João de Deus Sousa, 68 anos, nascido no interior de José de Freitas, exerceu mandato de vereador de Teresina por 4 anos (1998/2002) e de deputado estadual por 18 anos (2003/2022). Formado em Química pela UFPI, o professor entrou na militância pela Educação em 1985, quando elegeu-se presidente da APEP (Associação dos Professores do Estado do Piauí), que antecedeu o SINTE - entidade que congrega os trabalhadores em educação, atualmente.
Presidiu a Central Única dos Trabalhadores em 1997, quando foi eleito para a mais poderosa entidade trabalhista do país. A defesa da pauta de interesse do trabalhador está no sangue, nasceu com ele. Filho de lavradores, João sabe o que é a dura lida do homem e da mulher do campo desde menino. Na lavoura, teve a primeira oportunidade de ver o resultado do suor do trabalho na ponta da enxada. Seu destino estava traçado. Do roçado ao professorado foi um pulo. Mola propulsora de suas batalhas políticas e os doces resultados de suas conquistas eleitorais. E também de suas derrotas. Todas assimiladas com mansidão, que caracteriza o presidente estadual do PT.
Deputado João de Deus
João tem clareza dos cenários eletivos, do panorama mutante da sociedade da tecnologia que transforma tudo em minutos e aponta caminhos para a esquerda, que vibra em cada um dos seus genes. No Partido dos Trabalhadores, que fez 45 anos no dia 10 de fevereiro, sua primeira e única agremiação política, está há mais de 40 anos. Comandando o diretório estadual, está no exercício do seu terceiro mandato. João de Deus nos recebeu para um bate-papo franco na tarde de segunda-feira, 17, na sede do PT, no Centro da capital piauiense.
Entrevista
Willian Tito (WT) - O partido dos trabalhadores no Piauí, especialmente em Teresina, vem observando uma espécie de recuo do reconhecimento popular. A percepção que a gente tem é que muitos dos eleitores não se identificam mais com a aparência atual do partido pelos seus representantes eleitos. Não conseguem se enxergar naqueles deputados, naqueles vereadores que vieram de outros partidos e que acabaram ingressando no PT. A gente entende que é uma forma do partido se manter mais forte, de crescer. Porém, ele também pode perder a sua identidade. Como o senhor observa os dois lados da mesma moeda?
João de Deus (JD) - Na verdade, a política mudou muito. Eu tiro isso pela minha vivência política. A situação está cada vez mais complicada. A tendência é aqueles que ainda resistem saírem do espaço da disputa. Eu digo isso porque eu fui do movimento sindical, movimento estudantil. Estive à frente do movimento dos professores e terminei me desgastando muito porque minha categoria, foi a que mais brigou com os outros governos e, consequentemente, também com o governo do PT. Como eu era governo, ficou meio difícil para sobreviver politicamente. Mesmo assim, acompanhando a base do partido, consegui uma reeleição. Mas o PT, por força das circunstâncias, no sistema político, sofreu muitas modificações, inclusive com a legislação sendo alterada para garantir a diminuição dos partidos. O PT teve que escolher abrir suas portas também para receber outros quadros, de outras forças políticas. Na última eleição nós resistimos até a última hora, mas tinha 2 ou 3 partidos com as portas abertas para as lideranças. A pergunta que foi feita é a seguinte: o PT tem o governo do estado. Se não se abrir, o PT vai sim ganhar o governo, mas com quantos deputados no meio de 30? Outro partido vai ter 15 deputados. Quem vai mandar no governo? Teve que se escolher e escancarar a porta do PT. Muita gente não raciocina nessa lógica, não avalia essa situação concreta. Também, por outro lado, a força do dinheiro nas eleições está cada vez mais terrível. Na minha primeira eleição, acho que gastei, para vereador de Teresina, uns R$ 50 mil, mais ou menos. Foi material de campanha. Na de deputado, eu tinha uma Kombi, já era vereador, estruturei com som. Fiz minha campanha e 85% dos meus votos foram em Teresina. Mais alguns na minha cidade, José de Freitas, e poucos em outras cidades. Hoje isso mudou por completo. Seria completamente impossível hoje. Fala-se em milhões, e não é pouco, para se conquistar uma cadeira. Quem vem de baixo, muitas vezes não dispõe desses recursos. O movimento sindical se fragilizou. O movimento social também. Isso é no mundo. Não é só no Brasil. A precarização do trabalhador com a mudança das estruturas das forças de trabalho. Muitas mudanças que prejudicaram a legislação trabalhista. Então quem foi capaz, pelo movimento social, de botar uma negra presidente de uma associação de moradores como a Trindade (Francisca das Chagas Trindade, 1966/2003) como deputada federal. Uma doméstica como Benedita da Silva, senadora da república, governadora do Rio de Janeiro. Um bancário como Wellington Dias, governador, senador. Uma Regina Souza, quebradeira de coco, governadora, senadora. Você vê isso com muito orgulho, mas infelizmente essa era está praticamente acabando no PT. Tem muito militante jovem, muita gente disposta no partido, mas existem outras variáveis. Como eu citei aqui algumas delas que seguramente vão estreitando a porta para gente com esse perfil.
