Por José Ribas - Jornalista
A história do cristianismo é uma história de perseguição.
Desde os primeiros mártires lançados às feras no Coliseu, passando pelas fogueiras revolucionárias que tentaram apagar a fé na França jacobina, matando as Carmelitas de Compiègne, até os paredões soviéticos, onde padres foram fuzilados ao som do hino marxista, sempre houve uma turba ansiosa por silenciar aqueles que ousam professar Cristo.
Pouco se diz, aliás, que o primeiro genocídio moderno foi promovido por aqueles homens da razão, que, sem razão alguma, cometeram os crimes da Vendeia em 1793, tudo em nome de uma revolução que faliu diante de um cristianismo resistente.
Todos os dias, 13 cristãos são mortos pelo mundo por causa da fé e ignoram tal fato por ser ao progressista um fardo. Agora mesmo neste exato momento, na Síria, meninas que creem em Maria estão sendo assassinadas. É a fé dos que morrem e que irão para o céu, mas que a mídia tenta esquecer e que os intelectuais fazem questão de se desfazer.
O motivo, porém, é sempre o mesmo: o cristianismo é um espelho incômodo. Ele reflete nossa miséria moral e exige conversão. E a conversão, diferentemente da adesão cega às ideologias políticas, implica sacrifício, reconhecimento da culpa e abandono do orgulho.
O homem moderno, inflado por sua própria soberba, não suporta essa ideia de expor seus erros em um ato de confissão.
O episódio mais recente dessa guerra contra a fé tem nome e alvo certo: Gilson da Silva Pupo Azevedo, o Frei Gilson das Carmelitas.
O crime? Rezar on-line.
Durante a Quaresma, Frei Gilson tem promovido vigílias e pregações que arrastam milhões de fiéis, especialmente jovens, para a vida de oração e ascese nas redes sociais às quatro horas da manhã.
Ora, isso é intolerável para um governo que deseja monopolizar consciências e substituir a fé tradicional por sua própria liturgia ideológica.
Não demorou para que a máquina do Partido dos Trabalhadores (PT) e sua rede organizada de influenciadores e marketeiros bem pagos entrassem em ação, denunciou matéria do Estadão.
De um lado, jornalistas amestrados lançando artigos encomendados para “desmascarar” o frei. De outro, youtubers e perfis nas redes sociais vinculados ao lulismo, produzindo conteúdos recheados de sarcasmo para ridicularizar a fé cristã das pessoas simples que assistem pela madrugada as contas do Rosário.
Para eles, o cristianismo se tornou “bolsonarista”. Mas o que se esperar de pobres homens que não sabem o que é uma penitência ou mesmo uma promessa feita e ouvida.
Não basta, portanto, que a esquerda queira destruir as bases morais do Ocidente, como apontou o jornalista Douglas Murray; é preciso também caçar aqueles que ousam restaurá-las ou, ao menos, manter um pouco de esperança e sanidade.
A perseguição sempre se justifica com uma narrativa conveniente. Nos primeiros séculos, os romanos acusavam os cristãos de serem subversivos e “inimigos do povo”. Hoje, os inimigos da fé se apresentam como progressistas iluminados, combatendo um suposto “fundamentalismo religioso de extrema-direita”.
A tática é a mesma. O objetivo também: marginalizar os cristãos, ridicularizar sua crença e, se possível, bani-los do espaço público e agora, virtual.
Mas há uma hipocrisia gritante nessa cruzada: os mesmos que acusam Frei Gilson de misturar religião com política — sem prova —, não hesitam em se alinharem com padres, pastores e bispos ligados às suas próprias pautas progressistas.
O que eles rejeitam não é a interseção entre fé e política, mas sim a fé que não se dobra aos dogmas do materialismo marxista tardio e natimorto, os quais, ironicamente, contradizem essa mesma fé que desejam sequestrar.
A verdade é que essa tentativa de fundir cristianismo com ideologias políticas é uma falsidade moderna, fruto das chamadas religiões políticas. E, entre elas, nenhuma foi tão agressiva quanto o marxismo.
