O Ministério Público do Estado do Piauí (MPPI) instaurou um procedimento preparatório para apurar possíveis irregularidades na realização de um evento promovido pela Prefeitura de Lagoa Alegre, no último 28 de abril, intitulado “Corrida de Jumentos”. A corrida, que ocorreu na zona urbana do município durante as comemorações dos 33 anos de emancipação política, gerou denúncias de maus-tratos aos animais utilizados na competição e de exposição de crianças e adolescentes a riscos, além de questionamentos sobre o uso de recursos públicos em atividade potencialmente ilícita.
A investigação foi iniciada a partir de uma representação feita por Cléverson Rodrigues do Rêgo, vice-presidente do grupo de proteção animal Vitório, sediado em União. Segundo a denúncia, os jumentos utilizados na prova teriam sido submetidos a práticas de crueldade, sem qualquer supervisão veterinária, em flagrante violação ao artigo 225 da Constituição Federal, que veda práticas que submetam animais a maus-tratos. A promotoria ressalta que a Constituição confere a esse dispositivo eficácia plena, obrigando o poder público a agir para prevenir e punir essas condutas.
O Ministério Público observa ainda que, embora a Emenda Constitucional nº 96/2017 permita exceções à vedação do uso de animais em atividades desportivas reconhecidas como patrimônio cultural imaterial e regulamentadas por lei federal, não há qualquer comprovação de que a “Corrida de Jumentos” em Lagoa Alegre possua esse reconhecimento formal. Dessa forma, o evento não estaria protegido pela exceção constitucional.
Além da questão ambiental, a promotoria também apura se houve violação de direitos de crianças e adolescentes, uma vez que há relatos de participação de menores na corrida ou mesmo exposição deles a situações de risco físico, psíquico ou moral durante o evento. Tais fatos, se confirmados, configurariam afronta ao artigo 227 da Constituição Federal e aos artigos 5º, 18 e 60 a 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Outro ponto investigado é a possibilidade de dano ao erário. A apuração pretende esclarecer se recursos públicos foram utilizados para custear ou apoiar o evento, o que poderia configurar ilegalidade caso se confirme o caráter ilícito da atividade.
Na portaria que converteu a denúncia em procedimento preparatório, o Ministério Público destaca a necessidade não apenas de investigar responsabilidades civis e administrativas de agentes públicos e terceiros envolvidos, mas também de adotar medidas preventivas. Entre as ações recomendadas estão a criação de políticas públicas locais de proteção e bem-estar animal, protocolos técnicos para qualquer evento com uso de animais (incluindo supervisão veterinária e proibição de instrumentos lesivos), além de ações educativas e fiscalizatórias voltadas à proteção animal e infanto-juvenil.
O MPPI também relembrou precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que têm reafirmado o dever de prevalência do bem-estar animal sobre argumentos genéricos de tradição cultural local, quando não há regulamentação específica nem reconhecimento formal como manifestação cultural imaterial.
A investigação poderá resultar em recomendações administrativas, termos de ajustamento de conduta ou até mesmo em ações civis públicas para responsabilização dos envolvidos.