O maestro Raimundo Aurélio de Melo, piauiense da gema mais antiga (Oeiras, a primeira capital), estava como sempre bem-humorado na manhã da quarta-feira, 5 de fevereiro. O novo presidente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves recebeu uma comissão que representa o coletivo de artistas “Cada Louco É um Exército!”, liderado pelo também filósofo, jornalista, funcionário público, cantor e compositor, José Marques de Sousa Filho. O publicitário Rubem Magalhães e o dramaturgo Aci Campelo compuseram o grupo.
Ícone da cultura piauiense, Aurélio prefere ser chamado de maestro, dispensando as mesuras e vênias. Pompas e salamaleques de jeito nenhum. Melo Já garantiu o verbete do seu nome como artista de projeção na Grande Enciclopédia da Cultura do Piauí. Tem o grato e raro privilégio de ser reconhecido e consagrado em vida. Mais que isso, ele é popular. E erudito simultaneamente.
Se alguém perguntar pelo hino de Teresina, certamente terá quem arrisque cantarolar “Ai troca, quem troca destroca, minha Teresina não troco jamais”, que além de Aurélio, José Rodrigues fecha o duo da composição da provável música piauiense mais conhecida. O hino oficial de Teresina é de autoria de Cineas Santos e Erisvaldo Borges, mas apenas uma pequena parcela de teresinenses o conhecem. A música do maestro foi composta bem antes. De forma que é uma concorrência desleal do ponto de vista de receptividade popular. Quem é de Teresina sabe bem o que escrevo.
O disco “Suíte de Terreiro”, do grupo Candeia, é outra pérola que registra um período pela busca da piauiensidade em nossa música urbana. Afora outros trabalhos, como Ensaio Vocal, diversos corais e a Orquestra Sinfônica de Teresina, que têm há 30 anos a marca bem-sucedida de Aurélio Melo. Talvez o nome melhor escolhido pelo prefeito Sílvio Mendes a compor o seu secretariado. Com baixa rejeição entre seus pares, tratado com carinho e respeito pela maioria, chega com altíssima expectativa da categoria como a pessoa que pode organizar o caos resultante do sucateamento da gestão encerrada em 31 de dezembro.
Herança desafinada
No dia 2 de janeiro, os veículos de comunicação repercutiram as declarações do gestor, que informava que a Fundação tinha uma dívida de R$ 5 milhões. Na última terça-feira, 4, o prefeito Sílvio Mendes, que já descartara qualquer recurso para o Carnaval, afirmou que somente em seis meses as finanças da PMT vão ter um respiro. A partir daí vão vislumbrar um horizonte para investimentos. A situação da prefeitura é de penúria. Faltando o básico nas unidades de saúde.
A Cultura é sempre a primeira pasta a ir ao sacrifício, tendo suas verbas limitadas sob a contenção da ordem prioritária. Dentro de uma situação caótica, o segmento que traz um retorno de 6 reais para cada 1 real investido, movimenta uma indústria pouco explorada na capital. Os últimos anos foram de um grande recuo, redução, sufocamento e extinção de projetos que davam manutenção em uma política cultural que funcionava.
Tem cachês de artistas que prestaram serviços à Fundação Cultural que está para fazer o segundo aniversário de atraso. Se pagarem, não terá correção monetária. Segundo o maestro, o aluguel do prédio onde funciona a administração da FCMC, quase esquina das ruas 7 de Setembro com Félix Pacheco, no Centro da capital, está há 14 meses sem pagar o locador.
Dos R$ 5 milhões do endividamento da Fundação, mais de 1 milhão já foi debelado com a quebra de contratos. Um deles, que mantinha a prestação de serviços de 40 trabalhadores, quando foram apurar direitinho, só 14 compareciam ao emprego. Algumas dívidas se perderam no percurso e os credores terão que comprovar documentalmente para avistarem seu pagamento.
Aurélio revelou ainda que os músicos da Orquestra Sinfônica de Teresina estão desde setembro de 2024 sem receber seus proventos. O maestro disse que algumas vezes, ele e outros companheiros, tiveram que botar a mão no bolso para garantir o funcionamento administrativo da OST (que atua na modalidade associação), pagando seus débitos com taxas governamentais. O Natal de alguns artistas foi muito complicado. É possível que muitos deles venham enfrentando necessidades porque a gestão anterior da PMT não honrou seus compromissos.
No final do ano passado, durante uma apresentação natalina da OST no Parque da Cidadania lotado, Aurélio relatou que recebeu um recado desaforado do ex-prefeito, que estava na plateia. Segundo o artista, o alcaide dizia que já estava bom de músicas gospel e que era para ele tocar um piseiro para o gestor dançar.
Revitalização do Centro
A pauta principal é foco das ações do coletivo de artistas. Sensível ao tema, Aurélio ouviu atentamente as reivindicações do cantor Zé Marques. O artista solicitou o empenho institucional da Fundação no auxílio ao patrimônio histórico e arquitetônico, defendendo as causas comuns de interesse de todos os teresineses.
