Barra Grande: o Piauí que não é para piauenses
A cidade cresce com turismo de luxo, mas moradores e piauienses denunciam exclusão social, preços abusivos e perda de identidade local.
Barra Grande, ou simplesmente “BG”, virou marca. E como toda marca, agora tem dono. Mas não são os piauienses.
O estado com menor litoral do país ainda consegue afastar os nativos e até os turistas que no Piauí nasceram. Essa é uma realidade triste e verdadeira.
Localizada no município de Cajueiro da Praia, extremo norte do estado, a vila de pescadores se transformou num dos destinos mais desejados do Brasil. Mas a transformação veio acompanhada de um gosto amargo: a sensação de que o paraíso não é mais para quem nasceu ali, e nem para quem é de qualquer canto do Piauí.
Diárias que ultrapassam R$ 1.500, pratos simples cobrando mais de R$ 120.
Terrenos especulados por valores milionários, e eventos privados que fecham acessos à praia são apenas parte da nova paisagem. O que antes era chão de areia e redes na varanda, virou um cenário gourmetizado, onde a cultura local virou adereço e o povo nativo virou coadjuvante.
O luxo que exclui
Nos últimos cinco anos, BG passou a atrair investidores do Sudeste e do exterior. Pousadas com arquitetura minimalista, beach clubs que imitam Mykonos, restaurantes assinados por chefs premiados. O marketing fala em “simplicidade sofisticada”, mas a realidade, para quem é da terra, é outra: preço impeditivo, invisibilidade social e ruptura cultural.
Moradores relatam que já não conseguem frequentar os mesmos espaços da orla onde cresceram. Jovens da região enfrentam dificuldades para trabalhar nos novos empreendimentos, muitas vezes sendo preteridos por mão de obra qualificada de fora. E o turismo, que poderia fomentar a cultura local, hoje importa DJs e chefs, mas ignora sanfoneiros e rendeiras. Estranho tanto como a realidade de tudo que trago nessa matéria.
Pousadas com arquitetura minimalista. Um paraíso, para poucos.
Eventos, acesso e o novo apartheid praiano
Durante feriados prolongados e festas de alta temporada, moradores denunciam que trechos da praia são cercados, com limitação de entrada para não hóspedes ou não pagantes. BG virou um condomínio a céu aberto, com segurança privada, consumo premium e uma lógica de exclusão velada.
Um registro quase inexistente: nativos e pescadores da região. São eles que fazem a comunidade "Barra Grande". E os mais esquecidos. Não há governo e nem projeto de projeção para eles. Vivem a margem do turismo de "riqueza".
Nas redes sociais, perfis influentes divulgam o destino como “o Caribe brasileiro”, mas sem menção à história local, à luta das comunidades pesqueiras ou à falta de infraestrutura nas áreas afastadas da vila. Enquanto isso, moradores da região convivem com a falta de saneamento básico, coleta irregular de lixo e aumento no custo de vida, sem contrapartida do poder público.
Não é sobre o luxo, é sobre o acesso
Barra Grande não erra por ter hotéis caros ou turistas do mundo inteiro. O erro está em não haver política pública que garanta que o povo da terra também tenha lugar no futuro do seu próprio território.
Faltam incentivos para quem quer empreender de forma simples, estrutura para quem vive fora da orla valorizada, transporte acessível, sinalização pública e apoio direto ao turismo comunitário. O pior de tudo é que ninguém quer assumir essa culpa. Nem prefeitura e nem Governo. A prefeitura não tem interesse pois turista não dá voto e o governo através da secretaria de Turismo não consegue há anos enxergar o verdadeiro potencial do local.
Hoje, quem é do Piauí e quer visitar BG com orçamento reduzido encontra dificuldades, não por causa dos empresários ou visitantes, mas pela falta de iniciativa do poder público em equilibrar a balança entre o crescimento e a inclusão.
A elitização do acesso não é uma consequência inevitável. É o reflexo de decisões (ou da ausência delas) que privilegiam alguns e silenciam outros.
Quem ganha com a nova BG?
O avanço da especulação imobiliária pressiona famílias a venderem suas casas por valores que parecem altos, mas não sustentam a vida fora da comunidade. Ao deixar suas raízes, muitos perdem o vínculo com a cultura local e se tornam dependentes de empregos precários.
É um ciclo de exclusão que disfarça opressão com sofisticação.
A prefeitura de Cajueiro da Praia comemora os ganhos com o turismo, mas ainda não apresentou um plano concreto de inclusão social e proteção territorial. Ambientalistas também alertam para os impactos do crescimento desordenado, especialmente no ecossistema do Delta do Parnaíba.
Enquanto isso: resistência feminina e territorial em BG
Enquanto o turismo de luxo toma conta das areias de BG, há outro movimento pulsando silencioso, ancestral e profundamente transformador. Ele vem das mulheres do mangue, das marisqueiras da Resex do Delta, das lideranças que não cabem nos “beach clubs”, mas carregam nas mãos a memória e o futuro do território.
Rhavena Tavares Madeira, Rebeca Viana e Flávia Maia estão à frente de ações como o projeto Mulher, Mangue e Território, e levam a frente a ONG Filha do Sol.
u wAinda há esperança no nosso litoral. Olhar o trabalho delas nos faz crer nisso.
O trabalho articula justiça climática, economia solidária e protagonismo feminino nas comunidades costeiras do Piauí e Maranhão.
Entre vivências com marisqueiras, encontros de culturas e formação em sustentabilidade, essas mulheres lutam contra o apagamento das populações tradicionais e pela valorização dos saberes locais. Elas não aparecem nos catálogos de viagem, mas são essenciais para que o litoral continue sendo vida e não apenas produto.Enquanto alguns lucram com a paisagem, elas defendem o direito de existir nela.
Ainda falaremos mais profundamente aqui na coluna sobre esse projeto que acredito, poucos leitores conhecem.
O Ponto de Ruptura
Barra Grande virou tendência, cartão-postal, destino de celebridades e pauta de revistas de viagem. Mas o que deveria ser orgulho para o povo piauiense se tornou um espaço de exclusão. A pergunta que ecoa é: até quando o Piauí vai aceitar ser bonito só para os outros?
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .