Em várias regiões do Brasil, sobretudo no interior do Nordeste e em pequenas comunidades rurais do Norte, uma tradição tão inusitada quanto controversa costuma ganhar vida na Sexta-feira da Paixão: o "roubo de galinhas". A prática, passada de geração em geração, consiste em invadir quintais vizinhos durante a madrugada para capturar aves que, no dia seguinte, são usadas em banquetes de Sábado de Aleluia.
Não há certeza quanto a origem do costume, entretanto, ganhou mais força a ideia de que a prática está envolta em elementos religiosos e folclóricos. Segundo relatos populares, como Jesus estaria morto na Sexta-feira Santa, os pecados cometidos nesse dia não seriam "vistos" ou contabilizados. Essa crença teria aberto caminho para pequenas transgressões, vistas quase como travessuras permitidas pelo calendário religioso.
Além disso, a proibição do consumo de carne vermelha na Sexta-feira da Paixão levou muitos fiéis a optarem por frangos ou galinhas na refeição seguinte, tornando a ave símbolo do banquete do Aleluia.
Entre a cultura e o Código Penal
Apesar do tom jocoso com que muitos encaram o ato, o furto, mesmo com propósitos culturais ou religiosos, continua sendo crime previsto no artigo 155 do Código Penal Brasileiro. E não faltam casos em que a "brincadeira" virou caso de polícia.
Em 2021, por exemplo, um morador de Minas Gerais virou réu após “pegar emprestadas” duas galinhas de um vizinho durante essa época. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde foi discutido até que ponto a tradição poderia justificar a conduta. A decisão reforçou que costumes regionais não podem sobrepor-se à lei.
Uma tradição em transformação
Com o tempo, muitas comunidades têm deixado de lado o aspecto “ilegal” da prática, transformando o ato em encenação simbólica, festejos públicos ou apenas memórias contadas entre risadas e saudosismo. Em outras regiões, a ceia do Aleluia segue forte, mas com galinhas adquiridas de forma legítima.
Ainda assim, a história do "roubo de galinhas" continua a despertar a curiosidade de quem não a conhece e a nostalgia de quem a viveu.