Gustavo Almeida

Responsabilidade social: a dívida do agronegócio

Setor bate recordes de lucros enquanto insegurança alimentar e pobreza aumentam no Brasil.

18 de novembro de 2021 às 11:58
5 min de leitura

Nenhuma pessoa que tenha conhecimento e sensatez questiona a importância do agronegócio para um estado ou nação. É notório que a produção agrícola em larga escala gera riquezas e traz benefícios. No entanto, não podemos ser ufanistas e deslumbrados com uma atividade que poderia dar muito mais ao país e não dá. No Piauí, não é diferente.

O agronegócio não para de bater recordes, não para de dar lucros exorbitantes aos empresários do setor e não para de avançar na busca por novos territórios para exploração. Mas esse mesmo segmento que é tão decantado e festejado deveria ter mais responsabilidade social, cumprir uma função social. É inaceitável que enquanto o agro bate recordes de lucro, a fome aumente de forma assustadora e os pobres fiquem cada vez mais pobres.

Agro foi o único setor que cresceu na pandemia (Foto: Agência Brasil)

Em 2020, justamente no turbilhão de dificuldades econômicas geradas pela pandemia da Covid-19, o agro foi o único setor a crescer. Houve também aumento recorde de 24,31% no PIB do segmento, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). O IBGE também apontou esse crescimento do agronegócio no ano mais duro da pandemia.

Enquanto os grandes ruralistas festejam “o país do agro” que ajuda a abastecer o mundo, nossos irmãos brasileiros passam fome ou enfrentam sérias dificuldades para ter o que o comer. Vivemos um paradoxo: somos um grande produtor de alimentos para o mundo, mas não conseguimos garantir segurança alimentar para o nosso próprio povo.

Segundo o Ministério da Agricultura, no mês passado as exportações de agronegócio do Brasil atingiram US$ 8,84 bilhões, valor recorde para outubro, como reflexo de preços internacionais mais altos. Já a fome, que crescia no Brasil na última década, se agravou. Ano passado, 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia no Brasil. Em 2018, eram 10,3 milhões. Ou seja, em dois anos houve um aumento de 27,6%. Absurdo!

No Piauí temos a região dos Cerrados, área que experimentou nos últimos anos a chegada de grandes empresários e grandes investimentos no agro. O estado entrou de vez no mapa do agronegócio brasileiro e a região passou a ser festejada por políticos e pela imprensa local. Apontam a produção agrícola do Cerrado piauiense como nossa grande redenção. Com dito antes, não se pode negar a importância do setor, mas ele está em dívida.

Engana-se quem pensa que apenas o estado está em dívida com a turma do agro. O contrário também existe. O Piauí segue sendo um dos estados mais pobres do país, com os maiores índices de analfabetismo e indicadores que causam vergonha. Não há nenhum orgulho em dizer isso, mas é a realidade e ela não pode ser ocultada. De 2015 a 2019, o Piauí teve o quarto menor crescimento em rendimento domiciliar per capita dentre os estados brasileiros. Hoje, 82% das famílias piauienses vivem com uma renda média inferior a R$ 2 mil. Falo de renda familiar!

Enquanto os produtores do Cerrado lucram cada dia mais, muitos piauienses, inclusive ali pertinho, lutam para ter o que comer, para ter água potável, saneamento. Está na hora do agronegócio cumprir uma função social, retribuir de forma mais generosa as oportunidades encontradas em nosso solo. Chega de venerar o agro, chega de render homenagens rasgadas aos grandes ruralistas, de achar que eles são o equilíbrio do Brasil. Não é bem assim.

Enquanto formos um dos campeões na produção agrícola que apenas exporta commodities e não tivermos segurança alimentar para quem vive aqui, não fará sentido tanta admiração pelo agro. Quem tanto lucra em meio à crise, quem tanto se beneficia dos preços altos no mercado internacional, quem tanto produz para mandar pra fora, precisa ter um pouco mais de responsabilidade social. O agro pode até ser pop, mas está em dívida com o Piauí e o Brasil.

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