Citando o Cine Rex e a Central de Artesanato Mestre Dezinho, onde é travada uma batalha pela preservação e o funcionamento sob uma nova mentalidade de quem vive os efeitos das mudanças climáticas. Desconhecendo e desconsiderando o parecer dos que viveram momentos históricos da cultura piauiense no palco da Central, o gestor da Sudarpi (um jovem arquiteto com pensamento arcaico) pensa que vai passar à posteridade pela reforma de piso e banheiros, mas tem tudo para garantir seu nome na galeria dos vilões, que não preservam e ainda destroem a memória de uma cidade
Zé também discorreu sobre o caso do “calabouço”, espaço onde as vítimas piauienses da ditadura militar ficaram encarceradas, em um dos boxes de permissionários do Centro de Artesanato. Um amplo salão subterrâneo onde a tortura deixou suas sequelas em pessoas que estão entre nós. A história viva corre o risco de ser apagada pela falta de sensibilidade ao não acatar a construção do memorial da resistência. Idealizado para garantir a preservação dos tempos de chumbo, é ignorado pela gestão da Superintendência de Artesanato.
Aurélio educadamente justificou que eram causas de outra esfera. Investido do cargo de presidente da Fundação, Melo já tem problemas mais do que o suficiente para enfrentar. A gestão do Dr. José Pessoa Leal deixou um rastro de destruição na área cultural também. Um desmonte total das políticas públicas que vinham há tempos funcionando a contento. Centenas de crianças e jovens deixaram de receber as instruções dos oficineiros arte-educadores.
Rubem, o criativo publicitário, apresentou a ideia e algumas peças que complementam o projeto de revitalização da zona central e o sítio histórico de Teresina, passando pelo olhar cultural. A reocupação do Centro só é possível num grande esforço conjunto orquestrado com a participação de todos os atores envolvidos. Moradores e empresários que ainda resistem, o poder público e os artistas podem reverter o abandono se unirem as mãos e construírem um plano coletivo.
A ideia do “shopping cultural”, propositura de Rubem, vem à reboque da ideia do Corredor Cultural. Encontrando espaço para viabilizar o turismo por meio da acomodação de bares, restaurantes e casa de shows nas imediações do ponto nevrálgico. Atraindo os turistas por onde deve circular arte e cultura, que revitalizam e dão o sopro de vida ao grande projeto. Somente a atividade cultural é capaz de manter o interesse e a frequência dos visitantes. Além do consumo interno de nossa população aos bens produzidos por nossos artistas.
O maestro demonstrou interesse e abriu agenda para aprofundar o acesso ao projeto em seus detalhes. São aportes onde a Prefeitura Municipal de Teresina entre com a sua força institucional. A marca que agrega valor vai abrindo portas e fortalecendo um primeiro momento de chamamento do povo à diversão de qualidade, com ofertas de serviços a preços honestos. Idealizado para empregar muita mão-de-obra, que vai precisar de treinamento para atender bem.
Carnaval 2025
Zé Marques apresentou uma proposta de iniciativa privada para revitalizar o carnaval do Centro neste ano da graça de 2025. Propondo um mergulho nas décadas passadas, carros antigos e foliões com suas fantasias que também propõem uma viagem no tempo, compõem o cenário na Praça Aquidabã à folia momesca. Não vamos dar muito spoiler, ainda. A produção está em campo e promete entregar uma opção de carnaval 0800 a quem ficar em Teresina.
O compositor pediu que a PMT entrasse com a isenção das taxas municipais necessárias à realização do evento. A solicitação encaminhada por ofício foi recebida para ulterior apreciação e despacho. Simpático à proposta, Aurélio difere bem de um ex-gestor da pasta que cometeu um infeliz sincericídio anos atrás. Caiu na esparrela de revelar que não gostava de Carnaval. Acho que ele se arrepende até hoje de não separar a pessoa do gestor.
Embora tenha sido muito receptivo durante a campanha eleitoral que o trouxe à PMT, o Dr. Sílvio Mendes não tinha ideia do presente de grego que ia receber em janeiro. Prometeu ao dirigente da Escola de Samba Skindô, Jamil Said, que iria revitalizar a apresentação das agremiações que estão no estaleiro há anos. Sem o subsídio municipal, as escolas não conseguem ir à avenida desfilar seus enredos.
Com as contas no vermelho mais encarnado, a PMT não tem dinheiro nem para remédio dos mais básicos. Está faltando paracetamol nas UBS’s, com o período de maior infestação das doenças transmitidas pelo mosquitinho rajado da dengue. É assustadora a realidade financeira deixada ao prefeito Sílvio e à sua equipe. Nem escolas de samba nem bloco de sujos. Na cidade que conseguiu colocar o Corso como o maior do mundo no Guiness Book, quem quiser curtir a alegria de Momo vai ter que botar a mão no bolso e usar a criatividade.
