Esquema Ponzi e Pirâmide Financeira: Você Sabe a Diferença Entre Esses Dois Crimes?

Pirâmide e Ação Predatória: O Que o Relatório Bombástico da Grizzly Diz Sobre a XP.

Nesta semana, o Portal Metrópoles publicou uma reportagem intitulada "Pirâmide e Ação Predatória: O Que o Relatório Bombástico da Grizzly Diz Sobre a XP". A matéria se concentra em um relatório impactante da Grizzly Research LLC, uma renomada casa de análise dos Estados Unidos, conhecida por investigar problemas corporativos e apostar na desvalorização das ações das empresas envolvidas.

 
Esquema Ponzi - Foto: Stephen Dawson na Unsplash

De acordo com a reportagem, o documento da Grizzly acusa a XP de forma grave, alegando que os lucros da corretora brasileira estão fortemente ligados a um esquema de pirâmide financeira. O relatório também afirma que a XP promove agressivamente produtos de investimento considerados predatórios. Segundo o documento da Grizzly, a empresa é acusada de operar um "esquema Ponzi massivo" por meio da venda de certos derivativos a clientes de varejo.

É importante esclarecer a diferença entre um "esquema Ponzi" e uma "pirâmide financeira", pois embora ambos sejam fraudes de investimento que prometem altos retornos com risco mínimo, eles operam de maneiras distintas. Em uma pirâmide financeira, os retornos dos investidores antigos são sustentados pelos aportes de capital de novos participantes. O esquema depende do recrutamento contínuo de novos membros para manter os pagamentos, sem um investimento legítimo ou produto real sendo vendido. Eventualmente, a pirâmide colapsa quando se torna insustentável recrutar novos investidores suficientes. Trata-se, essencialmente, da venda de ilusões, já que o produto comercializado pelo criminoso é imaterial.

 
Ricardo Pinheiro

Diferentemente das pirâmides financeiras, em um esquema Ponzi, os participantes são levados a acreditar que os retornos financeiros provêm de um investimento legítimo, embora nenhum investimento real esteja ocorrendo. Em termos gerais, a principal diferença entre esses dois conceitos criminosos está em quem pratica o crime e no tipo de produto supostamente vendido.

No esquema de pirâmide financeira, testemunhamos a suposta venda de produtos ilusórios. Nem os organizadores nem os participantes estão realmente interessados no que é oferecido; ambos buscam ganhos fáceis, independentemente dos riscos. De modo geral, pode-se dizer que as próprias vítimas desempenham um papel crucial no avanço do esquema, evidenciando uma responsabilidade compartilhada, uma vez que aderem ao engano atraídas pela promessa de ganhos irrealistas. A viabilidade desse esquema está na constante adição de novas vítimas, cujo dinheiro é direcionado para pagar os retornos prometidos aos participantes iniciais, perpetuando assim um ciclo contínuo de desilusão e desapontamento.

Por outro lado, um esquema Ponzi tipicamente emerge no âmbito do mercado financeiro. Nessa modalidade de fraude, os criminosos promovem, por exemplo, a venda de cotas de um fundo de investimento que, na verdade, é montado de forma fraudulenta, frequentemente por meio de documentos sem respaldo autêntico. De maneira cuidadosamente orquestrada, os fraudadores produzem documentos com aparência de legitimidade financeira tão convincente que conseguem inseri-los, de forma ilícita, no mercado formal. Isso leva as vítimas, atraídas pela suposta segurança do sistema financeiro, a investirem em ativos fundamentalmente falhos, caracterizando uma fraude meticulosamente arquitetada.

Trata-se de um produto financeiro sem qualquer viabilidade real. Esse esquema carece de qualquer base técnica necessária para ser implementado de forma legítima ou para operar de maneira regular no mercado financeiro. Os retornos financeiros prometidos, que variam tipicamente entre 2% e 5%, são ilustres apenas no papel, sendo inviáveis de se alcançar de forma sustentável. Esses ganhos irreais são sustentados meramente pelos contínuos aportes de novos investidores desavisados, perpetuando a ilusão de lucratividade.

No Brasil, a Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que trata dos crimes contra a economia popular, embora não mencione explicitamente "esquema Ponzi", abrange operações de pirâmide financeira sob a descrição de obtenção de ganhos ilícitos mediante especulações ou processos fraudulentos.

Confira o teor do artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/51:

“IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.”

Embora o esquema Ponzi não seja mencionado explicitamente na legislação penal brasileira, pode ser enquadrado sob diversas tipificações penais, conforme as circunstâncias específicas. Essas tipificações incluem crimes contra a economia popular, conforme previsto na Lei nº 1.521/51, e, em algumas situações, o crime de estelionato. Para que um indivíduo seja acusado especificamente de envolvimento em um esquema Ponzi, é necessário que a acusação demonstre que as ações fraudulentas foram perpetradas contra um número indefinido de vítimas. Caso contrário, o acusado poderá ser responsabilizado apenas pelo crime de estelionato.

No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 132.655/RS pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, foi decidido encerrar a ação penal por estelionato devido à possível ocorrência de bis in idem com os crimes definidos no artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/1951.

“A controvérsia em análise cinge-se à configuração de crime único e à ocorrência de bis in idem, diante da imputação, ao ora recorrente, da incursão nos arts. 171 do Código Penal e 2º, IX, da Lei n. 1.521/1951.

Em situação similar, esta Corte Superior já decidiu que, nas hipóteses de crime contra a economia popular por pirâmide financeira, a identificação de algumas das vítimas não enseja a responsabilização penal do agente pela prática de estelionato.

Recurso provido para, diante do bis in idem identificado na hipótese, determinar o trancamento do processo, em relação ao ora recorrente, no que atine aos crimes de estelionato (fatos 4º ao 29º da denúncia).”

Independentemente da tipificação criminal, a prudência é a melhor medida em qualquer investimento. Desconfie de promessas de retornos milagrosos e procure sempre contar com uma assessoria jurídica ou financeira antes de se comprometer com investimentos arriscados. Este discernimento é indispensável para evitar cair em fraudes, como esquemas Ponzi ou pirâmides financeiras, que se sustentam na ilusão e na exploração de novos investidores.

Link da reportagem citada nesta coluna: https://www.metropoles.com/colunas/dinheiro-e-negocios/piramide-e-acao-predatoria-o-que-relatorio-bombastico-da-grizzly-diz-sobre-a-xp