Gostaria de compartilhar duas recentes e importantes decisões dos nossos tribunais superiores – o STJ e o STF – relacionadas à produção e à validade da prova penal. Acredito que elas são fundamentais para reforçar o entendimento de que a elaboração de provas criminais exige não apenas expertise técnica, mas também estrita observância aos princípios e normas estabelecidos na Constituição Federal.
De início, é fundamental lembrar que a prova penal é colhida e produzida, em um primeiro momento, pela polícia e pelo Ministério Público. Contudo, essa prova, por si só, não possui força probatória suficiente para condenar uma pessoa de forma válida. Como costumo dizer, muitas vezes ela apresenta apenas uma aparência de legalidade, mas para que seja eficaz, é indispensável que respeite as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a sua produção em todas as etapas.
No primeiro caso, o Supremo Tribunal Federal determinou o trancamento de um inquérito contra o governador do Rio de Janeiro ao identificar irregularidades na condução de acordos de colaboração premiada.
O problema central foi que os depoimentos prestados pelos colaboradores, que implicavam o governador, não seguiram a observância do rigor constitucional. De acordo com o artigo 105 da Constituição Federal, cabe ao STJ processar e julgar governadores em crimes comuns. Quando o nome do governador foi mencionado na colaboração premiada, era obrigação das autoridades remeter o caso ao STJ. Contudo, isso não foi feito — a colaboração foi iniciada e conduzida em primeira instância. Diante dessa irregularidade, a investigação foi declarada ilícita.
Este caso evidencia que uma prova produzida sem a devida observância das regras constitucionais, ainda que apresente aparência de legalidade, não pode ser utilizada para uma condenação. Isso porque era obrigação da autoridade policial, ao tomar conhecimento da menção ao nome do governador, encaminhar o caso ao STJ, para que este decidisse sobre a competência para conduzir a investigação.
O segundo caso trata da necessidade de autorização judicial para a requisição de Relatórios de Inteligência Financeira elaborados pelo COAF quando provocados pela autoridade policial. A Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que, no caso de RIFs provocados — ou seja, quando são solicitados dentro de uma investigação específica —, o pedido ao COAF precisa passar pelo crivo do Poder Judiciário.
De uma forma ampla, nos relatórios espontâneos, o COAF, ao realizar suas atividades de inteligência financeira, identifica indícios de crimes em operações financeiras e encaminha essas informações, de ofício, às autoridades de persecução criminal. Já nos relatórios provocados, as próprias autoridades de persecução penal, durante o curso de uma investigação, necessitam ampliar o escopo investigativo e solicitam ao COAF a produção do relatório.
Na operação intitulada “El Patron”, envolvendo crimes de lavagem de dinheiro, economia popular e jogo de bicho na Bahia, verificou-se que os relatórios foram produzidos a pedido da autoridade policial, ou seja, os relatórios provocados, sem autorização judicial. Isso, segundo a decisão, configurou ilegalidade, uma vez que essa falha contaminou todas as provas subsequentes obtidas com base nos relatórios. O STJ, então, declarou a ilicitude das provas, determinando seu desentranhamento e resultando na anulação da operação.
Portanto, não é suficiente que a polícia ou o Ministério Público produzam uma prova com mera aparência de legalidade: é fundamental que todo o processo observe rigorosamente a legislação constitucional e infraconstitucional. Uma prova válida não é apenas aquela que aparenta ser legal, mas sim aquela que, em sua produção, respeita plenamente todas as garantias legais e constitucionais.
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