Direto ao Ponto

Como nossos pais

Como todo brasileiro, vi o anúncio da Volkswagen que teve como protagonistas a Maria Rita e sua falecida mãe Elis Regina.

17 de julho de 2023 às 12:03
3 min de leitura

Como todo brasileiro, vi o anúncio da Volkswagen que teve como protagonistas a Maria Rita e sua falecida mãe Elis Regina – esta cantando, ressuscitada pela inteligência artificial.

O anúncio foi perfeito. Quero dizer, a publicidade trabalha no âmbito emocional para chamar a atenção de uma pessoa e daí gerar uma forma de aprovação ou até de adoção dessa pessoa por alguma coisa. Esse anúncio foi mais complexo porque, no meu entender, trabalhou em duas áreas, as quais para muitos de nós é às vezes difícil diferenciar: a publicidade e a propaganda.

Kombi. Foto: Reprodução/Volkswagen

A mostra das duas Kombis mais uns pequenos clips de fusquinhas ficaram no campo da publicidade, o que lida com bens ou produtos. Mas a outra área, a propaganda (que é a divulgação de ideias), ficou por conta da música do Belchior: o anúncio celebra os 70 anos da companhia no Brasil, sua participação no processo de industrialização nos dias de Juscelino, e por aí vai.

Mas tenho pensado desde então na música usada no anúncio. E a música cria o contexto onde se aninham esses meus pensamentos. Em 1962 os Beatles gravam seu primeiro duplo, o "Love Me Do". Nos anos seguintes o conjunto se tornou um ícone mundial de rebeldia, de mudança de enfoque, de comportamentos – e até de princípios! Nossos cabelos e barbas crescidos, as roupas (ou o não-uso delas), a música vibrante, tudo isso passou a simbolizar alguma mudança, a revelar o início de um rompimento com aquela forma de acomodação, aquela forma como viviam os "nossos pais".

A grande celebração de tudo isso foi o festival de Woodstock, em agosto de 1969. Acontece que nessa mesma década, exatamente em 1964, o golpe militar veio como um freio pesado a essas tão esperadas e almejadas mudanças. Claro, a música "Como Nossos Pais", composta em 1976, foi censurada, antes de ser finalmente lançada por Elis no LP "Falso Brilhante".

Já naquele 1976, meu quinto ano morando em Teresina, confesso que fiquei meio intrigado pelo fato de os Beatles, símbolos da rebeldia e irreverência de então, terem recebido da rainha suas MBE (Most Excellent Order of the British Empire) em 1965. Já estavam portanto "em casa, guardados por Deus, contando o vil metal". Havia algo mais no ar e eu tentava adivinhar.

Hoje, ouvindo "Como Nossos Pais" eu me transporto àquela época e às minhas indagações sobre até que ponto o consumismo, filhote do capitalismo, vinha avançando. Esse avanço, em constante andamento, vestiu uma roupa nova: a chamada globalização, que chegou no Brasil pelos 1990. E a globalização – mais o consumismo –, esta sim, freiou aquelas mudanças que minha geração desejou intensamente. A globalização colocou a maioria da humanidade de hoje, – mesmo depois de nossas batalhas – "vivendo como nossos pais".

Marcus Cremonese, Rylstone 09 de junho de 2023

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