A apropriação indébita é classificada como um crime contra o patrimônio, especificado no artigo 168 do Código Penal Brasileiro. Esse delito ocorre quando uma pessoa, sob a premissa de confiança ou por autorização legal, está em posse legítima de um bem móvel e, deliberadamente, o incorpora ao seu patrimônio sem a permissão do verdadeiro proprietário.
Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A principal diferença entre apropriação indébita e furto reside no modo como o agente adquire inicialmente o bem. No caso do furto, o bem é subtraído sem que o proprietário tenha concedido acesso pacífico ao infrator, ou seja, ocorre a posse ilícita, já que o criminoso toma para si algo que não lhe foi entregue voluntariamente.
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Portanto, a diferença fundamental entre apropriação indébita e furto está na forma como o agente inicialmente obtém o bem. Na apropriação indébita, o infrator já detém a posse — direta ou indireta — de um bem pertencente a outra pessoa, adquirido de maneira pacífica e com o consentimento do proprietário. No entanto, o infrator quebra a confiança depositada nele ao se apropriar indevidamente desse bem. Em contrapartida, no furto, o bem é tomado sem o consentimento do proprietário, ou seja, a posse nunca foi concedida de forma voluntária pela vítima.
No julgamento do Agravo Regimental no AREsp n. 2.126.673/DF, conduzido pelo Ministro Olindo Menezes, Desembargador Convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 11 de outubro de 2022, confirmou a condenação de um advogado que, ao usar uma procuração, apropriou-se indevidamente de valores pertencentes a seu cliente, violando a confiança que nele havia sido depositada.
Trechos da ementa:
Tendo a condenação sido embasada nas provas colhidas nos autos, as quais demonstraram que o agente se apropriou de verba trabalhista devida à sua cliente, da qual tinha posse temporária em razão de sua profissão de advogado, bem como que a defesa não comprovou as suas alegações referentes à existência de fato impeditivo da pretensão acusatória, a pretensão de absolvição demandaria o revolvimento fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula n. 7/STJ.
Outro caso de apropriação indevida de valores por advogados envolveu um profissional que, abusando da confiança depositada por seu cliente, apropriou-se de recursos financeiros destinados a um propósito específico previamente acordado entre ambos. A questão central no julgamento era determinar se as ações do advogado constituíam crime de apropriação indébita, com foco especial no elemento subjetivo do dolo, ou seja, na intenção consciente de se apropriar dos valores, sabendo que tal ato ia contra os interesses e a vontade do cliente.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o recurso, decidiu negar o provimento, concluindo que o dolo na conduta do advogado estava evidentemente estabelecido. Um ponto essencial para essa conclusão foi o considerável intervalo de tempo entre a apropriação dos valores e sua eventual restituição ao cliente. Este atraso foi visto pelo Tribunal como uma evidência suficiente da intenção do advogado de se apropriar dos recursos, configurando assim a infração penal descrita no artigo 168, §1º, III, do Código Penal.
Confira trechos da ementa do Habeas Corpus n. 200.939/RS, ocorrido em 25 de setembro de 2012:
No caso dos autos, o paciente teria se apropriado da quantia pertencente à vítima no mês de dezembro de 2007, tendo efetuado o depósito dos valores a ela pertencentes apenas no dia 10.9.2010, após ela haver formulado duas representações contra ele, uma perante a Promotoria de Justiça da comarca da Espumoso/RS, e outra junto à Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Sul.
Desse modo, tendo transcorrido mais de dois anos entre a consumação da suposta apropriação indevida praticada pelo paciente e a devolução judicial da quantia devida à ofendida, e havendo nos autos notícias de que esta teria tentado reaver o seu dinheiro inúmeras vezes durante este período, não logrando êxito, não há como se concluir, nesta fase processual e na via estreita do habeas corpus, que o acusado não teria agido com dolo.
Embora as penas mínimas para furto e apropriação indébita sejam idênticas, conforme disposto no artigo 168, §1º, III do Código Penal, a apropriação indébita cometida em virtude de ofício, emprego ou profissão pode acarretar um aumento da pena em até um terço. Essa ampliação da pena reflete a maior gravidade da violação de confiança que ocorre em relações profissionais. Tal diferenciação é crucial para assegurar que a justiça penal sancione adequadamente aqueles que abusam da confiança depositada neles, especialmente quando utilizam sua posição para se apropriar de direitos pertencentes a seus clientes.