O pensamento marxista, herdeiro do gnosticismo hegeliano, busca transformar o mundo em um projeto de engenharia social, onde tudo – inclusive a fé – deve ser subordinado à política ou, se possível, banido, para que se possa construir um paraíso terreno baseado em boas intenções. Mas, como bem disse o próprio Marx, “o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções”.
Daí resulta uma inversão total da ordem das coisas. O cristianismo sempre entendeu que o homem não pode ser reduzido a uma mera peça na engrenagem histórica, pois ele é feito à imagem e semelhança de Deus. O marxismo, por outro lado, nega essa transcendência da alma e sacralidade da vida humana e, tenta reescrever a narrativa humana em termos puramente materiais.
O resultado desse “novo homem” é sempre o mesmo: desolação espiritual e miséria moral.
E enquanto para São Paulo, apóstolo, o “novo homem” era um Adão renovado em Cristo, restaurado pela Boa Nova para uma nova vida, fruto da redenção vicária. Marx, por outro lado, via o homem apenas como um produto das condições sociais, apostando em um comunismo puro e artificial.
Fiódor Dostoiévski já denunciava essa lógica ao analisar o “Catecismo do Revolucionário” de Sergey Nechayev, concluindo que era coisa de homens possuídos. Não à toa, intitulou seu livro Бесы (Biesy), isto é, Demônios.
O que incomoda em Frei Gilson, como em tantos santos e homens de Deus ao longo da história, é sua santidade. O homem moderno, viciado em suas paixões, prefere viver na ilusão de que é um pequeno deus, infalível e autônomo, acreditando que escolhas não tem consequências. Mas o santo é um lembrete vivo de que essa soberba nos afasta da verdade e nos lança no abismo.
Por isso, a santidade é tão insuportável para aqueles que desejam reinar sobre um mundo sem Deus. Santos não são o que se deseja nesta época obscura, mas são exatamente aquilo de que se precisa.
“O santo se confunde com veneno, por ser um antídoto”, dizia G. K. Chesterton.
E, se há algo que o cristianismo de fato é, trata-se de ser reacionário – no melhor sentido da palavra: ele é uma reação contra o mal. Contra o pecado que nos degrada. Contra um progresso que esconde nossa humanidade e nos vende a mentira de que somos deuses e que o paraíso está aqui.
Cristo arrebenta com a nossa revolta egofônica e nos lembra que fomos nós que matamos o Inocente. Seu sacrifício foi feito por nossos pecados, de bom grado. Somos iguais, mas não financeiramente, pois “a traça e a ferrugem corroem”, e sim em pecado.
Todos nós participamos do sacrifício da Vítima Inocente. Com sangue nas mãos, nós – você e eu – matamos o Filho de Deus e necessitamos de redenção. Santo Agostinho tinha razão e “nossa coração inquieto não pode repousar”.
E é por isso que tememos a cruz, pecadores imundos que somos: porque ela é justa. E isso nos assusta.
Agora, todos devemos carregar a nossa e nos responsabilizar por nossos atos. Aceitar a via crucis.
A cruz exige reconhecimento de culpa, mas preferimos afastar o cálice que traz o vinho da vida, pois tem gosto de vinagre e deixa um sabor acre na boca. Não queremos reconhecer nossa pequenez e, por isso, tentamos expulsar Deus da praça pública, do debate moral, da nossa própria consciência – e agora, até de uma live no Instagram.
Mas o cristianismo não desaparece, ele é dor incomoda da cicatriz que se cura do corte. Ele sobreviveu à Roma imperial, às ditaduras sanguinolentas e aos experimentos ideológicos do século XX.
A pedra edificada da Igreja não caiu. E não cairá. As portas do inferno não prevalecerão.
Que tentem calar Frei Gilson e outros como ele. Que promovam campanhas difamatórias, manipulem a opinião pública e criem novas formas de perseguição. No final, todas essas tentativas terão o mesmo destino das perseguições passadas: ruirão, enquanto a fé permanecerá.
Pois a cruz sempre vence. Pois a fé causa dores na vista, dado que “não se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas sobre o velador, e assim ilumina a todos os que estão na casa”.