Especial Lupa 1 - O Piauí no Poder
Num país onde os grandes estados costumam monopolizar o protagonismo político, o Piauí sempre soube colocar seus filhos em postos estratégicos em Brasília.
Mas há uma diferença fundamental entre os ministros piauienses de ontem e os de hoje: enquanto os primeiros eram escolhidos por sua expertise técnica, os atuais chegam ao poder pela força de sua articulação política e pela construção de bases eleitorais sólidas em seu estado natal.
A primeira geração – representada por nomes como João Paulo dos Reis Veloso e Waldyr Arcoverde – chegou aos ministérios pela porta da tecnocracia, durante regimes fechados ou de transição. Já a nova safra – Ciro Nogueira, Wellington Dias e Marcelo Castro – ascendeu por caminhos diferentes: pelo domínio das engrenagens do poder, pela habilidade de costurar alianças e, principalmente, pela capacidade de vencer eleições.
Ciro Nogueira: o político que decifrou o jogo
Ministro-Chefe da Casa Civil - Governo Bolsonaro
Tempo de mandato: 1 ano e 5 meses (De agosto de 2021 a dezembro de 2022)
Talvez nenhum piauiense tenha entendido com tanta precisão o funcionamento da máquina de Brasília quanto Ciro Nogueira. Durante 17 meses como ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, ele foi o fiador da governabilidade de um presidente em crise. Sua nomeação, em agosto de 2021, não foi por acaso – representou o momento em que o bolsonarismo reconheceu que precisava do Centrão para sobreviver.
A trajetória de Ciro é emblemática: começou como aliado de Lula, aproximou-se de Dilma, flertou com Aécio, abraçou Temer e, por fim, converteu-se ao bolsonarismo sem constrangimentos. Ao ser questionado sobre essa elasticidade ideológica certa vez, respondeu com sinceridade desconcertante: "Na política, você aprende a dançar conforme a música".
Essa capacidade camaleônica irritou puristas, mas encantoυ pragmáticos. Em Brasília, onde a política se faz mais nos bastidores que nos palanques, Ciro transitava com desenvoltura entre gabinetes, articulando emendas e conciliando interesses. Um habilidoso negociador que transformou o Progressistas em uma das maiores forças do Congresso Nacional.
Wellington Dias: o ministro que veio das ruas
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Governo Lula III
Tempo de mandato: 2 anos e 4 meses (Desde janeiro de 2023)
Se Ciro representa a política dos corredores, Wellington Dias encarna a política das ruas. O ex-governador – que comandou o Piauí por 16 anos em quatro mandatos – chegou ao Ministério do Desenvolvimento Social em janeiro de 2023 com a missão de revitalizar o Bolsa Família e combater a fome que voltou a assombrar o país.
Wellington tem outro perfil. Formado na militância sindical e nos movimentos sociais, construiu sua carreira política com uma marca de proximidade com os mais pobres. Não é à toa que Lula o escolheu para comandar justamente a pasta da assistência social – área que o presidente considera prioritária em seu terceiro mandato.
No entanto, como bem sabem os observadores atentos da política brasileira, sensibilidade social nem sempre se traduz em resultados concretos. O desafio de Wellington é imenso: precisa entregar um programa social robusto em meio a restrições fiscais severas, ao mesmo tempo em que lida com a impaciência de uma população que não pode esperar.
Como disse um interlocutor próximo ao ministro: "Wellington chegou ao ministério com o coração cheio de boas intenções, mas está descobrindo que Brasília é implacável se não entregar resultados tangíveis rapidamente."
Marcelo Castro: a ponte entre gerações
Ministro da Saúde - Governo Dilma
Tempo de mandato: 1 ano (De 2015 a 2016)
Menos badalado que seus conterrâneos, mas igualmente relevante, Marcelo Castro representa uma espécie de ponte entre a velha e a nova política piauiense. Médico por formação, assumiu o Ministério da Saúde em outubro de 2015, em meio a uma das maiores crises sanitárias da história recente: a epidemia de Zika vírus.
