A ampla defesa no inquérito policial

Exercer o direito constitucional de ampla defesa no inquérito policial é uma medida de sabedoria e cautela.

Hoje eu gostaria de conversar sobre a possibilidade, garantida constitucionalmente, de a parte exercer o direito de ampla defesa ainda no âmbito do inquérito policial. 

 

Investigação - Foto: Zachary Delorenzo na Unsplash

Quando abordamos o conceito de ampla defesa, estamos nos referindo ao direito que uma pessoa tem de utilizar todos os instrumentos legais e todos os meios de prova admitidos para proteger seus interesses e apresentar sua versão dos fatos perante uma autoridade investigativa. Essa garantia constitucional, expressa no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, transcende o âmbito processual judicial e também se estende à fase do inquérito policial, embora esse entendimento por vezes seja negligenciado na prática forense.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

No inquérito, é comum que a autoridade policial busque reunir elementos que apontem para a autoria e materialidade de uma infração penal. No entanto, é preciso ter em mente que muitas vezes pessoas inocentes acabam sendo objeto de investigação. O Estado, apesar de orientado por normas e procedimentos, é representado por pessoas e, como tal, sujeito a falhas humanas, equívocos de percepção ou mesmo limitações na coleta dos elementos de convicção. Por isso, a formação do conjunto probatório não deve ser uma via de mão única, limitada apenas à atuação do delegado e de sua equipe.

 

Ricardo Pinheiro.

Nesse contexto, o exercício do direito de ampla defesa se revela ainda mais relevante. Permitir que o investigado — por meio de seu advogado — atue proativamente na produção de provas, na indicação de testemunhas, na apresentação de documentos e até mesmo em requerimentos para a realização de diligências, contribui não só para o esclarecimento mais célere e preciso dos fatos, mas também para a proteção da dignidade da pessoa humana frente ao poder estatal.

A possibilidade de o investigado fornecer provas já na fase do inquérito é crucial principalmente quando ele tem plena convicção de sua inocência. Imagine, por exemplo, um caso em que uma pessoa é injustamente acusada de um delito e possui documentos ou testemunhas que podem demonstrar a impossibilidade de sua participação nos fatos investigados. A atuação célere e concreta da defesa neste momento pode evitar que ocorra um indiciamento injusto, ou mesmo que uma denúncia infundada seja oferecida pelo Ministério Público.

Vale lembrar que o inquérito policial é, por definição, um procedimento administrativo e preliminar, de caráter informativo, e tem por finalidade fornecer elementos ao titular da ação penal para que este decida se há justa causa para o início do processo penal. No entanto, embora o relatório final do delegado não vincule o julgador ou o Ministério Público, as conclusões ali presentes, baseadas nas provas colhidas, influenciam substancialmente o futuro da persecução penal.

Dessa forma, é recomendável que o investigado, sempre com o auxílio de um advogado, busque não apenas acompanhar o inquérito, mas sim atuar de forma ativa e estratégica. Isso inclui, por exemplo:

Apresentar documentos que possam comprovar a sua versão dos fatos;

Indicar pessoas para serem ouvidas como testemunhas;

Requerer diligências que possam esclarecer pontos duvidosos ou confirmar álibis;

Solicitar a realização de exames periciais, quando necessário;

Entregar espontaneamente dispositivos ou outros objetos que possam ser relevantes para o caso.

Tal postura, além de reforçar o exercício da ampla defesa, demonstra boa-fé e colaboração com as autoridades, o que pode ser fundamental não apenas para evitar um indiciamento, mas também para contribuir, caso um processo venha a ser instaurado, na formação de uma convicção favorável ao acusado.

Outro aspecto relevante a ser destacado é que, embora o Ministério Público não esteja juridicamente vinculado à conclusão do inquérito ou ao relatório final do delegado, a robustez dos elementos colhidos com a colaboração ativa da defesa certamente influencia a análise sobre a viabilidade de oferecimento da denúncia. Além disso, a postura ativa do investigado pode ser posteriormente valorada no julgamento, seja pela demonstração de que não tinha nada a esconder, seja pela reafirmação de sua confiança e respeito pelas instituições.

Portanto, é imprescindível que o investigado, especialmente aquele que tem plena consciência de sua inocência, produza o maior número possível de provas desde o início da apuração. Há casos em que a atuação defensiva eficaz durante o inquérito policial foi determinante para o arquivamento do procedimento antes mesmo do ajuizamento da ação penal, poupando o cidadão do desgaste emocional, social e financeiro de um processo injusto.

Em síntese, exercer o direito constitucional de ampla defesa no inquérito policial não é apenas uma possibilidade formal prevista na Constituição Federal, mas sim uma medida de sabedoria e cautela frente às incertezas e riscos inerentes a qualquer investigação criminal. É o momento de reunir todas as provas disponíveis, apresentar todos os argumentos pertinentes e atuar de modo transparente, para que a verdade dos fatos possa prevalecer desde a origem da persecução penal.