A Kombi que marcou a história de João de Deus
WT - Com a força, principalmente das redes sociais, a mudança do protagonismo do jornalismo, que antes era dominado pelos veículos de comunicação abertos, televisões, rádios, hoje em dia, a narrativa que você quiser impor vai depender muito da quantidade de seguidores que você tem, da influência que você exerce, da capacidade de engajar que você tem na social media. O senhor percebe que, entre as variadas forças políticas que existem, o Partido dos Trabalhadores ainda não entrou nesse jogo?
JD - Percebo. Acho que nós estamos engatinhando nisso. Nós temos que tentar incluir, implementar um trabalho. Aqui no Piauí, estamos com um jovem secretário de comunicação do partido tentando implantar uma rede pelo whatsapp. Estamos treinando gente em cada município. É desafiador porque o PT ainda não conseguiu se apropriar desse espaço. É um espaço que termina de certa forma sendo mais democrático porque permite que uma pessoa simples, por exemplo, a gente estava acabando de falar que se depender da mídia tradicional, possa ocupar seu espaço dentro das redes e mostrar trabalho, dialogar com a população e, assim, consiga ocupar espaço, transformando isso em espaço de poder. Nós já temos vários exemplos no Brasil e no mundo. Então, acho que é o maior desafio da atualidade para os partidos de esquerda. Pode ser mais lento. Essa é outra avaliação que a gente faz: que as pessoas mais simples terminam não tendo um espaço pelo poder econômico, mas no espaço da comunicação nas redes sociais pode ser uma boa alternativa.
João de Deus, um sertanejo petista
WT - Deputado, na sua luta na militância política pela educação teve um momento em que foi preciso muita coragem, que se enfrentava governos extremamente ditadores, que tratavam professores na paulada, literalmente. Tem um episódio histórico que aconteceu na Praça do Liceu em que professores protestando foram atacados por agentes da segurança pública com cacetetes, sob ordem do então secretário de segurança, Xavier Neto. O senhor foi um das vítimas. Inclusive quebraram suas mãos. Posteriormente, já na Alepi como deputado, Xavier Neto deus as mãos a você. Como você analisa esse momento da sua história?
JD - É verdade isso que você falou. Nós fomos presos na Praça do Liceu, na manifestação que entregava a reforma do Liceu, em 1989. Naquele momento, a categoria (dos professores) estava com 6 meses de salários atrasados. Foram presos 11 professores. Dentre eles, eu estava presente. Fomos pro DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), que ainda era uma estrutura resquício da ditadura militar, que depois acabou. Lembro que o nosso saudoso Kenard Kruel também foi preso porque foi solidário a nós. Lembro do deputado Zé Reis, que foi lá tentar nos libertar. Colocou assessoria jurídica à disposição. Fui eleito em 2002, na mesma época, com o deputado Xavier. Um dia ele me procurou para pedir perdão: “Bichão, eu tô vendo que você é um cara legal. Eu me arrependo daquilo que eu fiz contigo porque eu não te conhecia”. Na verdade, ali era um ato da ditadura. Tanto é que não foi só o João de Deus que foi preso. Teve muita gente que foi presa, muita gente que apanhou. Inclusive saiu nacionalmente na TV Globo. Vendo o Sá Batista (professor e militante político) sendo arrastado na Praça Landri Sales. Eu sempre achei que uma das grandes qualidades do ser humano é quando ele reconhece o erro que ele comete ainda que seja tarde. Eu não tinha nenhum rancor. Para mim foi uma grande surpresa o pedido de perdão.
João de Deus, presidente estadual do PT
WT - O Partido dos Trabalhadores hoje vive, em relação ao seu maior líder, que é o presidente Lula, um momento de grande recuo de reconhecimento popular. As pesquisas de avaliação do governo apontam a menor popularidade histórica de Lula de todos os seus mandatos. O que está acontecendo com a política nacional que faz com que esse grande líder não tenha números positivos realmente expressivos?
