Ainda é cedo para afirmar categoricamente, cravar algo, mas as coisas vão começar a acelerar. Logo logo teremos as respostas. O cenário mudou. A consecutiva derrota do deputado Fábio Novo, que disputou a Prefeitura de Teresina em 2020 e 2024, fragilizou a potência política que ascendia.
Aliás, se formos contabilizar com mais precisão, Novo sempre leva a pior quando concorre com um idoso. Perdeu para o então deputado Themístocles Filho, em 2015, que conseguiu se reeleger pela 6ª vez seguida à presidência da Assembleia Legislativa do Piauí.
A peculiar história da fatídica eleição tem momentos marcantes. Segundo apurado na repercussão do que foi noticiado na época, Fábio preparou um lauto jantar. Na noite anterior, 18 deputados compareceram ao banquete, confirmando em uma foto que tinha a maioria. Os tribunos chegaram a assinar um termo de compromisso com o candidato. Quando abriu as urnas, a imagem da noite anterior não bateu. Tinha apenas 14 votos.
Não foi revelado quem traiu quem. Na busca pelos que prometeram e não entregaram, os fortes rumores apontavam para o fogo amigo. Inclusive do próprio partido, o PT. Novo, na verdade, originalmente, não é do Partido dos Trabalhadores. Ele vem do PSDB (1995/2005), quando começou sua militância político-partidária em Bom Jesus do Gurgueia, como vereador (1997/2001) e vice-prefeito (2005/2007).
Foi quando ingressou no PT, concorrendo a deputado estadual (2006) e conquistando a primeira suplência. Assumiu na Alepi no final de 2007, num movimento de acomodação política do então governador Wellington Dias, que sempre apostou e investiu em seu pupilo.
Após a derrota para Themístocles, Fábio licenciou-se da Alepi para assumir a Secretaria de Cultura, onde ficou até começarem a pipocar as denúncias de privilégios, direcionamentos, favorecimento de uns artistas e amigos e perseguição de outros. Principalmente na pandemia da Covid-19, durante a aplicação dos recursos da Lei Aldir Blanc. Assunto que vamos abordar no decorrer do texto.
Voltando às derrotas a idosos, Novo enfrentou Dr. Pessoa pela Prefeitura de Teresina, em 2020. Correndo por fora, ficou em 4º lugar, com 11,5% dos votos. Desse malogro ele estava ciente. Não tinha nenhuma chance. A proposta era aproveitar para projetar o nome para uma outra oportunidade.
Fábio Novo e Dr. Pessoa
Na eleição deste ano, Fábio começou cedo sua campanha. Desde 2023 estava empenhado fortemente em conquistar a PMT. O sonho era visível no horizonte. Com o prefeito Pessoa sem a mínima chance, seu real adversário era Sílvio Mendes, que vinha de derrota a Rafael, em 2022, no primeiro turno. Os petistas, empolgados, achavam que iam repetir a dose.
Fábio Novo e Sílvio Mendes
Na campanha, chegou de salto alto, ironizando o principal adversário. Sílvio teve que rebater as críticas que promoviam o etarismo. A idade do prefeito eleito, 75 anos, não o diferenciou em nada dos demais adversários. Seu desempenho foi tão intenso quanto dos concorrentes. Talvez até mais que alguns. No final, com todas as pesquisas de intenções de votos dando sua vitória, mais uma vez foi derrotado por uma pessoa idosa.
Dessa vez, Fábio dormiu com os números que apontavam sua vitória no primeiro turno. Aconteceu o contrário. Na resenha pós-eleição, nos comentários entre alguns jornalistas, surgiu mais uma para o anedotário da política piauiense: “O Novo sempre perde para um idoso. Talvez quando for idoso possa ganhar de um novo”.
E agora?
Depois do apito final nas eleições municipais deste ano, instantaneamente, iniciou outra competição. Ainda mais concorrida. Deputado estadual, deputado federal, senador (duas vagas), governador e presidente da República, que já estão em campo para conquistar, manter seus postos ou fazer seus sucessores. É o cenário que se vislumbra no horizonte.
