelia da realidade; crescem com ela, dentro dela.
Enquanto o Estado se distancia, elas se aproximam. Enquanto a política se complica, elas simplificam. E enquanto muitas instituições falham em oferecer presença, elas oferecem permanência.
O que está em disputa não é só o altar, é o papel de quem acompanha o povo nos seus dias mais difíceis.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .