A Justiça e suas faces
Nossa justiça tarda, retarda, atrasa, prorroga, retrocede e – na maioria das vezes, e certamente – sempre falha.
Quase todo dia a televisão me mostra mísseis russos indo em direção a Ucrânia, em sua maioria sendo derrubados pelos ucranianos. No entanto, uns ou outros atingem seus alvos, ou seja, destroem hospitais, escolas, creches etc.
No caso de um soldado matar outro em combate há uma espécie de consenso milenar: o fato não constitui crime – apesar da grande imbecilidade que a guerra é, em si mesma. Putin tem sido indiciado por crimes de guerra pela quantidade de civis, adultos e crianças sendo mortos quase todo dia. Será algum dia punido? Esse preâmbulo ajuda a entender o que vem a seguir.
Milhares de australianos fizeram todo o possível para não deixar a coisa acontecer, mas a Austrália mandou tropas para o Afeganistão, apoiando os Estados Unidos. Mataram-se soldados, morreram soldados, como esperado. Mas aqui na Austrália algo "estranho" aconteceu. Um comitê (não uma CPI, me entendam) foi criado para apurar em detalhes a participação dos militares australianos no Afeganistão.
O comitê descobriu recentemente, depois de meses de trabalho, que as tropas australianas "assassinaram" 39 pessoas (as aspas aparecem no relatório em inglês) entre prisioneiros, trabalhadores rurais e outros civis. E o mesmo comitê descobriu e recomendou que 19 soldados sejam investigados pela polícia.
Evidentemente, esses soldados obedecem ordens de seus superiores, donde... O interessante, é bom notar, é que não foi o governo do Afeganistão que saiu atrás dos criminosos. Baseado no princípio
de que a justiça existe para ser aplicada, o governo australiano está colocando sob investigação estes 19 suspeitos e quem mais vier a ser envolvido.
Dois aspectos do que vimos acima me fazem refletir. Na Austrália não existe essa espécie de couraça de intocabilidade que envolve o militar. No Brasil eles ainda são uma espécie de casta. Este é o primeiro.
O segundo tem a ver com a aplicação da justiça. Isso me traz à memória a figura do ex-prefeito do Rio, que foi julgado e condenado a algumas décadas de prisão. Depois de poucos anos detido, anda hoje de tornozeleira, mora de frente para o mar, e pode viajar para onde quiser dentro do país. Como disse o nosso saudoso Millor Fernandes, "a justiça farda mas não talha". Faz sentido pois, pelo que temos visto, nossa justiça tarda, retarda, atrasa, prorroga, retrocede e – na maioria das vezes, e certamente – sempre falha.
Marcus Cremonese, Rylstone ( Austrália ) Jun 23