As eleições municipais modificaram completamente o campo de batalha onde vai acontecer a eleição de 26. É nesta nova ambientação que os jogadores vão ocupar seus postos. Quem ganhou, sobe. Quem perdeu, fica no mesmo lugar. Ou desce. A partir de agora, quem vai disputar a próxima jornada eletiva já está com o seu grupo, com o seu planejamento e o bloco na rua. Ou nas mídias sociais.
Os vencedores querem seu galardão. O reconhecimento tem que ser materializado com espaço na gestão governamental. Postos, cargos, patentes, sinecuras e secretarias. Vem aí a famosa reforma administrativa. O governador usa eufemismos para amenizar o peso da expressão, mas admite pequenos ajustes.
Na Alepi, o deputado Franzé deu o tom do resultado das urnas. A eleição de domingo, 6, já ribombava na terça-feira, 8, com a exoneração em massa de todos os cargos comissionados do Legislativo Estadual, com efeito a partir de 1º de outubro. O presidente da Assembleia, que é do PT, zerou. Cortou de uma vez só. Quem quiser ocupar ou reocupar cargos vai ter que conversar com ele. Deve pleitear uma cadeira na Câmara Federal.
Deputado Franzé Silva (PT), presidente da ALEPI
O sinal luminoso de 2026 vai ficando cada vez mais forte no radar político. Pulsa. O governador Rafael vai dar respostas aos pedidos de seus aliados. Será com eles que vai marchar à reeleição. Na ponta do lápis, o homem da matemática já deve ter calculado a proporcionalidade exata do exército de ocupação.
Na readequação do governo, dá para aplicar os princípios newtonianos. Já na política eleitoral, a matemática é einsteiniana. É na Teoria da Relatividade Geral. Dois mais dois pode ser quatro, mas nem sempre. Os partidos terão cada um o seu naco, num cálculo cartesiano. No espaço-tempo das urnas, o voto dos aliados que ganharam tem que gravitacionar em torno do governador. Manda quem tem voto e obedece quem tem espaço.
Dentro de casa
Os boatos da reforma na gestão estadual espalharam-se num rastilho de pólvora e encontraram-se nas análises internas do desempenho do Partido dos Trabalhadores. Claro que o resultado foi explosivo. A semana que passou trouxe um grande desconforto nas instâncias do PT.
Os debates foram profundos. Entrou em pauta a perda de identidade de um partido orgânico. O eleitor está com dificuldade de identificar suas bandeiras históricas nos novos rostos que apareceram recentemente. Mesmo elegendo 7 vereadores na capital, uma significativa parte de petistas, inclusive com mandato, não traduzia a imagem da felicidade.
A maioria da bancada eleita pelo PT vem de outros partidos. 2024 exigiu acordos de mútua ajuda. Sobrevivência política. O mais votado, Joaquim do Arroz, teve voto suficiente para puxar outro. A chapa foi costurada para fazer até 8. E por pouco não conseguiu. É um recorde para a agremiação política em Teresina. Por que muitos não estão felizes?
Porque quantidade não é qualidade. A militância reclama da falta de compromisso com as pautas partidárias dos neopetistas. Os petistas de sangue rubro não conseguem se reconhecer em seus representantes eleitos. Já o vereador mais votado, achando que número é poder, arriscou-se em comentar sobre a sucessão na presidência da Câmara Municipal, recebeu um pito de quem obteve menos da metade dos votos dele.
Joaquim Caldas, vereador mais votado do PT em Teresina
A Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos, SASC, virou alvo da cobiça dos aliados que levaram a melhor nestas eleições municipais. Sempre foi. A capilaridade com o eleitorado é o principal ponto de atração. Assistência e assistencialismo vêm da mesma raiz. A SASC tornou-se o cabo de guerra dos políticos aliados do governo.
Regina Sousa, secretária da SASC
Adiantando-se e justificando com um argumento pessoal muito forte, problemas de saúde, Regina Sousa na manhã da segunda-feira passada, 21, comunicou ao chefe do executivo que deixaria a pasta. A celeuma estava armada. As tendências políticas internas do PT reagiram e provocaram um encontro entre o governador Rafael, o ex-governador W. Dias; o presidente da executiva estadual do partido, João de Deus; e a gestora, que recuou e prometeu ficar.