Balé da Cidade
Perguntado pelo do Balé da Cidade, Aurélio afirmou que é uma situação bem delicada. Sem receber seus salários desde julho de 2024, a entidade que abriga bailarinos, arte-educadores, instrutores de capoeira técnicos em espetáculos e oficineiros, está inadimplente com as suas obrigações administrativas, paralisando-a juridicamente. Estando inabilitada nem para receber seus proventos em atraso.
A Associação Amigos do Balé da Cidade de Teresina, comandada por Chica Silva, anunciou publicamente as dificuldades que enfrentava em abril do ano passado, com o rompimento do contrato com a Fundação. Repercutiu intensamente e a opinião pública manifestou-se em defesa do grupo. O então gestor da FCMC, Stanley Freire, conseguiu manter o balé temporariamente, mas os demais artistas e profissionais abrigados na associação foram demitidos. Um grande prejuízo para a comunidade.
Os artistas que resistem no Balé da Cidade cobram seus salários atrasados. Por outro lado, a fazenda pública exige que toda a atividade que receba verba pública esteja devidamente com comprovação documental registrada. Só assim é consignado na conta, após processo. Especialmente no caso que é “restos a pagar” oriundo de outra gestão. São os trâmites da burocracia tornando a atividade artística ainda mais desafiadora.
Percebi a boa-vontade do maestro em relação a maioria das linguagens abandonadas na gestão anterior. Ele mostrou valores de orçamentos de outros grupos gestores. Comparou os números e falou esperançoso que as coisas tendem a melhorar. Aurélio acredita ser possível recuperar a maior parte das atividades mantidas pela FCMC que davam alma à cidade. O Balé vai sobreviver. Quem sabe a OST não desenvolva uma peça para ser coreografada pelos artistas heróis da resistência bailarem.
Lei A. Tito Filho
Há doze anos congelada, a única lei de incentivo à cultura de Teresina deixa uma imensa lacuna que jamais será preenchida. Criada em 24 de março de 1993, pelo prefeito Raimundo Wall Ferraz, com o empenho e zelo da primeira-dama, Dona Eugênia, durante muito tempo foi o único mecanismo fomentador de projetos artístico-culturais do Piauí. Esteve à frente da lei estadual de incentivo em números. Foi protagonista no auxílio a grandes obras executadas.
Calcule-se o vácuo, o hiato deixado com a ausência do incentivo circulando. O que sobrecarregou o SIEC. Agora com a obrigação de atender o estado e a capital. Sistema que cresceu muito no aporte, mais deixa uma imensa nuvem de dúvidas da forma como os recursos são repartidos. A falta de transparência é notória na sistemática que decide quem tem o projeto aprovado ou reprovado.
Lançado nessa quarta-feira (5) com a promessa de repassar R$ 13 milhões, a cada ano que passa chovem denúncias das atividades pouco republicanas dentro da lei estadual de incentivo à cultura. Os artistas que não conseguem entrar na “lista dos escolhidos” fazem parte do rebanho de ovelhas negras rejeitadas, que está crescendo e usando as redes sociais para fazer relatos bombásticos, clamando pela intervenção dos órgãos de controle e de repressão. Mas é outro assunto.
O que interessa gora é a ressureição da Lei Nº 2.194/93, que faz justa homenagem ao barrense mais teresinense que existiu, José de Arimatéa Tito Filho. O gigante das letras empresta seu nome, que ficou popularmente conhecida como Lei A. Tito Filho. Ela está nos sonhos de cada artista teresinense. O impacto de sua ausência é lembrança que lateja em muitos corações e mentes diferencidos da Mesopotâmia do Sertão de Dentro.
O maestro informou que todas as pendências da Lei estão resolvidas e ela está apta a voltar a funcionar. O alento serve como um próximo passo, apoio da PMT e dos vereadores para o debate, revisão e construção da Nova Lei A. Tito Filho, com os artistas de protagonistas. Temos todo este ano, já que a lei prevê que o município abra mão de uma parte do ICMS, que é descontado pelas empresas dispostas a investir nas propostas. O retorno da Lei precisa estar previsto no orçamento, mas só é possível para o exercício do ano fiscal de 2026.
Entramos no gabinete franciscano de Aurélio às 9h50 e saímos por volta de 11h30 enriquecidos por um bom papo. A conversa rendeu. Foi leve, atenciosa e até divertida. Falou-se sobre muitos assuntos. Alguns nem mencionamos dada a necessidade de focar em assuntos de urgência urgentíssima. É difícil saber o que é mais urgente no processo de restauro da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Nem falamos sobre Museu da Imagem e do Som nem do Plano Municipal de Cultura, cuja proposta foi entregue da Câmara Municipal no ano passado.
O maestro, que sabe muito bem como a banda toca, está com a batuta tinindo. É notável como está imbuído dos melhores propósitos, mas com os pés no chão. Não parece ser do tipo que vai jogar a biografia bem construída para o alto a troco de um partitura política mal escrita. Antes de qualquer coisa, tem que arrumar a casa, que está para lá de bagunçada. Estamos na torcida para que conduza uma exitosa gestão. Boa sorte!
Por: Willian Tito