Eu sou o Pagliacci: ou quando a realidade não é ‘instagramável’
A depressão como marca da modernidade e a necessidade por ser feliz como causa da depressão
Por José Ribas - Jornalista
Vivemos a era da felicidade compulsória. O mundo de hoje exige que sejamos felizes o tempo todo, e essa felicidade precisa ser instagramável, vistosa, pública. Mais do que ser feliz, é preciso parecer feliz, colecionar momentos que possam ser registrados e validados por curtidas e comentários.
Ninguém quer apenas viver — todos querem viver uma vida espetacular. O problema dessa lógica, no entanto, é que ela é uma armadilha. A felicidade como um fim em si mesma é uma criação moderna, fruto do movimento romântico e da idealização de um estado de plenitude impossível de ser alcançado. O mundo nunca foi um lugar de satisfação contínua, e forçar essa busca nos afunda em frustração e desespero.
A felicidade, como conceito absoluto, é um delírio coletivo. Antes da modernidade, o homem não vivia para ser feliz, mas para sobreviver, cumprir deveres, construir um legado ou garantir a salvação espiritual. A ideia de que devemos perseguir a felicidade como um direito inalienável é recente, e sua impossibilidade de realização está na raiz de muitos dos problemas psíquicos modernos. Como observou o psicólogo Andrew Solomon no livro referência sobre a depressão, ‘O Demônio do Meio-Dia’, “a depressão é a imperfeição no amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição”.
As redes sociais amplificaram essa ilusão e maximizaram esse mecanismo depressor.
A todo momento somos bombardeados por imagens de pessoas que parecem viver vidas perfeitas — jantares luxuosos, viagens paradisíacas, corpos impecáveis, sorrisos ensaiados. No entanto, essas aparências não passam de máscaras, como apontou Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo. O que se exibe não é a vida real, mas uma encenação da vida. Esse mundo encenado nos faz sentir inferiores, incapazes de atingir o ideal imposto pela sociedade, levando-nos a uma espiral de comparação, ansiedade e, finalmente, depressão.
O problema é que a realidade não se dobra às nossas expectativas ou ao filtro de foto do momento. O mundo não é um lugar bom ou justo. Ele é indiferente. A natureza não se preocupa com nossas emoções, e o sofrimento é parte inevitável da existência.
E a expectativa de uma vida perfeita entra em choque com essa verdade dura e nos fragiliza, porque nos tornamos incapazes de lidar com a adversidade. O psicólogo canadense Jordan Peterson externa em seu livro ‘12 Rules for Life’ que um dos graves problemas modernos é não aceitar a manifestação do Ser (Self em ingles), que justamente é o caminho do conhecimento de si e da responsabilidade — é contato da mente humana e da realidade sem firulas — que por ser um autoconhecimento pesado, é identificado como o caminho da Cruz. Mas o homem moderno nega este fato, se esconde entre o medicamentos que o entorpece e a bebida que o adormece.
O homem moderno se tornou fraco porque tem medo do sofrimento, e essa fragilidade emocional gera um ciclo de frustração contínuo.
A depressão, como descreve Solomon, se aproveita desse cenário como um demônio do meio-dia, uma força sorrateira que nos captura no momento em que nos damos conta de que jamais seremos plenamente felizes. Ele escreve que “a depressão é um demônio que nos deixa aterrados” e que “se alimenta do próprio ar, crescendo apesar de seu desligamento da terra que a alimenta”.
A metáfora, inspirada na tradição cristã de Santo Antônio do Deserto, retrata a depressão como uma entidade maligna que nos espreita, esperando a fissura perfeita para se instalar, com um demônio que espera um pecado, palavra que justamente significa entre suas raízes linguística vacilar ou cair, sinônimo para depressão no sentido mais aberto.
O sofrimento emocional se torna paralisante quando percebemos que todas as máscaras sociais que usamos são temporárias e que, no fundo, continuamos insatisfeitos e incompletos.
Esse fenômeno está diretamente ligado ao aumento das taxas de depressão no mundo moderno. Em especial apontam pesquisas atuais, entre mulheres jovens e progressistas.
Como Solomon aponta, “as taxas crescentes de depressão são sem dúvida uma consequência da modernidade. O ritmo da vida, o caos tecnológico, a alienação das pessoas, o colapso da estrutura familiar, a solidão endêmica, o fracasso dos sistemas de crença (religioso, moral, político, social — qualquer coisa que parecia outrora dar significado e direção à vida) têm sido catastróficos”.
Isso ocorre porque, quanto mais nos afastamos da realidade em busca de uma felicidade inatingível, mais nos sentimos deslocados no mundo real. O resultado é uma sociedade adoecida, onde a felicidade é vendida como um produto inalcançável, e a depressão se torna o preço a pagar por essa ilusão.
A única saída desse labirinto existencial é aceitar que a vida não é uma sequência de momentos felizes, mas um fluxo contínuo de altos e baixos. A felicidade não deve ser o objetivo absoluto, mas um estado eventual, entremeado pelo sofrimento, pela luta e pela busca de sentido. Enquanto insistirmos em negar essa verdade, continuaremos reféns da ilusão e vulneráveis ao ataque sorrateiro do demônio do meio-dia.
São Paulo, apóstolo sabia disso, talvez por conta disso tenha dito em Romanos 3, 3 - 4:
“Não só isso, mas nos gloriamos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança”.