Vejo que há uma grande preocupação por parte das pessoas acusadas de infração criminal em relação às capitulações jurídicas propostas na denúncia pelo Ministério Público. Frequentemente, para conferir à denúncia uma maior credibilidade e exercer pressão sobre o acusado, a mesma é elaborada de maneira a demonstrar à sociedade uma reprovação veemente da infração criminal cometida. Quero frisar que não estou aqui para julgar se essa prática é correta ou não, mas sim para destacar o formalismo presente no artigo 41 do Código de Processo Penal. Este artigo determina, de forma clara, que a denúncia ou queixa deve, obrigatoriamente, incluir a capitulação jurídica da suposta infração criminal.
Quando o Ministério Público apresenta uma denúncia—o documento inicial no processo criminal contra um indivíduo—pode-se afirmar, de forma generalista, que ele está submetendo uma sugestão acusatória ao Poder Judiciário. Essa sugestão visa enquadrar legalmente o comportamento do acusado conforme as normativas vigentes. No entanto, isso não significa que o Poder Judiciário irá necessariamente concordar com a sugestão jurídica proposta pela acusação. Mesmo que a denúncia seja inicialmente recebida pelo Poder Judiciário, isso não garante que ela será julgada procedente, nem que as capitulações jurídicas estejam coerentes com as provas apresentadas na instrução processual.
Confira o teor do artigo 383 do Código de Processo Penal:
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
Portanto, o foco da defesa do acusado deve ser sempre sobre os fatos e não apenas nas capitulações jurídicas propostas pela acusação. Isso se deve ao fato de que, conforme o artigo 383 do Código de Processo Penal, o juiz não está vinculado às capitulações jurídicas propostas pela acusação. O magistrado possui a liberdade de reclassificar juridicamente os fatos com base nas provas apresentadas durante a instrução processual. Além disso, caso o juiz tenha dúvidas quanto a uma imputação criminal, ele deve absolver o acusado.
5. Tais incongruências servem para fragilizar ainda mais o arcabouço probatório, o qual já se mostrava duvidoso diante da precariedade das provas angariadas.
6. In casu, não houve prisão em flagrante, tampouco apreensão de qualquer objeto do crime com o réu e, das imagens de câmera de vigilância constantes dos autos, não é possível identificar os autores dos delitos.
7. Portanto, diante da fragilidade probatória, há, no mínimo, dúvida razoável acerca da autoria por parte do réu da prática delitiva, o que impõe a sua absolvição.
8. Ordem concedida para absolver o paciente dos delitos que lhe foram imputados na Ação Penal n. 0019052-02.2018.8.26.0050, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal.
(HC n. 946.371/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 13/12/2024.)
Em suma, embora os acusados estejam naturalmente preocupados com as capitulações jurídicas apresentadas pelo Ministério Público em uma denúncia, a defesa deve priorizar os fatos concretos do caso. Isso se deve à possibilidade prevista no artigo 383 do Código de Processo Penal, que concede ao juiz a liberdade de reclassificar juridicamente os fatos durante o julgamento, independentemente da tipificação sugerida pela acusação. Além disso, o artigo 386, V, do mesmo Código reforça a necessidade de o Ministério Público comprovar a prática do delito de forma incontestável. Caso persista qualquer dúvida razoável sobre a autoria ou a existência da infração, o juiz deve absolver o acusado, obedecendo ao princípio de que somente uma certeza absoluta sobre a prática da infração criminal tem valor suficiente para fundamentar uma condenação legítima.