JD - O Lula está no seu terceiro governo. É o quinto do nosso partido. Está pela terceira vez e já com a idade bastante avançada. Tudo na vida vai tendo desgaste. Eu vi várias pesquisas. Para uma disputa, são muito antecipadas. Ainda tem muito tempo pela frente. Também vi uma pesquisa confrontando com outros candidatos. Ele ainda é disparado a preferência do povo brasileiro. Quando perguntam assim: Você gostaria que o Lula fosse candidato a presidente? Às vezes até por dó, pela idade que ele tem, pelo desgaste, as pessoas até são contra pensando no melhor para ele. Porque não é fácil aquele espaço que ele está. No entanto, quando colocam o nome dele com outros candidatos, o eleitor é sempre favorável ao Lula. Em todas elas (as pesquisas), está ali com seus 35, 34% 33. Quando ele estava preso, quando confrontava com os outros, ele ficava ali com seus 36, com Bolsonaro nos seus 20 e pouco e, no final, ele terminou ganhando meio apertado. Mas eu avalio que o aperto se deu por conta das políticas que foram desenvolvidas na última hora para tentar, de certa forma, ludibriar a população. Programa como o Auxílio Emergencial. Dado para todo mundo sem critério. Mudaram a legislação, que não permitia que fosse feita nenhuma concessão no período eleitoral, que o Congresso Nacional acabou mudando para favorecer o Bolsonaro. Tudo isso foi feito e mesmo assim ele ainda perdeu. Eu ainda não vejo outro nome, hoje, para enfrentar o presidente Lula. Confesso para você que eu não vejo a própria direita, que disputava conosco lá atrás, que era o PSDB, uma direita mais racional, que discutia programas, projetos, essa já não existe mais, se acabou. Existe a extrema direita e ela mobiliza sim, mas ela também tem suas limitações exatamente porque ela defende o extremo, defende ideias extremadas. Agora nós vimos a eleição do Trump. Um negócio meio louco que está havendo no mundo. É nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Se você olha para trás, a direita estava com vergonha de assumir a sua própria cara. Ela voltou a assumir sua própria cara. Desavergonhada. Acho que a esquerda precisa se apropriar mais da história da humanidade. Por exemplo, Jesus Cristo era de esquerda. A prática de Jesus era uma prática de esquerda. A direita usa o nome de Jesus como sendo uma referência para a direita e não era. Porque Jesus defendia os mais pobres. Era contra a concentração de riqueza. Defendia os excluídos. Por isso que ele foi morto. Por isso que ele foi crucificado. Então eu vejo a esquerda falhando muito porque não faz esse debate. E eu acho que a gente tem que fazer esse debate com a população.
WT - Teresina está enfrentando uma crise que é recorrente em muitos centros históricos. O Centro histórico, arquitetônico, que também já foi o centro comercial, o centro financeiro, de meados da década de 90 para cá, houve um refluxo com a chegada dos shoppings e uma retirada lenta e gradual da população moradora do Centro, que se acentuou com a pandemia. Hoje nós vemos bolsões abandonados. Tanto residenciais quanto comerciais. Sensível a isso, o senhor está colaborando, dando oportunidade de realizar um Carnaval, que tem como principal objetivo reestruturar o corredor cultural. Fazer que ele seja catalisador novamente. O ponto de atração e convergência do retorno da população, futuramente. Por meio do Carnaval, usou-se uma forma de voltar a valorizar um grande símbolo da cidade?
JD - Eu compreendo que a gente precisa aproveitar o momento, inclusive chamar a atenção das autoridades maiores sobre a questão do centro da cidade. Imagina deixar morrer. As casas caindo, ficando fechadas. A concentração da violência no Centro. As pessoas com medo de andar a partir de um certo horário. Então tudo isso é muito ruim para a imagem do nosso estado, da nossa capital. Eu estive agora em Salvador. Aproveitei nas minhas férias e fui percorrer o centro da cidade. Como eu vi uma cidade viva no Centro. Aliás eu tive naquela igreja de São Francisco, que 15 dias depois caiu o teto. Enfim, muita gente no Centro. Aquela cultura viva, do povo presente. Estive no Pelourinho, muita gente de fora visitando. E Teresina é uma cidade que ela está aqui num centro, envolvendo vários estados, portanto ela tem tudo para dar certo. Eu fui no mercado. Quando vou em Fortaleza, não deixo de ir ao mercado. Teresina aqui, nosso mercado velho chamado é uma pérola, mas precisa ter atenção. Eu acho que tem que ter uma parceria com a prefeitura, no que pese ser outro partido, mas acho que tem que colocar em primeiro lugar os interesses da população. Parceria com o governo do estado e com o governo federal e transformar aquele mercado numa atração turística. Porque ele chama. Ele atrai. Porque ainda tem muita gente que gosta dessa coisa do mercado. Faz parte da história dos nossos centros urbanos. Acho que todo o centro da cidade, o centro cultural ali, polo cultural, Praça Pedro II, quanto shows. Cine Rex, quantos filmes a gente assistiu. Aliás, naquela época, tinha dois cinemas. Tinha o Rex e o Royal. No que pese a gente ter tido aí o surgimento do shopping, mas no shoppings tem público mais elitizado. O Centro é mais democrático. Ele é voltado para todos os segmentos, todas as faixas da população. Então eu decidi botar uma emenda para ver se a gente pelo menos no momento que se diz “Não tem Carnaval” e o Carnaval é uma festa brasileira. O povo gosta. Se o povo gosta, por que não a gente ter um momento, mesmo que seja modesto, a gente ter a oportunidade de se encontrar na Praça Pedro II e mostrar que a gente gosta de Carnaval, gosta do Centro. Ter aquela sensação de pertencimento. Nós queremos sim a nossa cidade funcionando em pleno vigor. O nosso Centro revigorado. É preciso que o povo se manifeste para que as autoridades saibam aquilo que o povo quer. E se o povo não se manifesta, vai sucumbindo. Eu vejo com muita preocupação e daí a minha contribuição.
