Parece que há uma interpretação equivocada pelas instituições de ensino, especialmente aquelas que lidam com crianças e adolescentes, sobre a Lei 13.185, de 6 de novembro de 2015, que institui o programa de combate à intimidação sistemática, conhecido como bullying. As escolas, em geral, não estão conseguindo interpretar corretamente essa legislação infraconstitucional, o que leva a ações que vão contra a intenção da norma.
O § 1º do artigo 1º da Lei 13.185, de 6 de novembro de 2015, define com clareza o bullying como intimidação sistêmica, destacando a ausência de tipicidade quando a conduta é praticada de forma isolada ou casual. Confira o teor da norma:
Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática ( Bullying ) em todo o território nacional.
§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática ( bullying ) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
A norma menciona exemplos não exaustivos de como a intimidação sistêmica ou contínua pode se manifestar. Isso inclui violência física ou psicológica, como atos de intimidação, humilhação ou discriminação — por exemplo, apelidos pejorativos, isolamento social, ameaças, assédio sexual, e também o cyberbullying.
Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores ( cyberbullying ), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
A Lei claramente impõe que as escolas devem tentar resolver eventuais problemas entre alunos internamente, evitando a exposição desnecessária dos envolvidos e o deslocamento imediato dos casos aos conselhos tutelares ou ao Ministério Público. Infelizmente, muitas vezes as escolas optam por um encaminhamento rápido para autoridades externas, sem tentativas de resolução interna, o que não cumpre seu papel educativo e pode alimentar o estigma injusto de processos legais contra crianças.
Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º :
VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;
Art. 5º É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática ( bullying ).
Portanto, quando a escola transfere sua responsabilidade para as autoridades governamentais — como conselhos tutelares e Ministério Público — ela inverte a lógica estabelecida pela norma, causando efeitos prejudiciais no futuro. Essa prática está educando crianças e adolescentes a não resolverem seus problemas por conta própria, gerando um receio infundado de que o Estado é sempre o responsável por solucioná-los.
Essa prática não apenas desconsidera a legislação que trata do bullying como também ignora o fato de que a intimidação ocasional entre alunos, que pode ser resolvida dentro da própria escola, não se caracteriza como bullying, que tem a sistematicidade como um de seus componentes definidores. Portanto, ações isoladas ou palavras ditas em momentos de conflito não deveriam ser tratadas como bullying, e sim como parte do processo de aprendizado social da convivência.
Além disso, o processo de estigmatização que advém de uma comunicação errônea às autoridades pode ter impactos negativos profundos, agravando a situação dos jovens envolvidos. O artigo 4º, inciso II, da Lei 13.185 enfatiza que a capacitação dos corpos docente e pedagógico deve focar na resolução interna de conflitos e no incentivo ao diálogo construtivo. Assim, transferir a responsabilidade das escolas para as autoridades governamentais contraria o objetivo do Programa.
Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º :
II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
Em conclusão, é crucial que as instituições de ensino interpretem e apliquem a lei corretamente, priorizando a resolução interna dos problemas e contribuindo para a formação cidadã dos alunos, conforme estabelecido pela norma. A transferência de responsabilidade para as autoridades governamentais é equivocada, contraria a legislação e submete crianças e adolescentes inocentes ao constrangimento de processos injustos.