Sua gestão foi marcada por decisões técnicas e uma postura discreta – características cada vez mais raras em Brasília. No Senado, onde ocupa uma cadeira desde 2019, mantém o perfil de articulador silencioso, daqueles que falam menos e fazem mais.
"Marcelo tem algo raro na política atual: paciência estratégica", observa um senador que prefere não se identificar. "Ele não busca holofotes, mas está sempre presente nas decisões importantes."
A mudança fundamental
O que distingue essencialmente os ministros piauienses de hoje e os do passado é o lastro político. Reis Veloso e Arcoverde eram técnicos brilhantes, mas sem bases eleitorais próprias.
Já Ciro, Wellington e Marcelo construíram suas carreiras nas urnas, vencendo eleições e consolidando apoios.
Este é um fenômeno que transcende o Piauí e revela uma transformação profunda na política brasileira: a tecnocracia cedeu espaço para políticos profissionais com capacidade de articulação e negociação.
Em tempos de fragmentação partidária extrema, quem sabe costurar acordos e fazer a máquina funcionar ganha relevância desproporcional.
O futuro da política piauiense em Brasília
O Piauí, estado tradicionalmente marcado pela pobreza e pelos piores indicadores sociais, encontrou na política nacional um caminho para influenciar os rumos do país. Se antes seus representantes chegavam ao poder central pela excelência técnica, hoje chegam pela competência política.
Esta nova geração de ministros piauienses – nascida já na democracia e formada no calor das disputas eleitorais – representa bem o Brasil contemporâneo: um país onde a política se tornou cada vez mais profissionalizada e onde a capacidade de negociação frequentemente supera a força das ideias.
Ciro, Wellington e Marcelo, cada um a seu modo, provam que o Piauí continua relevante na política nacional. Mas diferentemente dos antecessores, sua influência não vem da tecnocracia ou da indicação superior – vem da urna, da articulação e do pragmatismo que o Brasil atual tanto valoriza.
Nos corredores de Brasília, comenta-se que o Piauí produz políticos que sabem ler os ventos antes de todos. Se isso é virtude ou defeito, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: do menor PIB per capita do Brasil continua saindo uma das políticas mais sofisticadas do país.
Os Gigantes do Passado
João Paulo dos Reis Veloso
Parnaibano de alma e coração, João Paulo dos Reis Veloso foi Ministro do Planejamento entre 1969 e 1979, período dos presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel. Foram 10 anos no centro nervoso da economia brasileira — exatamente no auge do chamado “Milagre Econômico”. Além de ser peça-chave do planejamento nacional, Reis Veloso também deixou como legado o fortalecimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Waldyr Arcoverde
Outro nome imponente foi o de Waldyr Arcoverde, Ministro da Saúde de 1979 a 1985. Natural de Amarante, ele foi um dos pioneiros da interiorização da saúde pública, um esforço gigantesco numa época em que o acesso médico era extremamente concentrado nas capitais.
Hugo Napoleão
Figura elegante e articulada, Hugo Napoleão foi Ministro da Educação, da Cultura e das Comunicações — três ministérios diferentes em dois governos (José Sarney e Itamar Franco). Apesar de ter nascido nos EUA, sempre se apresentou como representante genuíno do Piauí, somando cerca de 3 anos no primeiro escalão federal.
Outros Piauienses que Ocupam ou Ocupavam Cargos Ministeriais
Além de Ciro Nogueira e Marcelo Castro, outros piauienses também desempenharam papéis importantes na administração do país:
- Félix Pacheco: Ministro das Relações Exteriores de 1922 a 1926.
- Petrônio Portella: Ministro da Justiça de 1979 a 1980.
- Freitas Neto: Ministro Extraordinário das Reformas Institucionais de 1998 a 1999.
- João Henrique Sousa: Ministro dos Transportes de 2002 a 2003.
- Marcelo Castro: Ministro da Saúde de 2015 a 2016.
- Ciro Nogueira: Ministro-Chefe da Casa Civil de 2021 a 2022.
- Wellington Dias: Desde janeiro de 2023, Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.