WT - Eu vejo o João de Deus Sousa se movimentando bastante. Principalmente na sua base, na região de José de Freitas. Mas também indo para outros locais, aumentando seus tentáculos em outras regiões do estado. O João de Deus pretende buscar uma cadeira novamente de deputado estadual ou vai tentar se reeleger para comandar a executiva do partido?
João de Deus avalia retorno à Alepi
JD - Essa pergunta é feita quase todo dia. Eu tenho vários amigos que me incentivam: “Rapaz, continue. Você ainda é novo, tem que continuar contribuindo. Você é um cara bom, legal e tal”. Eu falei: Rapaz eu não estou muito empolgado. Estou fazendo o meu trabalho aqui no partido. Eu gosto de política e me identifico com uma política. Estou contribuindo. Na hora certa, eu vou tomar decisão, mas nesse momento eu confesso que não tenho nenhuma decisão. Fiz todo o esforço para eleger o prefeito de Zé de Freitas. Conseguimos eleger juntamente com outras forças lá da cidade, que é a minha. Era um sonho que eu tinha. Conseguimos eleger o Pedro (Pedro Gomes dos Santos Filho). É um amigo meu, que sempre votou comigo. Mas não parei ainda para pensar nessa estratégia não. Terminando esse processo do PT, que encerra no dia 5 de julho. Aliás 6 de julho. São as eleições para o diretório estadual e diretório nacional. Eu devo estar parando aqui para olhar para frente. Qual é o passo que eu vou dar ou vou recuar.
WT - Mas está confirmada a sua participação na disputa de reeleição da executiva estadual?
JD - Nossa corrente (partidária) é responsável por comandar o PT desde a sua fundação. É a mesma corrente do nosso ministro Wellington, da Regina, do Rafael, do Nazareno (Fonteles), do presidente Lula, da Gleisi Hoffmann, dessas lideranças. Então nós vamos fazer um seminário agora. Estou ajudando a organizar. Será posterior ao Carnaval. Lá pelo dia 7 de março. A gente quer colocar umas 300 lideranças do Piauí inteiro, para a gente debater os rumos do PT. Daí vai sair o indicativo de quem vai ser o presidente, quem vai ocupar os espaços.
WT - Seu nome está disponível?
JD - Eu continuo com o nome à disposição. Estou escutando (as lideranças). Inclusive estive em Corrente. Fizemos um evento no último sábado (15) muito bom na região. Vamos fazer o debate político.
WT - Qual a mensagem que o presidente do diretório estadual do PT deixa para a sua militância?
PT, primeiro e único partido de João de Deus
JD - A mensagem que a gente deve continuar teimando. Como diz o presidente, que a mãe dele dizia: “Teime. Teime. Teime”. A gente tem que teimar de alguma forma, ajudando a sociedade. E ela só vem se a gente lutar por ela. Não vai cair do céu. Acho que os ensinamentos da humanidade já mostram por si só. Os ensinamento de Jesus Cristo. Fazer o bem.
WT - E para os artistas, para os brincantes, qual é a mensagem?
JD - A cultura é a identidade de um povo. Eu estou tratando também deste assunto com o prefeito de Zé de Freitas. Na perspectiva de que a gente possa levantar a cultura da cidade. Porque é uma cidade que tem pouca identidade. Não tem uma marca. Não tem nada. E quem faz isso é a cultura. Tem o Bumba-meu-boi, tem o Reisado, tem a Dança de São Gonçalo, que tem tanto no interior de José de Freitas e o povo gosta. Agora como é que se apoia isso para dar uma dimensão muito maior? Aqui em Teresina ou em qualquer lugar do nosso estado, eu acho que a cultura é que dá a cara, que dá a identidade. E ela expressa um sentimento de pertencimento. Eu gosto do Piauí por isso, por isso e por isso. As marcas do Piauí são essas, essas e essas. Isso dá orgulho de falar em nome do seu estado, da sua cidade, da nossa própria cultura.