Cúpula petista reúne-se e Regina desiste de sair da SASC
Só não se sabe até quando. Alguns apostam que do fim do ano não passa. Tempo para esperar a poeira baixar e negociar com calma a saída e a reocupação. Numa pasta de grande força, mas com a gestora “sem votos” e nem expectativa de disputar cargos eletivos, vai ser muito difícil mantê-la. Embora a ex-governadora seja uma referência icônica do partido, o pragmatismo político vai falar mais forte.
Secult
Outro alvo não menos cobiçado é a Secult. Nas mãos do deputado Fábio Novo desde 2015, a secretaria vive seus piores momentos. No início da campanha oficial à PMT, um caderno de provas das investigações que apontam desvios de recursos da Lei Aldir Blanc veio à tona.
Dos mais de R$ 37 milhões repassados em 2020 da verba emergencial para artistas vitimados pela pandemia da covid-19, mais de R$ 7 milhões foram desviados, segundo apontam os orgãos de controle, CGU, COAF, MPF e PF. Entretanto, o deputado Novo afirmou durante entrevista à rádio Clube News FM, em 3 de setembro deste ano, que “Apenas 1 milhão está em investigação”, mas não deu provas de sua afirmação.
O escândalo em 2020 rendeu protestos de artistas que foram se manifestar em frente a Secult. Principalmente dos que foram prejudicados no edital João Claudino Fernandes, com mais de 200 beneficiados sem nenhuma ligação com a cultura. Além de jornalistas, que seriam amigos do então secretário e receberam valores altos. Outros, que têm carreiras relevantes na arte, não receberam nada.
Em 5 de setembro, diante das pressões que vinham de todos os lados, o então secretário de Cultura, Carlos Anchieta, pediu demissão e o governador aceitou. Nenhum dos envolvidos diretamente com a operação Front Stage, deflagrada pela PF, em 29 de agosto, pronunciou-se sobre os fatos publicamente. Os implicados têm adotado o silêncio.
Carlos Anchieta e Fábio Novo
A titular da Gerência de Licitações da Secult, Ingrid Pereira da Silva, que gosta de ser chamada de Ingrid Persi, assumiu a titularidade. Ou seja. Não mudou nada. Fábio saiu em 2020, diante das fortes acusações. Entrou Anchieta, que exonerou-se diante das denúncias vigorosas da PF, que passou à sua gerente de licitações. Mudou-se a cabeça duas vezes, mas o corpo segue o mesmo. A conta não fecha.
Fábio Novo e Ingrid Pereira Silva
A fragilidade diante das investigações e de que existem bem mais que desalinhos de gestão, somam-se a perseguições de artistas, privilégios de outros, favorecimentos para poucos e muita indignação entre os que militam no meio. Depois de quase 10 anos de poder na Secult, o órgão definha pela quebra de confiança com os artistas.
A decadência da gestão fez “esquecer” um dos maiores ícones da nossa história cultural. No próximo dia 9 de novembro Torquato Neto faria 80 anos. O precussor da Tropicália, movimento que balançou o final dos anos 60 e repercute até hoje, foi completamente esquecido na programação da secretaria. Um grupo de artistas independentes tem trabalhado para não deixar a data passar em branco.
“Rei morto, rei posto”. Não se sabe quanto tempo a Secult vai ficar nas mãos de Fábio Novo e seu grupo. Eles têm resistido. Mas a instituição não é páreo para a fome de poder de quem ganhou as eleições e faz parte da aliança governamental. Por outro lado, o governador Rafael ainda não teve chance de colocar alguém escolhido por ele na gestão cultural. Novo vem importado da gestão anterior.
Fábio Novo, Rafael Fonteles e Carlos Anchieta
Todas as investigações que ainda vão eclodir envolvendo verbas públicas da Cultura não têm nada a ver com o governo Rafael. Manter o mesmo grupo será só desgaste daqui para frente. Para quem pretende a reeleição, a Secult do jeito que está é atraso e dor de cabeça. A mudança pode ser uma saída inteligente. Livra-se dos problemas que não são seus, mas que pode passar a ser se quiser manter o mesmo staff.
Prova maior vem agora. Com o dinheiro nos cofres do Estado desde março, a Aldir Blanc 2, PNAB, está pronta para ser deslanchada. Sabe-se que pode acontecer no próximo dia 5 de novembro. O incômodo no seio cultural é cada vez maior. A pergunta que ecoa no circuito da arte e cultura é: “A mesma equipe que estava nos desvios da Aldir Blanc 1 também vai gerir os recursos da Aldir Blanc 2?”
Legado?
Os primeiros anos de Fábio à frente da Secult foram alvissareiros. Muito empenhado em reformar o equipamento público, recuperou e adaptou casas de cultura, teatros e outros prédios. Agilizou o funcionamento do SIEC - Sistema de Incentivo Estadual à Cultura, que fomenta as iniciativas artístico-culturais.
Na seleção de propostas, está cada vez mais clara a política de alcançar o maior número de projetos alinhados com a casa. Entretanto, quem não reza na cartilha não leva. E quem reza tem que se contentar com 1/4 ou 1/3 do valor, que normalmente não dá para realizar o proposto. A Secult, diante das queixas, diz que é só um incentivo.
Assim, o segmento vai se precarizando. Valores para realizar uma peça com qualidade 5, cai para 2 ou 1, por exemplo. Quando consegue realizar. Teve gente fazendo longametragem com R$ 200 mil reais. Óbvio que o resultado foi horrível. Afora os que não conseguem realizar seus projetos e ficam com parte do dinheiro na mão, sem saber o que fazer. Se devolve ou se tenta mais uma vez com um novo projeto.
A falta de transparência no SIEC é outro grave problema. Das dez cadeiras disponíveis para o Conselho Deliberativo da lei, apenas três nomes vêm dos artistas. Sendo que duas são do SATED/PI, entidade apontada como ponto de partida das investigações da PF nos desvios da Lei Aldir Blanc 1. Ou seja, os artistas não têm a mínima chance de fazer valer seus interesses.
Os pareceristas do governo, que têm cadeira no conselho do SIEC, são apontados como incompetentes para julgar os projetos. Em sua maioria, oriundos de outros órgãos governamentais, não entendem patavinas sobre cultura e projetos culturais. Votam sem convicção o que aponta a maioria da Secult. Problema antigo sem perspectiva de solução.
Pedra no sapato
A política de exclusão coaduna com a falta de transparência. A Cultura tornou-se uma grande caixa preta. Ninguém sabe exatamente como funciona a gestão. As indagações se avolumam. A Secult está sob a mesma condução há uma década. Claro que o desgaste também é numeroso. Na mesma proporção. Não há como salvar a combalida gestão, eivada em seus tropeços. Daqui para frente, só cuidados paliativos e muito desgaste.
Por mais que Novo tenha trazido alguns momentos significativos, especialmente nas reformas dos prédios, o fomento é uma faca de dois gumes. Deveria incluir, mas exclui artistas e promove amigos e apaniguados. A circulação é um problema maior ainda. Dos que conseguem produzir, não tem onde circular.
Embora tenha muitos espaços para circular os bens culturais, muitas casas estão fechadas e pouco aproveitadas. Não há uma política específica para a promoção e capilarização num circuito cultural pujante. Ao contrário. O que havia, tem sido abandonado. Ninguém explica o porque do fim do projeto “Boca da Noite”, que todas as quartas-feiras agitava o Espaço Osório Júnior, no Club dos Diários.
A passagem de Novo pela Cultura carrega momentos de esplendor e de derrotas. Todas as glórias alcançadas são embaçadas pelas investigações da Polícia Federal. Muitos artistas se foram durante a pandemia. Vitimados pelos lockdowns, que tiraram suas chances de apresentar suas obras. Ficaram à míngua. Aí vem alguém num momento muito difícil e ainda desvia a verba emergencial. É imperdoável. Infelizmente, o legado sai manchado.
A Secult está mergulhada numa sistemática onde os membros fazem tudo para preservar seus cargos. A transparência não é um propósito. A exclusão dos que não seguem na linha do trem é uma constante. E a perseguição a quem questiona qualquer ponto frágil da gestão é certa. Diante do volume crescente de oprimidos, será difícil seguir do jeito que está com o mesmo efetivo. Uma pasta aparentemente calma e tranquila pode ser a pedra no sapato da reeleição do governador.